Israel vê terrorismo no futebol palestino e ataca também seleção nacional
Os quatro garotos tinham entre 9 e 11 anos, eram primos e haviam sido avisados pela mãe de um deles para não sair de casa naquele dia. Mesmo assim, Ismail, Zakaria, Ahed e Mohamed foram jogar futebol na praia, às margens do Mediterrâneo, coisa que faziam frequentemente.
Eles escaparam das primeiras bombas, que atingiram a barraca de um pescador. Enquanto uma cortina de areia subia da praia, os garotos correram buscando proteção, mas não evitaram a segunda série de ataques, que explodiu bem perto deles.
“Minutos antes de serem mortos, eu estava jogando bola com eles”, disse Ayman Mohyeldin, jornalista da rede americana NBC, que estava hospedado em um hotel perto da praia.
O assassinato dos garotos da família Bakr, na última quarta-feira, entra na longa lista de tragédias do atual conflito entre palestinos e israelenses na Faixa de Gaza – já foram mais de 230 mortes desde o dia 8 de julho, a imensa maioria de civis palestinos, segundo a ONU.
Mas não foi a primeira vez que o futebol apareceu no sangrento conflito do Oriente Médio. O Estado israelense acredita que a seleção nacional palestina está sendo usada para fomentar atividades terroristas do Hamas.
Ao longo dos últimos cinco anos, desde que a seleção começou a ensaiar voos internacionais, as ações do Estado israelense vêm sistematicamente minando suas intenções esportivas.
O mais comum é negar visto de saída a jogadores convocados pela seleção, já que hoje o cidadão palestino precisa de autorização para deixar o território ocupado por Israel. Mas há outros casos de ataques diretos, prisão e tortura, levados a cabo pelas forças de ocupação contra jogadores e membros da comissão técnica da seleção.
De acordo com Israel, esses esportistas presos ou atacados tinham na verdade ligação com grupos terroristas e usavam as viagens da seleção para atividades políticas.
Por causa dessas ações, a federação palestina encabeçou uma campanha com o objetivo de suspender Israel da Fifa. Michel Platini, o presidente da Uefa, já criticou os ataques do exército israelense à seleção da Palestina. “Israel precisa escolher entre permitir o esporte palestino continuar e prosperar ou ser forçado a encarar as consequências por seu comportamento”, afirmou o francês em 2010.
Mas longe de ter cumprido sua ameaça, a Uefa pode vir a premiar Israel ainda neste ano, quando serão anunciadas a sede da Euro-2020, que será disputada em 13 cidades espalhadas pelo continente – Jerusalém é uma das concorrentes.
Por causa do conflito em marcha e para garantir a segurança de atletas, a entidade decidiu na quarta-feira proibir jogos da Liga dos Campeões e da Liga Europa em Israel. Os clubes locais deverão escolher outro lugar para sediar suas partidas.
Jogador foi preso, torturado e fez greve de fome por liberdade
Em 2009, o centroavante Mahmoud Sarsak estava indo para um jogo da seleção palestina junto com outros jogadores quando soldados do exército israelense o separaram do grupo, o algemaram, o vendaram e o levaram para interrogatório.
Ele passou três anos em prisões do país e foi torturado de várias formas, embora nunca tenha sido formalmente acusado de nada. De acordo com ele, os soldados o forçavam a confessar que ele tinha ligação com o Hamas.
“Eu dizia: ‘Eu sou jogador, não trabalho para ninguém. Não tenho tempo para política, sou um esportista’”, afirmou em uma entrevista há uma semana ao site da ONG Anistia Internacional. Israel mantém a versão de que Sarsak se comunicava com o Hamas.
Para sair da prisão, o jogador começou uma greve de fome em março de 2012, que durou 101 dias. Ele perdeu metade do seu peso e ficou temporariamente cego e surdo. Sua história comoveu a comunidade internacional, e Sarsak recebeu o apoio de diversas organizações.
O sindicato internacional de jogadores pediu sua soltura imediata. Personalidades esportivas como Eric Cantona, Frédéric Kanouté, Abou Diaby e Lilian Thuram fizeram pedidos semelhantes. Platini e o presidente da Fifa Josep Blatter engrossaram o coro. O diretor de cinema Ken Loach e o escritor Noam Chomsky também. A pressão internacional finalmente fez efeito, e Israel libertou Sarsak em julho de 2012.
Aos 27 anos, ele vive hoje em Londres, trabalha como comerciante, e provavelmente não poderá mais jogar futebol por causa das complicações sofridas no tempo em que ficou preso, agravadas pela greve de fome.
Ele não foi o único caso de jogador palestino que teve problemas com as forças de ocupação israelenses.
Tiro nos pés
Em janeiro de 2014, Jawhar Nasser, de 19 anos, e Adam Halabiya, de 17, receberam tiros nos pés quando voltavam para casa após um treino em um clube na Cisjordânia. Eles foram abordados em um checkpoint do exército israelense quando os disparos aconteceram. De acordo com as forças armadas, os dois jogadores estavam prestes a lançar bombas contra os soldados, que teriam agido preventivamente, para se defender.
Para instituições pró-palestina, o fato de os atletas terem recebido tiros nos pés e ficado impossibilitados de voltar a jogar passa uma mensagem clara a respeito das intenções israelense de minar o futebol local.
Jibril al-Rajoub, presidente da Associação Palestina de Futebol, disse que “a brutalidade israelense contra eles [os jogadores] enfatiza a insistência da ocupação em destruir o esporte palestino.”
Em 2009, três jogadores da seleção, Ayman Alkurd, Shadi Sbakhe e Wajeh Moshtahe, foram mortos em um bombardeio a Gaza. Em 2012, o goleiro Omar Abu Rwayyis foi preso pela polícia israelense acusado de terrorismo. Ontem, o perfil no Facebook da seleção palestina informou que a casa de Saeb Jundiyeh, ex-líder do time a atual assistente técnico, foi bombardeada em Gaza.
“Hoje, em Israel e na Palestina, futebol é política”, definiu o jornalista Dave Zirin, da revista The Nation, que cobre o esporte da região. “Se você ataca a seleção nacional, você ataca a ideia de que poderia haver uma nação.”
Mesmo assim, a seleção prospera. A federação nacional foi reconhecida pela Fifa em 1998 e, em maio último, o time conseguiu se classificar pela primeira vez para a Copa da Ásia. Em junho, eles chegaram ao 94º lugar no ranking da Fifa, sua melhor posição até hoje.
No entanto, por causa da dificuldade de sair do território palestino, devida à restrição na liberação de vistos, a seleção depende principalmente de jogadores que vivem longe do Oriente Médio. Em 2006, um jogo das eliminatórias para a Copa da Ásia foi cancelado porque Israel se recusou a dar vistos a jogadores da faixa de Gaza e da Cisjordânia.
Os israelenses agiram da mesma forma no ano seguinte, antes de um jogo decisivo nas eliminatórias para a Copa de 2010.
O que diz o Estado israelense
No começo do mês, a Anistia Internacional questionou a embaixada israelense em Londres sobre a prisão de Mahmoud Sarsak. Israel defende que os jogadores de futebol palestinos usam o esporte como desculpa para manter atividades terroristas.
Eis o que a embaixada respondeu:
“Descrever Mahmoud Sarsak simplesmente como “um jogador palestino” é claramente um insulto aos jogadores. Sarsak foi preso com base em informações apontando seu envolvimento em atividades militares da Jihad Islâmica Palestina. Isso incluía a instalação de explosivos, recrutamento e treino de células terroristas e manter contato com líderes militares. A Jihad Islâmica tem continuamente lançado mísseis contra israelenses e assumido responsabilidade por vários ataques terroristas. A característica definitiva de Sarsak é, infelizmente, sua atividade terrorista e não o futebol que ele possa jogar em seu tempo livre.
O que está em perigo não é o direito dos palestinos a um time de futebol, mas o mau uso do esporte para levar a cabo atividades terroristas. Em 28 de abril de 2014, outro jogador da seleção, Samah Fares Muhamed Maravawas, foi preso após o retorno da equipe do Qatar. Ele admitiu ter se encontrado com um operador do braço militar do Hamas e ter recebido dele um celular e ter enviado mensagens para integrantes do Hamas na Cisjordânia.”
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