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Como as 'mães boleiras' atrasaram o crescimento do futebol nos EUA

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

07/08/2014 06h00

Elas são de classe média alta, moram longe do centro, amam seus filhos e os amiguinhos deles. São donas de casa, têm 30 e pouco, 40 anos, dirigem minivans e dedicam a maior parte de seu tempo para levar e trazer as crianças dos treinos de futebol. Elas se preocupam com o lanche depois dos jogos, fazem vaquinha para comprar um presente para o técnico e partem para cima do juiz se ele deixa de marcar falta contra seus filhos. São acusadas de mimá-los demais e cuidar de suas próprias vidas de menos.

Nos Estados Unidos, ao contrário do que ocorre no resto do mundo, o futebol sempre foi um esporte praticado mais por mulheres e crianças e desprezado pelo resto da população. Soccer mom, uma expressão específica do inglês americano, foi o termo criado para rotular, a princípio pejorativamente, as mulheres que ocupavam as arquibancadas dos treinos de suas crianças. Não existe uma tradução consagrada para o português, já que as palavras se referem a uma realidade americana. Esta reportagem escolheu chamá-las de mães boleiras.

As mães boleiras, em algum momento da década de 1990, deixaram de ser um simples estereótipo e viraram uma categoria demográfica e sociológica nos Estados Unidos, apontadas como capazes de definir até eleições presidenciais.

Em 1996, Alex Castellanos, consultor do Partido Republicano, disse que a campanha do adversário Bill Clinton estava particularmente interessada em conseguir votos das mães boleiras e atender em seu programa de governo os principais anseios desse estrato da população: melhorias no sistema de saúde e educação, por exemplo.

Artigos analíticos foram escritos, gurus da ciência política foram consultados, propagandas foram postas no ar tendo as mães boleiras como público-alvo. E Bill Clinton acabou vencendo as eleições com 49% dos votos delas.

Depois disso, elas invadiram também a cultura pop, viraram personagens de série de TV e protagonistas de filmes de Hollywood. E quando a MLS (a liga de futebol americana) foi fundada, logo depois da Copa de 1994, elas estiveram no centro dos esforços de marketing dos executivos. O objetivo era vender a ideia de que ir ao estádio era um programa de família. As mães boleiras, acostumadas a transportar as crianças à escolinha, as levariam também às arquibancadas.

Isso foi um erro, de acordo com um estudo sobre as médias de público do futebol nos EUA, feito pelas universidades de Georgetown e da Carolina do Sul. Ao colher dados oficiais desde a fundação da liga e compará-los com as estratégias adotadas ao longo do tempo para fidelizar torcedores, os pesquisadores concluíram que os esforços dos times foram mais prolíficos quando apontados para longe das mães boleiras.

“Certamente, o recente foco da liga distante das mães boleiras e famílias parece ter sido bem sucedido”, anuncia o estudo assinado por Steven Argeris e Mark Nagel. “Embora a liga não deva abandonar completamente todos os esforços para atrair famílias, os dados indicam que os consumidores da MLS, como os de outras ligas profissionais da América, tendem a ser jovens, profissionais masculinos e com orçamento disponível.”

Nos últimos anos, a MLS tem visto um crescimento importante da média de público. No ano passado, 18.608 torcedores assistiram, em média, a cada jogo da principal liga profissional dos EUA (no Brasileirão, a média foi de 14.969).

No último fim de semana, um amistoso entre Real Madrid e Manchester United reuniu mais 109 mil pessoas, um recorde de público do futebol no país.

Gol contra

As mães boleiras, sem querer, acabaram virando um dos motivos pelos quais a maioria dos americanos torce o nariz ao esporte mais popular do planeta, de acordo com o jornalista Jason Davis. “Não há nada que contribua mais para a imagem problemática que o esporte tem nos EUA do que a expressão ‘mãe boleira’”, escreveu ele, em artigo publicado no Guardian.

Segundo Davis, “a conotação carregada da expressão vai diretamente de encontro ao caráter naturalmente popular do futebol. Ela expressa - porque a classe econômica de uma mãe boleira é a classe média alta, de acordo com o uso moderno do termo - quão invertido tem sido o acesso ao esporte nas últimas quatro décadas. Agora que as mães boleiras são vistas como mulheres de privilégios, a expressão exacerba a imagem de um esporte para ricos, brancos e suburbanos.” (Lembre-se que o termo suburbano está relacionado, nos EUA, a pessoas mais endinheiradas)

Os esforços para popularizar o esporte em outros estratos da população são encampados também por executivos que comandam os clubes de futebol.

Gary Wright, o vice-presidente de negócios do Seattle Sounders, um dos times mais populares do país, anunciou em 2009 uma nova abordagem de mercado. “A mãe ou o pai boleiro... Eles virão [ao estádio] em promoções especiais... Mas eles não compram ingresso para os 18 jogos da temporada.”

Doulgas Logan, ex-chefe da MLS e antigo defensor de uma abordagem pró-soccer mom, chegou a voltar atrás e admitir que o futebol não proporciona sempre uma "experiência familiar". "Esporte coletivo é tribal e, infelizmente, masculino", disse ele.

A liga americana parece que encontrou seu público-alvo preferido: homem, jovem e profissional com algum dinheiro sobrando para gastar em produtos licenciados. É esse público que os times querem conquistar ao investir em contratações de peso, como a de Kaká, que jogará a partir do ano que vem no recém-admitido Orlando City.

Mas, se as mães boleiras foram de certa forma escanteadas pelo marketing das equipes, elas reverteram o caráter pejorativo em torno do qual o termo foi cunhado, e hoje é possível ver suas minivans com adesivos no vidro que deixam claro: “Aqui há uma mãe boleira no comando.”

E elas certamente continuarão a desempenhar um papel fundamental no futebol de base norte-americano. De acordo com um levantamento da Fifa, os EUA são o segundo país com mais crianças e adolescentes praticando o esporte, atrás apenas da China.

Muitos deles trazidos e levados para os treinos nos bancos de trás de minivans dirigidas por suas mães.