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Voz radical do Bom Senso, Ruy Cabeção vê diálogo inútil e pede revolução

Ruy Cabeção: ativismo nas redes sociais e encontro com Dilma pelo Bom Senso - Reprodução/Instagram e Roberto Stuckert Filho/ Presidência da República
Ruy Cabeção: ativismo nas redes sociais e encontro com Dilma pelo Bom Senso Imagem: Reprodução/Instagram e Roberto Stuckert Filho/ Presidência da República

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

09/08/2014 06h00

Dentro do Bom Senso FC há quem não tenha mais paciência para o diálogo com o poder. Ruy Cabeção é um deles. No ocaso da carreira, o jogador do Operário do Mato Grosso é um representante dos jogadores de divisões inferiores dentro da elite de ativismo do movimento. Por isso, sem amarras com contratos de clubes grandes, diz se sentir mais à vontade na luta para transformar o futebol brasileiro. É um dos mais ferrenhos adeptos da ideia de greve entre os atletas e usa o termo revolução sem constrangimentos.

Na reflexão sobre o que não dá certo no futebol profissional do país, Ruy dispara contra CBF, clubes tradicionais, os dirigentes mais importantes e a Rede Globo, o parceiro que banca a elite da Série A. Não há mais margem para diálogo, diz o defensor de 36 anos, que já planeja estudar gestão do esporte para seguir na militância.

Durante a semana Ruy usou sua conta no Instagram para criticar a divulgação do calendário do futebol nacional para a temporada 2015, que ampliou o prazo de férias e pré-temporada no começo do ano. O jogador chamou os homens da cúpula da CBF de "dinossauros ditadores". No mesmo texto, disse que sonha com a greve todos os dias.

Em maio passado, Ruy foi recebido pela presidente Dilma Rousseff em Brasília, junto com uma comitiva do Bom Senso que também contava com Alex, Dida, Gilberto Silva e outros boleiros de mais cartaz do que ele. O jogador do Operário foi representando um patamar de dificuldade do futebol nacional, na condição de atleta de Série D, e acabou ganhando atenção especial da anfitriã.

O veterano de passagens por Cruzeiro, Fluminense e outros clubes do país leva ao caminho de ativismo a batalha pessoal com o Botafogo na Justiça, esperando rendimentos atrasados desde 2007. Afirma ser um especialista na relação com diretorias dos grandes e tem bastante a dizer. Confira abaixo a entrevista de Ruy Cabeção ao UOL Esporte:

UOL Esporte: Por que o Bom Senso é contra à aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte? [prevista para a semana que passou, a votação foi adiada para setembro]

Ruy Cabeção: Não concordo com a forma, se a lei fosse aprovada. Simplesmente porque seria pela entrega da certidão negativa de débitos no final do ano. Para os clubes poderem acertar patrocínios federais. Quer dizer, eles podem ficar vários meses com salários atrasados e acertar tudo no final do ano. Continua sendo a mesma bagunça que está acontecendo há anos. O que a gente quer é o que o futebol se organize.

UOL Esporte: A CBF divulgou nesta semana o calendário para 2015. O Bom Senso rebate a ideia de organização, fala em calendário espremido. O que você achou?

Ruy Cabeção: Parece que a CBF fez uma reformulação gigantesca com o calendário, com 30 dias de férias e 25 de pré-temporada. Acho isso ridículo. O Marin, o Del Nero, e antes o Teixeira, deveriam sentir vergonha pelo que fazem com o futebol brasileiro. Qualquer cidadão que trabalhe tem seu direito a descanso pela constituição. Eu já tive anos com férias de dez ou 15 dias. Uma coisa de profissionalismo, acima de tudo. Mas hoje ninguém faz mais a gente de idiota. Na Europa já é assim há muitos anos.

Isso é o que revolta. A CBF está cagando e andando para o futebol, com o perdão da palavra. Não está nem aí para 12 ou 13 mil jogadores que ficam desempregados depois dos estaduais, porque não tem calendário. Deveriam pensar em repasses para as federações a fim de que se melhore os estaduais. Mas para a CBF está tudo ótimo. No dia que saiu o calendário, o meu telefone não parou de tocar. Os jogadores estão revoltados com o descaso.

UOL Esporte: Você é um adepto da greve. Mas ainda existe muita divisão no Bom Senso sobre a paralisação?

Ruy Cabeção: Os jogadores pensam em greve há muito tempo, mas é difícil a gente mobilizar todo mundo. Muitos jogadores mais jovens não se sentem seguros, com medo de represálias. Os sindicatos estão aí para representar suas classes. Mas o nosso sindicato não serve para nada. Está lá para arrecadar seu dinheiro todo mês, mas não faz nada. Então tem muita coisa que dificulta, mas a vontade de todos é de parar.

A verdade é que existe escravidão no futebol brasileiro, com os jogadores. O torcedor é importante, a imprensa, mas somos nós os responsáveis pelo espetáculo. Temos que fazer essa revolução, porque é o jogador que fica com a menor fatia do bolo.

Jogadores de Santos e Bahia seguram faixa de apoio ao Bom Senso FC (14.nov.2013) - Junior Lago/UOL - Junior Lago/UOL
Jogadores da Série A fizeram protestos em campo no Brasileiro de 2013
Imagem: Junior Lago/UOL

UOL Esporte: Você, pessoalmente, já sofreu algum tipo de retaliação em razão do engajamento no Bom Senso?

Ruy Cabeção: Estou na lista negra do futebol porque não sou enganado por dirigente. Sou um perigo para os clubes grandes, existe uma resistência de patrocinadores sobre meu nome. Até porque falo sobre a própria Globo, que sou contra o horário das transmissões, 10 horas da noite. Qual torcedor que vai num jogo desse e consegue acordar às 6 horas da manhã para trabalhar? Já venho sofrendo retaliação há dois ou três anos. Não tenho mais portas abertas em clubes da séries A e B. Só tenho espaço em clubes que ainda não estão contaminados por dirigentes, por grupos de empresários. Porque eu tenho voz ativa. Comigo não tem mais diálogo. Acho que o diálogo não leva a nada.

UOL Esporte: Você está com 36 anos. Quando a carreira acabar, pensa em seguir no futebol?

Ruy Cabeção: Prometi a minha esposa e minhas filhas que não iria mais fazer parte do futebol. Prometi que iria mais cuidar da família. Mas hoje em dia muitos jogadores me pedem para continuar no meio. Estou começando a mudar meu pensamento. Já tranquei a faculdade de administração duas vezes. Mas vou começar a cursar a Universidade do Futebol, no curso de gestão. Não sei se me imagino como um gestor ou um diretor de futebol, não sei se é a minha. Mas posso me preparar para ser um treinador.

UOL Esporte: Você está na Justiça contra o Botafogo. Como anda essa questão?

Ruy Cabeção: Saí do Botafogo com salários atrasados, fundo de garantia. São sete anos esperando na Justiça. Mas tem 132 pessoas na minha frente na lista de credores. Vou receber esse dinheiro daqui a 20 anos, se receber. Não existe lei no futebol brasileiro. A gente vê, por exemplo, esse caso que o Corinthians deve ao INSS, que não está recolhendo impostos, coisa que todo cidadão faz. Isso não entra na minha cabeça.

UOL Esporte: Na semana que passou a Globo começou uma rodada de conversas com dirigentes de clubes para discutir a atualidade do futebol no país. Você acha que essa transformação precisa partir da emissora?

Ruy Cabeção: A questão da Globo é que ela compra o produto, então acha que pode dar os seus pitacos. O problema é que ela quer exclusividade no bem-estar, não está nem aí para o bem-estar do atleta e do torcedor. Se importa apenas se o torcedor está ligado no canal dela. Os diretores da Globo são muito competentes, afinal é uma das maiores emissoras do mundo. Eles podem entender de TV, mas não entendem nada de futebol. Na verdade podem chamar eles de banco. Porque estão aí para salvar os clubes. Antecipam cotas de dois anos. E aí fica essa bagunça financeira.