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No dia em que jogou como Brasil, Palmeiras venceu com golaço e mão na bola

Valdir, Servílio, Julinho, Waldemar, Ademir da Guia, Djalma Dias, Djalma Santos, Rinaldo, Ferrari, Dudu e Tupãnzinho: o Palmeiras que jogou pelo Brasil em 1965 - Reprodução
Valdir, Servílio, Julinho, Waldemar, Ademir da Guia, Djalma Dias, Djalma Santos, Rinaldo, Ferrari, Dudu e Tupãnzinho: o Palmeiras que jogou pelo Brasil em 1965 Imagem: Reprodução

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

20/08/2014 06h00

Há alguns detalhes pouco conhecidos sobre um dos dias mais gloriosos da história do Palmeiras, que completa 100 anos no próximo dia 26. Em 7 de setembro de 1965, todo o time alviverde, além da comissão técnica, foi convidado para vestir a camisa da seleção brasileira e representar o país em um amistoso contra o Uruguai. O jogo fazia parte dos festejos de inauguração do “estádio Minas Gerais”, que mais tarde seria apelidado “Mineirão”.

O Palmeiras, considerado por muitos o melhor time brasileiro da época, venceu por 3 a 0. Dois dos três gols chamaram atenção dos cronistas de então. Como não há registro em vídeo da partida, o relato desses cronistas e a memória dos envolvidos são os únicos meios para entender o que aconteceu naquele dia.

O segundo gol, por exemplo, marcado por Tupãzinho, foi alvo de protestos dos uruguaios porque o palmeirense tocou com o braço na bola antes de empurrá-la para as redes.

“Aos 35 minutos, Rinaldo centrou”, informa o jornalista apócrifo da edição de 8 de setembro de 1965 de “O Estado de S. Paulo”. “Tupãzinho caiu sobre a bola, tocando-a com o braço, levantou-se rápido e chutou-a para as redes. Os uruguaios reclamaram, mas o ponto foi confirmado.” Na terminologia da época, gol era ponto.

O terceiro ponto foi marcado “de forma surpreendente”, segundo o “Estadão”. Seu autor foi um sujeito chamado Germano, cuja biografia o pesquisador Jota Christianini, especializado em Palmeiras, descreve como “uma história em si”.

“O Germano tinha ido jogar no Milan, da Itália, e enamorou-se de uma condessa, a filha de um industrial do ramo de fabricação de helicópteros”, conta o pesquisador. “A família da garota se irritou com o romance e fez de tudo para Germano voltar ao Brasil. Eles deram um jeito dele jogar no Palmeiras, um time da comunidade italiana." Dizem que o motivo da desaprovação da família era o fato de Germano ser negro. "As pessoas da época dizem que ele não era muito bom de bola, mas tinha um petardo na perna, e naquele dia no Mineirão, acertou aquele chute”, afirma Christianini.

“Aquele chute”, o terceiro gol da partida, é descrito assim nas páginas do jornal: “Aos 29 minutos [do 2º tempo], Germano faz o terceiro ponto de forma surpreendente. O ponteiro controla a bola longe da área e chuta forte, deixando o arqueiro Fogni sem reação.”

Ao sair do Palmeiras, Germano foi para o Flamengo e levou para lá seu irmão Fio Maravilha (outro jogador mediano, imortalizado por uma canção de Jorge Benjor).

Cansaço uruguaio

O jogo de 1965 está em todos os compêndios de grandes momentos históricos do Palmeiras porque foi a primeira vez que um clube representou a seleção brasileira, mas pouco se fala dos adversários daquele dia.

Dudu, volante palmeirense presente na partida, lembra que os uruguaios foram surpreendidos pelo ímpeto paulista. “Eles não esperavam que nós jogássemos de maneira tão robusta. Quando perceberam, já estava 2 a 0 e já não havia mais nada o que fazer”, afirmou o ex-jogador, que tinha 25 anos na época.

Dudu, ex-volante do Palmeiras, em lançamento de livro em São Paulo - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Dudu foi um dos jogadores do Palmeiras no Mineirão
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

As informações sobre o time uruguaio são escassas e, embora os jornais da época digam que eles jogaram com “brio” e foram inclusive aplaudidos pela torcida no Mineirão, é possível dizer que os visitantes não vieram ao Brasil nas melhores condições.

Em setembro de 1965, o Uruguai havia acabado de se classificar ao Mundial da Inglaterra do ano seguinte, mas apenas cinco dos 16 jogadores que entraram em campo contra o Palmeiras/seleção brasileira seriam convocados para a Copa. De acordo com os relatos da época, os principais clubes uruguaios relutaram em liberar seus atletas para o amistoso para não ficarem desfalcados no campeonato local.

Em entrevista à “Folha de S. Paulo” do dia seguinte à partida, o técnico Juan Lopez, que estava na seleção do Uruguai desde o Maracanazo de 50, disse que seu time não teve tempo para se preparar para a enfrentar o Palmeiras. Os convocados teriam sido chamados “às pressas, com o recrutamento de dois jogadores de cada time, sem nenhum treinamento.”

A comissão uruguaia chegara a Belo Horizonte na véspera do jogo e não teve tempo de descansar antes de entrar em campo. “O cansaço dominou a todos”, informa a “Folha”. “Pois deixaram Montevideo às 9h da manhã, chegando a Belo Horizonte à meia-noite. Só conseguiram ir para a cama do hotel às 4h da madrugada, mas por falta de sorte, foram despertados às 7h pelas bandas musicais do dia da parada, e ninguém mais dormiu até a hora do jogo.” O desfile da Independência passava perto do hotel dos uruguaios.

Ao ser apresentado a essas informações, o pesquisador palmeirense Jota Christianini as classificou como desculpa de perdedores. “Era muito comum, se você perdia, inventar uma desculpa. Se tivessem vencido, não teriam falado de cansaço. Posso garantir que o Uruguai que veio ao Brasil era o que tinha de melhor no país e estava em plena forma.” Foi a mesma reação de Dudu.

Agrados políticos

O convite ao Palmeiras para representar a seleção brasileira é visto na narrativa oficial do clube como uma homenagem à “Academia de Futebol”, um dos melhores times do país nos anos 1960. Mas existe outra interpretação para o episódio histórico. De acordo com o jornalista Alexandre Simões, que escreveu um livro sobre a história do Mineirão, o convite a clubes para representar a seleção brasileira era um reflexo do momento político conturbado pelo qual passavam o país e a Confederação Brasileira de Desportos.

“Havia um turbilhão político na CBD, e o futebol foi usado para fazer alguns agrados a políticos, para buscar apoio popular para dirigentes enfraquecidos”, afirma o pesquisador. Ele lembra que em 1965, o Brasil tinha entrado recentemente na ditadura civil-militar. Era o começo do processo de uso político do futebol, que se aprofundaria na preparação da seleção para a Copa de 1970.

Depois do Palmeiras, o próprio Corinthians foi convidado a defender a seleção brasileira, em um amistoso contra o Arsenal, em Londres (os alvinegros perderam). No mesmo ano, houve o episódio insólito no qual a seleção jogou duas vezes no mesmo dia, uma partida no Pacaembu e outra no Maracanã.  

“Essa era uma época que a seleção estava parada”, afirma Dudu, que assim como Ademir da Guia, já havia sido convocado para o time principal. O Brasil não participou das eliminatórias para a Copa porque já estava classificado como o campeão de 1962.

Essa preparação conturbada e incerta seria refletida na pífia participação da equipe no Mundial de 1966, quando o Brasil foi eliminado ainda na primeira fase por Portugal.

Mas antes disso, para o torcedor, tudo era festa. A inauguração do Mineirão durou quase duas semanas e teve vários amistosos entre clubes e seleções, incluindo a mineira, formada por atletas que atuavam no Estado.

Além do Palmeiras, atuaram no novo palco Botafogo e Santos, os outros clubes que formavam o trio de melhores times do país na década de 1960. Mas nem santistas nem botafoguenses jogaram com a camisa da seleção, como os rivais alviverdes.

O Santos, com Pelé em campo, foi o campeão de público: seu amistoso contra a seleção de Minas recebeu mais de 87 mil pessoas, quase o dobro das que foram ao estádio ver Palmeiras x Uruguai.

“A torcida mineira não sabia direito como se comportar”, recorda Dudu sobre aquele jogo. “Porque tinha essa dúvida se deviam apoiar a seleção já que éramos nós, o Palmeiras, que estava lá. Mas foi só o time começar a jogar que conseguimos trazê-los para o nosso lado.”