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Levir adora postura 'super sincera' e cria atritos. Mas tem quem o elogia

Bernardo Lacerda

Do UOL, em Vespasiano (MG)

18/09/2014 06h05

O técnico Levir Culpi voltou ao Brasil depois de sete anos no Japão e tem chamado a atenção pela sinceridade de suas declarações como treinador do Atlético-MG. Sem meias palavras, ele dispara críticas e até causou problemas internos, principalmente com o presidente Alexandre Kalil. Mas, aos poucos, o técnico ganha a confiança dos jogadores que passaram a entender a forma franca de trabalho do comandante.

“Levir é um grande treinador, uma grande pessoa. Ele tem o seu estilo de trabalho, de lidar com o jogador, mas é uma grande pessoa, verdadeira. A gente já se adaptou a sua maneira de trabalho. Ele tem conseguido bons resultados”, afirmou o volante Pierre, um dos líderes do elenco atleticano, elogiando o estilo “transparente e verdadeiro” do comandante.

Levir Culpi reconhece que o seu estilo se tornou polêmico e sincero. Ele admite que o fato traz problemas e até mágoas, mas garante não saber se comportar de outra maneira. “Você dá uma declaração, mesmo que não queira fazer uma crítica, mas se vocês entenderem que é crítica vira uma situação. Mas eu não sei trabalhar sem falar o que sinto. Às vezes magoo pessoas, falo coisas que não devo”, avaliou.

Já no começo do seu quarto trabalho no Atlético, Levir Culpi mostrou que voltava ao Brasil diferente do período anterior no país, que aconteceu no alvinegro mineiro, em 2007. O comandante revelou-se mais solto em suas entrevistas e chamou atenção principalmente pela sinceridade em seus comentários, que não se limitam ao futebol. Muitas vezes o treinador adota tom forte sobre temas como educação e política, mas não deixa de ‘bater’ em atletas e dirigentes, principalmente no que se refere à falta de organização do futebol brasileiro. 

Tanta sinceridade, no entanto, causa estranheza e até problemas. Desde que chegou ao alvinegro, iniciando sua quarta passagem pelo clube, algumas atitudes e declarações não foram bem aceitas. Levir Culpi teve problemas públicos com Diego Tardelli e Ronaldinho Gaúcho, este último até mesmo deixou o clube, e com Alexandre Kalil.

O primeiro ataque de sinceridade veio logo no primeiro resultado ruim, quando o Atlético foi eliminado pelo Atlético Nacional, pelas oitavas de final da Libertadores, com empate por 1 a 1, no Independência. O comandante sacou Diego Tardelli no segundo tempo do jogo. O jogador deixou o campo irritado e reclamou publicamente por ter sido substituído.

Nos vestiários do Independência, Levir Culpi não foi político em sua resposta. “Se não chutar, não der assistência, para que ficar em campo. Nenhum chute no gol, nenhuma assistência, para um atacante é muito pouco. Eles sabem disso. Se o Tardelli, talvez seja um dos melhores atacantes nas estatísticas, é isso? Mas não comigo, comigo não deu nenhum chute no gol comigo ainda, por isso que sai, vai sair, se não chutar. Ele está certo, quem tem de responder, substituir é o treinador e ele tem de jogar. Já falei para eles, eles sabem exatamente isso, jogador para mim é número, eu gosto muito do jogador, mas se ele não tiver número ele sai”, disse o comandante, sem aliviar.

O fato estremeceu o relacionamento entre técnico e atacante, que ficou fora no jogo seguinte à eliminação, contra o Goiás, mesmo adversário desta quinta-feira, às 19h30, no Serra Dourada, e que curiosamente Tardelli também não atuará novamente, mas desta vez para ser preservado. Porém, uma conversa entre as duas partes acalmou a situação, contornou o desentendimento e o atleta passou a ser o principal nome do time de Levir Culpi.

"Briga" com Ronaldinho Gaúcho

Outro jogador que conviveu com a sinceridade e críticas de Levir Culpi foi Ronaldinho Gaúcho. Porém, ao contrário do que aconteceu no caso com Diego Tardelli, a relação entre os dois foi ruim e o camisa dez optou em acertar a rescisão amigável antecipada com a diretoria. Levir Culpi não usou meia palavras para criticar o condicionamento físico do armador e sempre o substituiu nos jogos em que o craque esteve em campo.

“O Ronaldinho não está com números bons. Gols, assistências, roubadas de bola. Os números não são bons, mas ele é espetacular. Ele é um cara acima da média. Todos nós gostamos de ver o Ronaldinho jogar. Para se mantiver no alto nível, ele precisa se manter com os números em alta. O jogador que tiver os melhores números é o que vai jogar. Às vezes ele está saindo e entrando por causa disso”, disse o comandante durante preparação do Atlético para a Recopa Sul-Americana, em que o time foi campeão em cima do Lanús e marcou a despedida do armador do clube.

Nos últimos dias, Levir Culpi expôs os problemas que teve com o meia e revelou até uma briga com Ronaldinho Gaúcho. “Não tive problema. Tive uma briga, mas não tive problema (com o Ronaldinho). Essas coisas, gosto de conversar diretamente com os jogadores quando tenho um problema profissional, algo que aconteça. A saída dele foi ok, do jeito que tinha que ser”, disse.

Um terceiro atrito entre o comandante atleticano e um jogador aconteceu com o lateral direito Marcos Rocha. Após o jogo contra o Palmeiras, o camisa dois reclamou dos gols sofridos em bola aérea por parte do Atlético e relatou uma dificuldade dos atletas em marcar as jogadas de bola parada por zona, como o comandante implementou.

A declaração, porém, não foi bem recebida por Levir Culpi, que nos vestiários do Independência, rebateu dizendo que havia se sentido traído pelo lateral. “Me senti traído. Ninguém falou isso comigo, que não gosta desta situação. Vou discutir isso com eles. Quem falou? O Rocha? Vamos conversar”, disse o treinador ao final da partida.

“Quando vou fazer uma jogada ensaiada, abro para todo mundo. Saber se alguém tem alguma ideia. Mesma coisa nos posicionamentos de bola parada, falta, escanteio, tem alguém com alguma ideia, as vezes aparece um, dá uma ideia, mas eu não gosto da ideia, prevalece a minha. De repente, está ok, dá, vamos fazer, é assim que deve ser e assim que eu costumo proceder”, ressaltou.

Após resolver os problemas com o jogador e trabalhar bastante a bola parada defensiva, o treinador se explicou sobre o acerto com o grupo, mas não amenizou o tom irônico. “Resolvemos a crise. Tivemos reunião com presidente, ele veio, resolvemos a crise da bola aérea. Resolvemos sem solução, pois vamos continuar levando gol de bola aérea e vamos marcar. É a física, não estudamos, mas sabemos que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. Mandei gravar os gols da última rodada, acho que sete foram assim”, ironizou.

Atrito com o presidente Kalil

Nem mesmo o presidente Alexandre Kalil escapou da sinceridade do treinador. Levir Culpi não minimizou críticas ao planejamento feito pelo clube em 2014, quando contratou três laterais esquerdos: Pedro Botelho, Emerson Conceição e Douglas Santos. Na época, o clube convivia com problemas financeiros e devia salários aos atletas e comissão técnica, fato que gerou críticas do técnico.

“O que aconteceu com Emerson foi erro de planejamento. Erro da diretoria e da comissão técnica. Não deveríamos ter três laterais esquerdo, teríamos de ter dois e acreditar. Mas o medo da crítica, da imprensa, da pressão, faz o time ter cinco laterais, atacantes. Ele vai seguir normalmente, se achar que preciso colocar vou colocar. Mas é preciso controlar, saber que às vezes não está em bom momento”, disse.

A declaração do comandante gerou mal-estar com o presidente Alexandre Kalil, que o rebateu via Twitter. “No Atlético é o seguinte: do porteiro ao presidente, se tiver ruim, é só pedir pra ir embora. Sem drama e sem conversinha. Ah! Só fica com nariz em pé quem já ganhou Libertadores”, afirmou o presidente. 

O clima ruim foi contornado pelo diretor de futebol, Eduardo Maluf, na véspera da partida contra o Figueirense, e depois superado com uma conversa entre o treinador e o presidente. Porém, o fato não evitou que Levir Culpi criticasse a postagem de Kalil. “Não estão superadas. É uma briga danada. Se soubesse o inferno que está no Atlético... Estou brigando com o roupeiro, que está brigando com o presidente, que está brigando com o diretor de futebol, que está brigando com todo mundo. Claro que é brincadeira, não há problemas no Atlético. Não tem nada disso”, afirmou em tom irônico e de brincadeira.

Ao anunciar o fim da concentração em jogos do Atlético em Belo Horizonte, o treinador criticou a educação dos jogadores brasileiros. "Temos atletas que são muito mal formados na base, não como atletas, todos jogam bem, mas em educação. Se eles entenderem, podemos formar um time que não precisa concentrar. Eles podem se entregar sem concentração. A gente precisa educar as pessoas e o entendimento é a melhor maneira", disse Levir. “Mas eu gosto de trabalhar falando a verdade, sendo sincero, conversando pessoalmente. É meu jeito e acho que isso ainda é pouco tradicional no futebol brasileiro, infelizmente. Mas as pessoas aos poucos começam a me entender”, acrescentou.