Corintiano criou mentiras sobre o Santos, Galvão e a Coreia só pela zoeira
“Só estamos aqui para dizer que sabemos onde você mora”, avisou um dos membros da maior torcida organizada do Santos, que um dia em 2011, apareceram na porta da casa do blogueiro profissional Maurício Cid. O homem tinha no braço uma enorme tatuagem com o escudo santista, que parecia maior até do que a cabeça do blogueiro, conforme ele recordaria três anos depois.
Cid, um corintiano roxo que não gosta de ser chamado de Maurício, sabia exatamente do que eles estavam falando. Alguns dias antes, ele havia sido acusado pela diretoria santista de ser o “hacker” que invadira o site oficial da agremiação para publicar uma notícia falsa. O texto, intitulado “O Adeus de Ganso”, trazia alguns erros gramaticais e uma riqueza de detalhes incomum nesse tipo de nota oficial, além da informação chocante de que Paulo Henrique Ganso havia sido vendido para o Corinthians, o maior rival santista.
A “notícia”, plantada ali por causa de uma falha de segurança muito simples, pegou a diretoria de surpresa, e deixou irado o então presidente Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro, que precisou ir à TV negar tudo. O então diretor de comunicação Arnaldo Hase foi além e disse que o “hacker” já havia sido identificado e que ele não se surpreendesse se um advogado batesse à sua porta com a notícia de um processo.
Na verdade, Cid não é hacker. Diz ele que não saberia escrever nem sequer uma linha de programação. Ele se descreve simplesmente como um brincalhão, um sujeito atento à menor oportunidade para expor ao ridículo instituições, empresas e pessoas que atuam na internet. Na terminologia moderna, Cid é um troll,e as pegadinhas que ele faz são trollagens.
Ele é democrático na escolha de suas vítimas – já sacaneou até o próprio pai, um espanhol septuagenário que pediu sua ajudar para navegar pela primeira vez na internet. Cid o ajudou, mas ao mesmo tempo fez o pai virar uma espécie de bobo da corte para seus milhares de seguidores no Twitter.
Mas voltemos a Paulo Henrique Ganso. No começo de 2011, depois de um ano promissor com a camisa 10 alvinegra, Ganso foi pivô de uma série de especulações sobre uma possível saída do clube. Cid, que é corintiano e morava em Santos na época, recebeu um e-mail de um leitor de seu blog avisando que havia um erro primário no código fonte do site oficial santista.
Esse erro permitiria a qualquer pessoa, “inclusive uma criança de 12 anos”, diz Cid, publicar qualquer texto e imagem no site. Não era uma falha exclusiva do Santos, e sempre que Cid sabia de uma brecha dessas não hesitava em trollar – o site da marca de desodorantes Axe, por exemplo, já havia sido sua vítima.
Depois da ameaça da diretoria santista, Cid publicou um texto explicando o passo a passo da brincadeira e dizendo, com bom humor, que não teria dinheiro para pagar uma possível indenização. Se o Santos quisesse, oferecia ele, podia fazer trabalho voluntário penteando o cabelo de Neymar para pagar a indenização.
O clube desistiu do processo e preferiu trocar a empresa de tecnologia responsável pelo site. A escolhida foi a firma de um conhecido de Cid. Esse programador o avisou que no contrato havia uma cláusula imposta pelo clube que pedia um mecanismo para evitar “invasões” como a que Cid tinha feito.
No início de 2014, sob nova direção, o Santos convidou o blogueiro a uma visita à Vila Belmiro para assistir a um clássico contra o Corinthians. Cid ficou em um camarote e foi muito bem tratado, inclusive por torcedores, que lembraram com bom humor a história.
E aqueles membros da organizada que bateram na porta de Cid em 2011 para ameaçá-lo devem ter ficado muito mais irritados com o próprio Paulo Henrique Ganso, que ao sair da equipe para o São Paulo, se tornou o maior vilão da história recente do Santos.
Galvão, um pássaro em extinção
Na Copa do Mundo de 2010, narrações tomadas como especialmente irritantes de Galvão Bueno levaram seu nome ao topo da lista de assuntos mais comentados no mundo durante dez dias seguidos consecutivos. A frase #calabocagalvao é bem compreendida por qualquer brasileira, mas muitos estrangeiros começaram a se perguntar o que ela significava.
Maurício Cid e um amigo tinham uma explicação pronta para os gringos. Galvão seria uma ave brasileira que estava ameaçada de extinção, e cada tuitada com a hashtag #calabocagalvao doava dez centavos de real a um instituto que trabalhava para a preservação da ave.
Eles não se contentaram apenas em escrever isso no Twitter. Criaram cartazes em inglês e convidaram um locutor britânico para estrelar um vídeo que parecia muito profissional e explicar ao mundo a triste sina do pássaro Galvão. “Cala boca Galvão” significaria “Salve Galvão”. Em poucos dias, o vídeo foi visto por mais de meio milhão de pessoas.
O jornal “The New York Times”, assim como vários estrangeiros não falantes de português, ficou intrigado e foi investigar. Publicou uma extensa reportagem explicando a origem da brincadeira e a não existência do pássaro Galvão. Já era tarde. A expressão, com a ajuda da campanha falsa, ficou por mais alguns dias no ranking das mais postadas na rede.
“Foi uma piada interna entendida por um país inteiro”, explicou o “New York Times” a seus leitores. Na África do Sul, Galvão – o narrador – foi instado a comentar a brincadeira. “Essa campanha é pra salvar o papagaio Galvão. Estou com essa campanha e não abro! Salvem o papagaio Galvão”, disse ele, após admitir que realmente fala demais.
Coreia do Norte, campeão mundial no Brasil
O repertório de trollagens de Maurício Cid é extenso, mas aquela que ele considera sua obra-prima foi concluída há apenas três meses. Foi a que mais deu trabalho e a que mais consequências teve. Veículos da imprensa internacional repercutiram a farsa como se fosse verdade.
O vídeo você deve ter visto, já que foi um dos assuntos mais comentados na internet no último Mundial. Ele mostrava um telejornal da Coreia do Norte, um país cujo governo é famoso por controlar a imprensa, informando seus telespectadores que a seleção nacional havia vencido todos seus jogos na primeira fase da Copa e se preparava para enfrentar Portugal no mata-mata. O vídeo mostrava torcedores coreanos em festa nas cidades do país e alguns lances dos jogos da seleção. Seria a prova de um absurdo: o de que o governo norte-coreano estava engando seu povo. Como se sabe, a seleção asiática nem sequer se classificou para a Copa.
O vídeo foi visto mais de 8 milhões de vezes só em seus três primeiros dias no ar. Portais de notícia nacionais e internacionais publicaram a história como se fosse verdade. Muita coisa no vídeo e em torno dele levavam a crer que realmente se tratava de um material legítimo.
Cid, o autor e principal executor da farsa, pensou em cada detalhe para fazê-lo parecer real.
Três meses antes, ele criou um canal no Youtube e começou a abastecê-lo com vídeos reais de uma emissora estatal da Coreia do Norte. As notícias eram postas no ar diariamente e tinham descrições em coreano no caso de alguém querer checá-las. A ideia era que, quando o material da Copa fosse postado, as pessoas achassem que ele estava em um canal de verdade e não um criado no dia anterior para postar um único vídeo.
O segundo passo foi achar alguém que falasse coreano e que pudesse participar do vídeo. Ele encontrou cinco pessoas da Coreia do Sul, que não toparam participar por causa do histórico problemático com os vizinhos do Norte. Cid, então, encontrou uma locutora sul-coreana que topou participar emprestando apenas a voz.
Na produção do vídeo, Cid usou torcedores do Chile comemorando com camisas vermelhas (parecidas com as da Coreia) para mostrar a alegria nas ruas do país. Até a escolha dos adversários derrotados foi calculada: Estados Unidos, China e Japão são tradicionais “inimigos” da política externa norte-coreana, o que daria mais credibilidade à farsa.
Depois que a mentira chegou a dezenas de veículos jornalísticos, ele chegou a publicar um segundo vídeo mostrando a Coreia do Norte campeã mundial depois de derrotar no mata-mata o próprio Brasil por 8 a 1.
Dias depois, um texto em seu blog revelava a brincadeira e descrevia os três meses de trabalho para chegar lá. Ele também recebeu uma carta muito bem-humorada da embaixada da Coreia do Norte no Brasil, o parabenizando pela criação do vídeo e alfinetando os jornalistas que publicaram a farsa como se fosse verdade.
A pergunta que fica depois de tudo isso é: por quê? Por que ele faz essas coisas?
Cid ri. “Cara, eu não ganho um centavo para fazer isso. Perco dinheiro, perco horas da minha vida, mas ganho muitas risadas e uma história para um dia contar aos meus filhos”, afirma.
Grana alta
Ele não ganha dinheiro diretamente, mas sua audiência enorme, gerada também pelas brincadeiras que faz na rede, lhe garante uma atenção especial de empresas interessadas em anunciar em seu blog, o Não Salvo.
Hoje, ele consegue viver apenas do conteúdo que produz no site, considerado um dos mais rentáveis pelas empresas de marketing digital. O veículo usa a prática do publipost, que são textos patrocinados por empresas nos quais o blogueiro comenta produtos ou serviços..
“Nosso público tem entre 17 e 25 anos, é um publico que consome de fato, que tem seu próprio dinheiro, não é molecadinha que pede dinheiro dos pais. É por isso que os publicitários olham pra gente com carinho”, diz Cid.
Ele afirma já estar preparando a próxima trollagem, que, segundo ele, tem potencial para ser ainda maior que a da Coreia. E sugere a quem acompanha as notícias sobre esportes na internet para ficar esperto. “Temos Olimpíada, Copa na Rússia vindo aí...”, diz ele, sem entrar em mais detalhes.
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