Ele ganhou o Mundial por Boca e Inter e agora tem uma fábrica de panelas
Iarley não marcou o gol, mas é um dos nomes mais lembrados quando a torcida do Internacional recorda do Mundial de 2006. Foi ele o autor do passe que terminou com a finalização histórica de Gabiru. Foi ele quem prendeu bola no ataque, ‘cozinhando’ o Barcelona junto à bandeirinha de escanteio no minutos finais. E é ele quem, oito anos depois, tem uma fábrica de panelas no interior do Ceará.
Aposentado desde agosto, o ex-atacante também carrega consigo o título mundial conquistado com o Boca Juniors, em 2003, após vitória nos pênaltis em cima do Milan. Fora da rotina de treinos e jogos, Iarley tomou um caminho bem incomum depois de pendurar as chuteiras. Virar empresário ou comentarista não é algo descartado, mas no futuro. O presente é a Alumínio Saturno.
“Estou 100% focado na empresa, eu estou saindo da sede agora, por exemplo. Passo o dia todo lá. Temos 25 funcionários e estamos indo muito bem, o produto é muito bom”, diz Iarley ao UOL Esporte. “Eu sempre fui muito dedicado e por isso deixava a família, ficava longe deles. Agora tenho outras prioridades. A vida de aposentado está ótima (risos)”, completa.
Com sede em Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza, a empresa de Iarley tem 20 itens em seu catálogo de produtos. Entre os quais panelas de pressão, caçarolas, frigideiras e assadeiras. A entrada no ramo do alumínio ocorreu antes da aposentadoria no futebol e se intensificou depois.
Da empresa para casa, da casa para empresa, o camisa 10 do Inter no Mundial de Clubes de 2006 curte os dois filhos e garante não sentir mudança no patamar financeiro. Mesmo saindo de um mercado com remuneração alta, Iarley se sustenta com os ganhos vindos do alumínio.
“O meu padrão era normal, por mais que eu tenha ganho dinheiro não tinha uma vida de luxo. Não tinha ostentação. Sempre gostei de viver bem, tomar um bom vinho, ir a um bom restaurante. Isto dá. Nunca quis ganhar dinheiro para ter uma Ferrari, não era e não é minha ambição. Minha vida agora é igual a antes, só não tem o bicho (risos)”, brinca.
Em dezembro, Iarley voltará a Porto Alegre para ultimar detalhes de um outro projeto que intensificou após pendurar as chuteiras: o livro de memórias. Ele quer lançar uma publicação só com os bastidores da viagem do Colorado ao Japão, em 2006. E lá na frente, cogita trabalhar no Inter. Morar em Porto Alegre. Ficar perto do único clube que o fez chorar em toda carreira.
Confira a entrevista completa com Iarley.
UOL Esporte: Como vai a vida de aposentado?
Iarley: Está boa, agora a gente passa a buscar outras coisas, tem outras prioridades. Sempre fui um cara muito dedicado e sacrificava muito a família. Até na folga ia aos clubes fazer reforço, fisioterapia ou prevenção contra lesões, então ficava longe deles. Agora me dedico muito mais a minha família. Tenho dois filhos, o João Pedro (nove anos) e o João Victor (cinco anos).
Qual é a grande diferença dessa vida mais família e da rotina de jogos e treinos?
Muda tudo, o psicológico, a pressão. No meio do futebol você é consumido muito, é consumido demais. Sobra uns 10% para a vida social. Agora a cabeça está tranquila, dá para planejar uma ida ao cinema. Quando você joga não consegue estar lá, vai de corpo e não de mente. É uma mudança radical no aspecto psicológico. Quando você joga pensa muito antes de ir no shopping: ‘ah, vou sair e caminhar. Posso me cansar’.
UOL Esporte: Porque uma empresa de alumínio depois de jogar futebol? Como você chegou até isso?
Iarley: Já tenho a empresa há cinco anos e estou 100% focado nela. Comecei em 2008 por influência de amigos, uma pessoa próxima me ajudou a virar investidor e agora resolvi colocar no mercado o produto final. Investir mais. Atuamos no nordeste, um mercado bem amplo já. A empresa é de pequeno porte e ainda não expandi no Sul. A gente pode estudar isso no futuro, o produto é de qualidade e tem saída. Podemos colocar um vermelho no cabo, uma coisa do Inter e vai vender muito também, né?
E isso dá lucro? Ou melhor, isso sustenta o padrão de vida de um jogador que passou por Boca e Inter?
O meu padrão era normal, por mais que eu tenha ganho dinheiro não tinha uma vida de luxo. Não tinha ostentação. Sempre gostei de viver bem, tomar um bom vinho, ir a um bom restaurante. Isto dá. No mais, tudo tranquilo. Tenho uma boa casa, um bom carro. A minha empresa sustenta minha família tranquilidade. Com essa minha empresa posso chegar em outros níveis, mas depende do meu investimento. É como ser atleta, começa no menor e vai subindo. Na indústria não dá para subir demais, senão perde a vida. Nunca quis ganhar dinheiro para ter uma Ferrari, não era e não é minha ambição. Minha vida agora é igual a antes, só não tem o bicho (risos). Estou bem contente com o retorno.
UOL Esporte: Geralmente quem encerra a carreira acaba virando empresário. Agora também tem muita gente atuando como comentarista em emissoras de TV, por exemplo. Você não pensou em seguir esse caminho?
Iarley: Encerrei minha carreira há pouco tempo e entrei de cabeça na indústria. Estou muito focado na empresa e não tenho tempo. O empresário de futebol tem que ter um cuidado grande com o atleta. O jogador tem que ter uma boa estrutura por trás e isto requer tempo. Se eu fosse empresário, formaria uma equipe para dar assistência. Ajudaria um garoto, por exemplo, com parte financeira para a família, jurídica, psicológica. Tem muita empresário que pega jogador e joga em um clube lá e só fala por telefone e perto do final do ano. Eu sofri e vi muita gente sofrendo coisas assim e não gostaria de trabalhar desta forma. Não decidi se vou atuar nessa área e hoje estou focado na empresa.
E ser comentarista?
Eu participei da transmissão de um jogo do Ceará contra o Inter e fui muito elogiado. Não sabia que iria repercutir muito, mas nas ruas fui muito elogiado. Só que ainda não houve nenhuma proposta, nenhum convite. Foi algo pontual. Falar de futebol, comentar e ver os lances é ótimo. Vejo muito comentarista que não jogou bola falar com técnica legal, mas jamais vai entender porque o jogador fez tal coisa e não outra coisa. Isso a gente pode acrescentar.
UOL Esporte: Você ainda é muito lembrado pelos torcedores do Inter. Pensa em morar em Porto Alegre, ficar mais perto de um lugar que tem tanto carinho assim por você?
Iarley: Eu penso nisso, a minha relação com o Inter é muito forte. As vezes que chorei no futebol foi falando do Inter, em nenhum outro clube teve isso. Quando sai daí (em 2008) e também em uma homenagem da torcida. A minha passagem pelo Inter é muito marcante. Neste momento estou com outras prioridades, estou organizando a família e não está fora de cogitação morar em Porto Alegre. De repente trabalhar no Inter. Existe uma possibilidade, até porque os dirigentes sempre deixaram as portas abertas.
Trabalhar de que forma no Inter?
O convite ainda não é formal e nem a aceitação, então vai ficar para o futuro. Não dá para prever. Mas tanto na parte técnica ou executiva não tem problema, esse assunto eu domino.
UOL Esporte: E o livro sobre o Inter, vai sair mesmo?
Iarley: No dia 15 de dezembro vou a Porto Alegre e espero finalizar tudo, fechar com a editora e dar um passo a mais para ter a data do lançamento. Eu tenho um livro que é minha passagem pelo Inter. O primeiro que vou lançar será só sobre o Mundial: os 10 dias da viagem, o pré-jogo e pós-jogo, os treinos, o jogo em si e volta. Minha visão sobre o título. Todo mundo associa minha imagem ao Mundial, as pessoas sempre perguntam. Teve uma reunião secreta minha com Fernandão e o Pato com o Abel. O livro vai ser pequeno, só com esse relato aí.
Impossível deixar de falar sobre o Fernandão, que você citou aí. Já caiu a ficha depois do que aconteceu, cinco meses após o falecimento dele?
Não caiu. Acho que nem vai cair, cara... (silêncio) Às vezes acho que ele está viajando, em outro lugar. Às vezes fico pensando que daqui a pouco ele vai me ligar, vai convidar para jantar (novo silêncio). É um sentimento meio estranho, não tem como explicar. Foi um baque.
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