Topo

Pobre, C.Ronaldo quase deixou futebol e ajudou mãe contra vícios da família

Luís Aguilar

Especial para o UOL, em Lisboa

05/12/2014 06h00

Hoje em dia, em cinco minutos, Cristiano Ronaldo consegue ganhar 160 euros. Em uma hora inteira, o atacante do Real Madrid fatura quase 2 mil euros.  Ronaldo é o jogador mais bem pago do mundo. Só contando com o salário do clube, recebe mais de 1,4 milhões de euros por mês, dando um total de 17 milhões anuais (quase R$ 55 milhões). E sem contar as verbas publicitárias, que rondaram os 15 milhões de euros (quase R$ 48 milhões) em 2013.

O português tem tudo o que o dinheiro pode comprar: mansões de luxo, férias em destinos paradisíacos, joias e uma coleção de carros avaliada em mais de 4,6 milhões de euros. Mas nem sempre foi assim. Ronaldo vem de origem pobre e passou por muitas dificuldades nos primeiros anos de vida. A falta de dinheiro juntou-se a alguns dramas familiares que só foram superados pela força de Dona Dolores, a mãe do capitão da seleção portuguesa, e com uma ajuda – desde cedo – do craque.

Dolores, cozinheira de profissão, nasceu pobre e chegou ao altar apenas com 18 anos, apaixonada por um jardineiro chamado Dinis Aveiro. Os dois tiveram quatro filhos: Elma, Hugo, Kátia e Cristiano. A família morava numa modesta casa no bairro da Quinta do Falcão, no Funchal, ilha da Madeira. A pequena habitação era feita de madeira, tijolo sem pintura e um telhado de zinco. O jogador dividia o quarto com o irmão e as duas irmãs. Os vizinhos não gostavam dos pais por permitirem que Ronaldo passasse as noites jogando bola. De vez em quando, os vidros das casas eram quebrados.

O aborto que não aconteceu

A mãe de CR7, na autobiografia “Mãe Coragem” (2014), confessa que pensou em abortar quando estava grávida do jogador por já ter quase 30 anos, três filhos e não possuir condições econômicas para sustentar a família: “Quis abortar, mas o médico não me apoiou na decisão”, lembrou. Chegou a optar por uma solução caseira, a conselho de uma vizinha, que consistia em beber cerveja preta aquecida e correr muito. Os outros filhos, inicialmente, também não queriam mais um irmão: “Ficaram revoltados, mas depois, quando nasceu, foi uma alegria. Era o nosso menino, o menino deles”, afirmou à revista portuguesa Notícias Magazine, a 14 de junho deste ano. Ronaldo já conhecia a história e chegou a brincar, em bom português de Portugal, com Dolores antes dela publicar o livro: “Vê lá tu, mãe, querias abortar de mim e sou eu que sustento esta casa toda.”

A estrela do Real Madrid começou a jogar futebol no modesto Andorinha, mas cedo mudou para o Nacional, um dos dois maiores clubes da Madeira. Quando tinha 11 anos, os treinadores do Nacional estavam preocupados com a sua saúde e exigiram falar com os pais. Diziam que ele se alimentava mal e que o fato de ser tão magro não era de “família”, como defendia o pai Dinis. No fim dos treinos, tentavam tirá-lo do estado de subnutrição dando-lhe sanduíches e pratos de sopa antes de o mandarem para casa.

Pai alcoólatra e irmão toxicodependente

A vida de Cristiano Ronaldo começou a mudar aos 12 anos quando trocou a Madeira por Lisboa para seguir o sonho de ser jogador de futebol do Sporting. Os primeiros tempos, contudo, foram difíceis. “Tinha a porta sempre aberta, mas estava conformada com o fato de ele estar longe”, chegou a revelar Dolores. A mãe sofreu muito com a partida do filho. Ronaldo ficou sozinho, sem o amparo da família, e pensou em desistir. Todos os dias ligava para a mãe de uma cabine perto do estádio de Alvalade. Chorava e implorava para voltar a casa. Não aguentava as saudades da família nem a discriminação dos outros meninos por causa da sua pronúncia madeirense (quase ninguém entendia o que dizia). Mas Dolores consolava-o e dava-lhe força para não desistir do sonho de jogar futebol: “Filho, se é isso você gosta, luta. Não importa se eles gozarem contigo. Você ainda vai ser melhor do que eles!”

Nestas conversas, a mãe também escondeu que pensava se divorciar por já não aguentar o alcoolismo do marido. Ronaldo usou a solidão para se concentrar cada vez mais no futebol. Aos poucos, foi vencendo a inadaptação. Mas o seu mundo voltou a desabar quando tinha 16 anos. Descobriu que o pai era alcoólatra e que o irmão Hugo estava viciado em drogas pesadas. Ronaldo pagou a desintoxicação do irmão com o pouco dinheiro dos salários das camadas jovens do Sporting, mas não teve a mesma sorte com o pai. Dinis morreu a 6 de setembro de 2005 quando o jogador estava em treinamento com Portugal antes de um amistoso com a Rússia. Já na Copa de 2006 dedicou ao pai o pênalti vitorioso contra a Inglaterra. Apontou para o céu e disse: “Tu aí, esta é para ti!”

“Um dia vou ter uma Ferrari”

Ronaldo se tornou mais protetor da família com a partida de Dinis. Exemplo disso é o apoio que tem dado a Hugo na luta deste contra o alcoolismo também. O irmão tinha-lhe prometido parar de beber se Ronaldo ganhasse a última final da Liga dos Campeões. No final do jogo, após a vitória do Real sobre o Atlético de Madri, Cristiano foi cobrar a promessa: “Eu ganhei a Champions, você deixa de beber.”

Dolores passou a ter uma vida mais folgada depois do sacrifício que passou nos primeiros anos da vida de Ronaldo. Além de ter lidado com todos os dramas familiares, venceu um câncer de mama. O seu espirito lutador fez com que se tornasse na matriarca do clã Aveiro, com uma autoridade incontestável, presente em todos os momentos dos filhos. Ronaldo foi pai em 2010 e optou por não divulgar a identidade da mãe, mas pediu ajuda a Dolores para educar Cristianinho.

A avó espera passar ao neto a mesma força que deu a Cristiano. Uma determinação que sempre esteve presente em Ronaldo, mesmo nos tempos de grande pobreza. Quando se portava mal na categoria de base do Sporting o castigo era levar o lixo para a porta do estádio num carrinho que os jogadores chamavam Ferrari. Certo dia, um dos colegas que costumava brincar com ele, e gozar com a sua pobreza, disse: “Lá vai o Ronaldo com a sua Ferrari.” Resposta: “Pode gozar o quanto que quiser, um dia vou ter uma de verdade.”