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Artista espanhol venda olhos de Messi e faz Ibra virar domador de dragões

Rafael Nardini

Do UOL, em São Paulo

05/04/2015 06h00

Ricardo Cavolo trabalhava numa agência de publicidade madrilenha até receber pessoalmente um convite do Cirque Du Soleil pelos traços. Daquele pôster em diante percebeu que o melhor a se fazer era investir em carreira solo. Largou Madri, zarpou da publicidade e foi morar em Brighton, na Inglaterra. Desde então, a caixa de e-mail não parou mais. Pedidos de marcas roupas, coletivos artísticos, editoras de livros e até de histórias em quadrinhos se amontoam.

No ano passado, veio o convite de Paul Desbaillets, proprietário do pub Burgundy Lion, em Montreal, no Canadá, para que desenvolvesse ilustrações de jogadores. Mais dois toque na bola e as pinturas de Cavolo foram parar na galeria Station 16, também na fria Montreal, na exposição “Gol, Carajo!”. Messi, Cristiano Ronaldo, Ibrahimovic, Xavi, mas também Josep Guardiola, Johan Cruyff e José Mourinho. Do passado, Diego Maradona e George Best.  Tudo com espaço para retratar os atletas, mas também recriar suas personas: o camisa 10 barcelonista ganhou vendas nos olhos, representando sua espécie de isolamento do mundo terreno quando pisa dentro das quatro linhas. Zlatan se torna o grande encantador de dragões, uma alegoria para a personalidade forte do sueco que comanda o ataque do PSG na força e na habilidade.  

Na conversa a seguir, o muralista, ilustrador e artista gráfico fala sobre seu processo de criação, seus ídolos em campo - destaque aqui para o raçudo Javier Mascherano -, como foi ser convidado para trabalhar para o clube do coração e como futebol e arte estão entrelaçados para sempre.

Qual é o seu time e qual é a relação que você tem com o futebol?

Sou culé. Sou Barcelona desde que descobri o futebol. Sou de Salamanca, que não tem nada a ver com Barcelona, mas antes de entender o futebol e saber por que escolher um time ou outro, reconheço que sou Barça porque todos em Salamanca são torcedores do Real Madrid e queria ir na contramão. Logo comecei a ver como jogava o dream teammontado por Cruyff [equipe barcelonista do começo da década de 1990, que disputou o Mundial Interclubes de 1992 com o São Paulo, de Telê Santana] e me dei conta que havia feito a opção correta.

O  futebol sempre me encantou por seus componentes táticos e estratégicos misturados com a parte competitiva do esporte. Quanto mais assisto, leio e aprendo sobre o futebol, mais acabo gostando. O futebol é um Universo em si.

Como chegou aos personagens da exposição “Gol, Carajo!”?

Baseei-me em diretrizes muito pessoais. Nem sequer tentei fazer uma lista dos melhores jogadores da história, já que isso é muito subjetivo. Quis fazer uma escolha baseada nos jogadores que gostava dentro e fora de campo. Valorizei tanto o nível do jogador, mas também os personagens de cada um deles e sua transcendência histórica. Foi bastante difícil, de toda maneira.

Qual jogador você gostaria de criar um retrato, mas acabou de fora da exposição?

Queria ter retratado o Cruyff como jogador. Acabei fazendo o treinador, mas como atleta ele foi único. Seria interessante retratá-lo como atleta.

Quais outros jogadores você admira? Algum serve como inspiração para sua maneira de trabalhar?

Tirando os que estão na exposição, poderia dizer Cruyff, Guardiola, Ronaldo, Mascherano, Maldini, Yaya Touré, Ronaldinho, Piqué, Stoichkov, Michael Laudrup… Dá para contar até mil!

Tem aqueles que me sinto identificado ou quero me sentir identificado. Um deles é o Mascherano. É um dos meus ídolos pelo seu carisma, seu sentido de trabalho e responsabilidade. Qualidades básicas para fazer o que eu faço. E, por outro lado, gosto da maneira como Messi se abstrai de tudo e de todos, focando-se apenas na bola. Me acontece algo assim com o meu trabalho, quando estou ali e só consigo viver 100% aquilo. Mas, claro, não chego ao nível do Leo (risos).

As imagens de “Gol, Carajo!” sugerem um poder especial, quase celestial dos jogadores. O futebol é uma religião para você?

Queria dar um pouco essa ideia de que cada jogador na realidade corresponde a algo maior e mais importante na vida. Antes usávamos os deuses gregos e os santos para abordar diferentes aspectos da vida. E é exatamente isso que queria dos jogadores, que transcendessem o futebol e sua mensagem.

Como é ter materializado um trabalho que combina futebol e arte?

É um sonho para mim. É muito difícil ver as ambas as coisas combinadas. Muitas vezes as pessoas não associam que alguém que se dedica à arte possa vibrar com o futebol ou vice-versa. E fiquei muito feliz que na inauguração da exposição (em outubro do ano passado, em Montreal) havia muita gente alheia ao futebol aproveitando da mesma maneira que os visitantes que conheciam os jogadores. De alguma maneira, o futebol é arte. Basta ver Messi, Maradona ou Ronaldinho (Gaúcho), de maneira que não deveria existir barreira entre futebol e a arte.

A exposição aconteceu no Canadá, um país onde o público em geral dá pouca atenção ao futebol se comparado com a Europa ou a América Latina. A exposição vem ao Brasil? Vai para a Espanha?

A premissa de organizar a exposição em Montreal era estranha, mas havia um coletivo de lá muito interessado que ocorresse ali mesmo para mostrar a quem não acompanha outra visão sobre o “esporte rei”. Ficaria muito contente em levar a exposição para a América Latina e Europa, onde todos estão mais familiarizados com o futebol,  mas acho que vai ser impossível. As peças da exposição estão quase todas vendidas!

Qual o grande trabalho sobre o futebol que você gostaria de fazer? Que tal criar um mural para o Barcelona?

Para dizer a verdade, em parte, cumpri esse sonho. Fui contratado para pintar um mural em La Masía, a escola de futebol do Barça. Mas, falando em sonho, seria incrível pintar um grande mural na fachada do Camp Nou.

Alguma jogada de um dos personagens de “Gol, Carajo!” você não consegue esquecer? E qual deveria ser transformada em mural?

Se tivesse que escolher um jogador seria Messi, porque não para de fazer mágica e arte jogo a jogo. Mas se é para escolher uma jogada em si, creio que seria aquele gol do Maradona contra a Inglaterra no Mundial do México, em 1986. Pela maravilha que foi a jogada e por tudo que significava, desportivamente e politicamente. E aí acontece de o Messi fazer uma jogada igualzinha contra o Getafe anos atrás...

Cavolo explica suas três peças favoritas da exposição “Gol, Carajo!”:

Zlatan Ibrahimovic

Zlatan é um dos meus jogadores favoritos. É um personagem completo, com atitudes que ultrapassam o esporte. Queria representá-lo como um guerreiro que mata um dragão. Ele cresceu num bairro perigoso e isso forjou sua personalidade. Dá para ver isso em cada partida e até nas declarações aos jornalistas. Tem suas convicções e, gostem ou não, é fiel a si mesmo. E isso não é tão comum”.

Lionel Messi

Leo é Deus. Para mim, é o melhor jogador do mundo e da história. Só de poder vê-lo já dá para assistir ao jogo. Mais do que representá-lo por sua magnificência, queria destacar como ele é, como ele enxerga o jogo. É como se tivesse os olhos vendados e só se importasse com a bola. Pode acontecer os maiores acontecimentos do planeta e ele só está interessado na bola e o que fazer com ela”.

Josep Guardiola

Acredito que depois do Cruyff foi o maior revolucionário tático num banco de reservas. É um maestro, um sábio. E por isso representei ele como um mago, um alquimista. Pouquíssima gente conhece os segredos e ele é um desses. Sabe transformar uma simples pedra em ouro”.