Vilões? Torcedores do Boca Juniors são maravilhosos, diz Baiano
Havia poucos dias que Baiano chegara do Brasil para defender o Boca Juniors. Era o único brasileiro naquela temporada do futebol argentino, e o único negro do elenco Xeineize. O ambiente era pouco favorável para ele. Durante a pré-temporada, antes de um de seus primeiros treinamentos, ele foi surpreendido por um grupo de torcedores.“Os caras me encurralaram em um canto e disseram: ‘Brasileño, não queremos que você venha para cá para driblar ou fazer golaço. A gente quer que você meta', no sentido de jogar duro, ter raça em campo”, relembrou o jogador.
O episódio se passou a mais de 300 quilômetros de Buenos Aires, na cidade de Tandil, a mesma em que a seleção de Zagallo começou sua trajetória rumo ao traumático bronze nos Jogos Olímpicos de Atlanta-1996. Começou ali também uma surpreendente relação de carinho entre uma das mais temidas torcidas do futebol mundial e Dermival Almeida Lima, esse tímido baiano de Capim Grosso, e que carrega o gentílico de seu Estado como “nome de guerra”.
“Não tenho nem o que falar da torcida do Boca Juniors. Eles são incríveis, maravilhosos, foram incríveis comigo todo o tempo. Morava em Puerto Madero [bairro boêmio de Buenos Aires] e quase me sentia como Ronaldinho Gaúcho nas ruas, porque era o tempo inteiro parando para tirar fotos, distribuir autógrafos. Impressionante como me acolheram bem”, relembra, cheio de orgulho.
Baiano hoje tem 37 anos e defende o Gama, atual campeão do Distrito Federal. Boca foi o sétimo dos 16 clubes que defendeu em 19 anos como profissional. Chegou à Bombonera no embalo das boas apresentações que fizera no Palmeiras na Série B de 2003 e na A do ano seguinte.
Tinha a responsabilidade de substituir Hugo Ibarra, o lateral-direito que fazia girar aquele Boca campeão da Libertadores de 2000, 2001 e 2003. E o peso de ser o primeiro brasileiro a defender o clube desde Jorginho Paulista, que disputou apenas 15 jogos, em 2001.
Baiano parece ter assimilado rápido o recado dos xeneizes (apelido dos torcedores do Boca) em Tandil. Na sua estreia, contra o Independiente, em um torneio amistoso, tomou amarelo após uma entrada dura com menos de 30 minutos de jogo. Mas seus primeiros meses seguiram-se sem sustos e sem comprometer. Logo, o brasileiro recebeu o apelido de Bombom, por ser o único negro do time. Marcou dois gols, ambos na Libertadores, contra os mexicanos do Pachuca e Sporting Cristal, do Peru.
“Fizeram uma música para mim, pedindo para que eu partisse para o ataque. Todo jogo na Bombonera era uma grande festa, um evento espetacular. Nunca vi violência lá”, relembra. “Os casos que vi na Argentina eram semelhantes aos que acontecem aqui no Brasil. Ônibus cercado por torcedores, ameaças de pedradas, aquela chuva de troço quando você vai cobrar um escanteio”, elencou.
Travas de alumínio no clássico
Ele relata que muito do clima de rivalidade que se vê no campo num duelo entre Boca e River se deve à imprensa. “Uma ou duas semanas antes, as TVs exibem o tempo inteiro lances e jogos do clássico de temporadas anteriores. Você fica assistindo aquilo dali e vai te dando um negócio, você vai ficando com aquela gana de jogar o clássico”, disse. Antes do derby que disputou em 2005, na Bombonera, ouviu conselho dos colegas de equipe. “Negrito, jogo contra o River não pode usar chuteira com trava de borracha, tem que ser de alumínio”, repetiam os argentinos ao ala brasileiro.
Para Baiano, as torcidas de Newells Old Boys e Rosário Central, ambos da cidade de Rosario, pareceram para ele bem mais violentas. Mas o caso mais marcante aconteceu no Nuevo Gasômetro, campo do San Lorenzo, de Buenos Aires. “Eu ficava ali na lateral então vi tudo acontecendo: os próprios torcedores do San Lorenzo brigando entre eles. Daí teve um deles que desmaiou e os caras continuaram batendo nele. Uma coisa horrível”, relatou.
No momento do ataque dos torcedores do Boca aos jogadores do River, na semana passada na Libertadores, Baiano estava no culto na Igreja Batista Koinonia, em Águas Claras (DF). Viu a repercussão no dia seguinte. Apesar da adoração aos torcedores Xeneize, Baiano defende a punição ao ex-time pelo o que ocorreu na semana passada pela Libertadores. “Não dá, aquilo não pode existir. Tinha que haver uma punição justa. Apesar de ter sido só um cara que fez aquilo, mas não pode ser daquele jeito”, afirmou.
Baiano saiu do Boca após cumprir sete dos 12 meses de contrato, diz ter pagado do próprio bolso a multa rescisória. Alegou racismo por parte dos jogadores rivais e falta de apoio no elenco para defendê-lo de injúrias e ofensas raciais no gramado. “Na época, não tinha estrutura para ouvir aquilo tudo. Se fosse hoje, mais experiente, não estava nem aí, podiam falar à vontade”, garantiu.
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