Escândalo da Fifa derruba cartolas, mas contratos suspeitos seguem em vigor
Deflagrado após operação liderada pela FBI (polícia federal dos Estados Unidos) e prisão de sete dirigentes ligados à Fifa em Zurique (Suíça), o escândalo que chacoalhou o futebol mundial na última semana fez com que pelo menos 13 pessoas fossem banidas pela entidade e motivou a renúncia do presidente Joseph Blatter. No Brasil, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) defenestrou um de seus vice-presidentes e apagou até o nome da sede. Em menos de uma semana, a investigação sobre o esporte mais popular do planeta afetou algumas de suas principais lideranças. Isso só não foi suficiente para mexer com os contratos colocados sob suspeita.
A lógica de responsabilizar pessoas e preservar contratos é clara na CBF. Horas depois da prisão de Marin, a entidade emitiu nota oficial em seu site para dizer que “aguardará de forma responsável a conclusão, sem qualquer julgamento que previamente condene ou inocente”. Horas depois, o ex-presidente foi retirado preventivamente da diretoria e teve seu nome apagado na fachada do prédio.
Também em nota oficial, a CBF anunciou ter enviado voluntariamente ao Ministério Público todos os contratos que foram colocados sob suspeita. O atual presidente da instituição, Marco Polo del Nero, abordou o tema em entrevista coletiva. Disse que os documentos foram relidos e que não há irregularidades. Entretanto, nova análise foi iniciada.
“A única coisa que posso dizer é que estão sendo analisados os contratos, mas ainda não houve uma decisão. Para tomar uma decisão [possível rompimento] temos de ter resguardo jurídico. Tem que passar por essa avaliação”, disse Walter Feldman, secretário-geral da CBF.
Não há prazo para a CBF concluir essa análise. Portanto, a entidade mantém por tempo indeterminado as parcerias que motivaram dúvidas. Um exemplo disso é o contrato da Copa do Brasil: ainda que o documento seja lícito e que a Traffic não cometa irregularidade atualmente na gestão dos direitos comerciais do torneio, a empresa pagou propina para ser escolhida. De acordo com relato do próprio Hawilla, por exemplo, Marin pediu US$ 2 milhões anuais para referendar o negócio. O atual contrato da Traffic com a CBF para a Copa do Brasil tem validade até 2022.
A relação da CBF com a Klefer, empresa que explora propriedades comerciais em amistosos da seleção brasileira, é outra que segue até 2022. O acordo tem valor total de R$ 128 milhões por oito anos, e a empresa, propriedade de Kleber Leite (ex-presidente do Flamengo), foi alvo de devassa da Polícia Federal na última semana.
Mesmo que Traffic e Klefer estejam afundadas nas denúncias decorrentes da investigação do FBI, a CBF ainda não cogita cancelar essas relações. “Tem que concluir o processo. Não queremos fazer nada de forma atabalhoada”, explicou Feldman.
Fifa também muda nomes, mas preserva contratos
O caso da Fifa é similar: em menos de uma semana, a entidade baniu do futebol pelo menos 13 pessoas, ainda que as investigações ainda estejam em curso. O facão incluiu, além do próprio Marin, nomes como Eugenio Figueredo (ex-presidente da Conmebol) e Enrique Sanz (secretário-geral da Concacaf) – sem contar a queda do próprio Blatter, que renunciou. Mas as decisões tomadas por esses dirigentes, até o momento, não foram colocadas sob suspeita pela entidade.
Segundo investigação da Justiça dos Estados Unidos, por exemplo, houve irregularidades em contratos relacionados à Copa América. Parceira da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) desde a década de 1980, a agência Traffic assumiu em 1993 os direitos comerciais do torneio e sempre pagou propina para isso.
O valor dos direitos comerciais da Copa América teve incremento considerável na década de 1990 – a Traffic faturou US$ 31,9 milhões com a edição 2001, por exemplo, com um lucro de US$ 9,9 milhões. E isso catapultou também o valor desembolsado pela agência em propinas, segundo relatos feitos à Justiça dos Estados Unidos por José Hawilla, dono da empresa.
A Traffic foi uma das empresas envolvidas na criação da Datisa, que fechou contrato com Conmebol e Concacaf (associação de futebol das Américas do Norte e Central) para adquirir os direitos comerciais da Copa América entre 2015 e 2023 (três edições do torneio e a Copa América Centenário, que será realizada em 2016). No total, esse acordo teria motivado pagamento de US$ 110 milhões (R$ 346 milhões) em propina – José Maria Marin seria um dos beneficiários.
E ainda que dirigentes tenham sido responsabilizados por essas irregularidades, o contrato entre Datisa, Conmebol e Concacaf não foi questionado até o momento.
Dirigentes presos receberam propina para direcionar contratos e influenciar decisões estratégicas da Fifa, como a escolha da sede da Copa 2010. De acordo com o jornal sul-africano “Sunday Times”, documento de 2008 assinado por Molefi Oliphant, que na época presidia a Safa (associação de futebol da África do Sul), admite pagamento de US$ 10 milhões à CFU (união de futebol do Caribe). O montante foi enviado em três transferências e intenção inicial de criar um fundo para desenvolver o futebol no Caribe, mas acabou desviado por Chuck Blazer e Jack Warner, ex-membros do comitê-executivo da Fifa.
Logo que o escândalo explodiu, Walter di Gregorio, diretor de informação e relações públicas da Fifa, foi questionado sobre quanto isso podia abalar a credibilidade de outros processos – sobretudo os que escolheram Rússia e Qatar como sedes das Copas de 2018 e 2022, respectivamente. Ele negou de forma taxativa, e a entidade emitiu nota oficial posteriormente para assegurar lisura nessas eleições, mesmo que os participantes tenham sido os mesmos.
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