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Auditoria da Fifa não percebeu irregularidades e agora sofre pressão

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

05/06/2015 00h01

A Fifa está no centro de um escândalo de mais de US$ 150 milhões. Por ele, sete cartolas foram presos em Zurique de uma só vez, em um pacote de 14 cartolas indiciados pela procuradoria-geral dos EUA. Joseph Blatter, presidente da entidade há 17 anos, não aguentou a pressão e renunciou. Agora, veículos especializados colocam em sua alça de mira a empresa que aprovou as contas da Fifa.

Em cumprimento à lei da Suíça e outras convenções internacionais, a Fifa e outras organizações deste porte precisam ser auditadas anualmente por uma empresa independente. No caso da entidade que comanda o futebol mundial, quem tem essa missão é a KPMG.

O balanço de 2014 mostra que a Fifa teve um lucro operacional de US$ 338 milhões e tem reservas de US$ 1,5 bilhão. Para aferir se as contas estão corretas, a KPMG tem acesso aos balanços da própria Fifa, de 40 das associações nacionais e uma confederação, que variam anualmente por amostragem.

A ideia é que a empresa tenha acesso para aferir se todo o sistema Fifa está de acordo com as normas internacionais. Pelo balanço, cabe ao Comitê Executivo fornecer contas detalhadas, sem erros ou fraudes. À KPMG, cabe conferir se isso de fato aconteceu. Em 2014, a empresa aprovou tudo sem ressalvas, em avaliação do auditor Roger Neininger.

“Havia sinais vermelhos suficientes de irregularidades e pagamentos muito suspeitos, assim como transferências de dinheiro de e para oficiais e outros Era o caso dos auditores terem ressaltado e alertado internamente, recomendando investigação. Especialmente em uma organização com o histórico recente da Fifa, em que investigações encontraram corrupção e pagamentos de propina”, disse Robert Appleton, ex-procurador dos EUA e ex-chefe da força-tarefa anticorrupção da ONU, em entrevista ao site “MarketWatch”.

A existência de irregularidades deste porte em uma empresa quebra a lógica da auditoria, que empresta sua credibilidade a uma companhia. A relação de forças não passou despercebida no mundo do futebol. “Alguém deveria ir aos auditores e dizer: ‘Escuta, de onde isso saiu? Estava nas contas? Vocês sabiam sobre isso?’”, questionou Gred Dyke, presidente da Federação Inglesa de Futebol e um dos maiores inimigos político de Joseph Blatter.

"Você tem de verificar como foi escopo, que nível de análise foi feito. A auditoria contratada assume que está de acordo com as normas contábeis, mas de acordo com o que foi possível identificar. Observo ainda que há dificuldades pelas diferentes legislações e as negociações locais. Dependendo do que for e do escopo, não tem como identificar que uma  operação  não atende as normas. No parecer da auditoria, afirma que não tem nenhuma distorção relevante. Ao final observo que deve-se considerar, ainda, a relevância, pois é diferente estar inconsistente o valor de uma cadeira e estar inconsistente US$ 1 milhão", disse Fernando Almeida, coordenador do curso de ciências contábeis da PUC-SP no campus Ipiranga, ao UOL Esporte.

Os problemas apontados pela procuradoria-geral dos EUA incluem o pagamento de US$ 10 milhões a um cartola norte-americano por meio da conta da Fifa. Nem isso foi identificado pela KPMG, que se recusa a comentar qualquer coisa sobre a entidade.

“Como auditores estatutários da Fifa, nós somos vetados por confidencialidade profissional e temos de evitar qualquer comentário a respeito do nosso cliente”, disse Andreas Hammer, porta-voz do escritório da KMPG suíça, por email.

Esta não é a primeira vez que a KPMG está envolvida em um escândalo de grande porte. Era ela, por exemplo, a responsável pela auditoria do HSBC, banco que protagonizou o escândalo do Swissleaks, em que grandes clientes privados eram auxiliados pela instituição financeira a sonegarem impostos.

“O escândalo da Fifa levanta uma questão: ‘Para que servem, exatamente, os auditores?’ Se eles não conseguem perceber milhões escoando após tantos anos, o que eles podem fazer? Uma das regras básicas da auditoria é olhar para o estilo de vida das pessoas. Se é muito gastador e não se sustenta, isso é um sinal vermelho”, disse Prem Sikka, professor da Essex University Business School, ao site britânico “This is Money”, especializado em economia.