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Futebol chileno reescreve história 39 anos após sofrer golpe de Pinochet

Pinochet usou Colo-Colo como instrumento social. Agora é apagado da história - AP
Pinochet usou Colo-Colo como instrumento social. Agora é apagado da história Imagem: AP

Guilherme Palenzuela

Do UOL, em Santiago (Chile)

27/06/2015 06h00

Foi em 11 de setembro de 1973 que o golpe de estado liderado por Augusto Pinochet invadiu o palácio de La Moneda, em Santiago, em ação que vitimou o então presidente socialista Salvador Allende e levou os militares ao poder no Chile. E foi em 2 de abril de 1976 que a ditadura de direita assumiu o controle do Colo-Colo, o clube mais popular do país, naquela que talvez tenha sido a atitude mais simbólica da apropriação do futebol por Pinochet como forma de manobra social. Agora, 39 anos depois, o futebol chileno reescreve sua história retirando as marcas da ditadura.

Sede da Copa América 2015, o Chile vê no torneio atual a maior chance da história de conquistar um título. A seleção anfitriã jamais levantou uma taça oficial - nunca, nenhuma. E foi neste 2015, também, que o Colo-Colo finalmente anulou de sua história o nome de Pinochet. De um movimento que partiu de sócios, o nome do ditador que até o mês passado era "presidente honorário" do clube foi excluído.

"Apresentamos na assembleia e o tema foi considerado. A assembleia atendeu o argumento. O mais importante foi reconhecer que aquela nomeação de Pinochet como presidente honorário foi algo ilegítimo. O mais importante foi reconhecer que aquela nomeação não foi democrática. A assembleia afirmou que foi uma nomeação ilegítima e que não poderia ter sido feita", afirma o chileno José Miguel Sanhueza, sociólogo e um dos sócios do Colo-Colo que liderou o movimento "Fuera Pinochet", projeto que iniciou a mobilização pela anulação do título de presidente honorário.

A assembleia referida aconteceu no dia 20 de maio de 2015, dez dias antes do Colo-Colo anunciar a exclusão do título histórico de Pinochet como presidente do clube. Agora parece um movimento fácil, mas durante 25 anos desde o fim da ditadura militar e a volta da democracia o Colo-Colo conviveu com a marca do golpe. Sanhueza comenta que pela primeira vez desde o fim da ditadura militar o momento se fez propício pela pressão social: "Eu diria que houve uma ativação social muito interessante no clube. Nos anos 90 foi uma época outra, de muitos problemas. Agora houve uma ativação social para reviver isso e construir uma nova democracia para o Colo Colo".

Além da Copa América, que faz o futebol ferver no Chile - houve festa de título em Santiago pela vitória sobre o Uruguai, quarta-feira, que levou o time de Arturo Vidal e Alexis Sánchez à semifinal -, desde 2014 o governo voltou a ser de esquerda, na figura da socialista Michelle Bachelet. O presidente do clube, Fernando Monsalve, afirmou no anúncio do repúdio a Pinochet que o Colo-Colo é hoje um clube em reconstrução de sua história.

Pinochet tomou controle do Colo-Colo num momento em que o clube sofria com problemas financeiros. O clube mais popular do Chile desde 1973, logo depois do golpe de estado, serviu como propaganda política para o ditador - não por vontade própria -, que sempre se manteve próximo à instituição. Naquele mesmo ano o time então liderado pelo atacante Carlos Caszely, que se tornaria figura ilustrativa do combate à ditadura, tinha jogado uma final de Copa Libertadores e já era importante socialmente para a harmonia de dias ruins do governo de Salvador Allende. Conhecido como o clube mais popular entre os mais pobres, o Colo-Colo leva em seu símbolo a figura de índio mapuche envolto nas cores da bandeira nacional - somado à imensa popularidade e ao sucesso em campo, era estratégico para um regime emergente.

Até hoje o envolvimento de Pinochet com o Colo-Colo nos primeiros anos do regime militar é lembrado por rivais como motivo para desmerecer o clube. É comum que torcedores da Universidad de Chile cantem "Vamos quebrar o estádio de Pinochet" quando visitam o Monumental David Arellano, em Santiago - mesmo estádio em que o Brasil jogou contra Colômbia e Venezuela nesta Copa América e no qual Neymar protagonizou momentos de destempero que o tiraram da Copa América. A referência "estádio de Pinochet" vem de uma manobra fracassada do ditador para tentar se manter no poder.

Meses antes do plebiscito em 1988 que devolveria a democracia ao Chile, Pinochet anunciou um aporte de 300 milhões de pesos chilenos ao Colo-Colo para que uma obra de reforma do estádio Monumental fosse concluída. A ajuda ao clube mais popular do país virou manchete dos principais jornais e acabou funcionando como panfleto publicitário de Pinochet, que tentava se manter no poder até 1997. Mas o plebiscito disse não ao regime militar que contabilizou, em 17 anos, mais de 40 mil pessoas mortas ou desaparecidas sob um governo que ficou conhecido mundialmente pelas violações aos direitos humanos. O Colo-Colo nunca viu o dinheiro que os jornais estamparam, mas mesmo assim leva até hoje a fama de ter um estádio graças aos militares.

Mesmo com o fim da ditadura militar em 1990 Pinochet manteve ligação com o clube do qual dissolveu a diretoria em 1976 para usar como instrumento político. Nas eleições presidenciais do Colo-Colo em 1994, votou e falou com naturalidade como torcedor do clube, mesmo sendo historicamente associado como torcedor do Santiago Wanderes. Pinochet morreu em dezembro de 2006 e o Colo-Colo jamais fez um minuto de silêncio em campo por ele.