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Campeão mundial pelo SP é manobrista de restaurante: "não tenho vergonha"

Jura é manobrista de restaurante em Piracicaba, interior de São Paulo - Reprodução/Arquivo pessoal
Jura é manobrista de restaurante em Piracicaba, interior de São Paulo Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal

Roberto Oliveira e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

28/06/2015 06h00

Jurandir Fatori, ex-lateral direito com passagens por Guarani, São Paulo e Flamengo na década de 90, conheceu o topo do mundo do futebol. Jura, como é conhecido, foi campeão mundial pelo Tricolor em 1993. Vinte e dois anos depois, ele trabalha como manobrista de estacionamento num restaurante em Piracicaba, cidade do interior paulista.

Mas como a vida de Jura mudou tanto?

“Eu perdi bastante dinheiro com a mulherada nas noitadas. A única coisa que eu tenho é o meu apartamento, foi a única coisa que eu guardei. Só que eu preciso trabalhar, fiquei quatro meses sem fazer nada (foi técnico do São José). Aí chegou um parceiro e falou: ‘Jurandir, não é vergonha’. Eu falei: ‘eu não tenho vergonha de nada, o que você tem?’ Ele respondeu: ‘eu tenho um estacionamento’. Então é o que eu estou fazendo, eu sou manobrista e segurança do estacionamento do restaurante Toca da Coruja”, conta à reportagem.

“Eu entro às 7 da noite e saio quase 6 da manhã, é o que está hoje trazendo o sustento da minha família. E pela minha família hoje eu dou a minha vida. Para mim está sendo bom, estou pagando as minhas contas”, continua.

Como não é comum ir a um restaurante e se deparar com campeões mundiais esperando para estacionar os carros, Jura virou atração no Toca da Coruja. “Já tirei muitas fotos, dou autógrafos, tem pai que volta, traz a criança e conta a história”, revela.

Apesar de ter orgulho do seu trabalho como manobrista em estacionamento, Jura, hoje aos 44 anos e com renda mensal de R$ 3.500, sonha com uma chance de voltar ao futebol.

“Eu vou voltar para o futebol, eu tenho certeza, quero voltar. Sei que estou fazendo isto (manobrista) porque é o que tem pra hoje. Mas eu quero é voltar para o futebol e eu acredito que vou ter chance. Queira ou não queira, eu sou campeão do mundo, campeão da libertadores. Tenho certeza que vai aparecer oportunidade pra mim ainda”, acredita.

Em entrevista ao UOL Esporte, Jura ainda revelou por que testou positivo em exame antidoping em 1999; falou da lesão que teria lhe tirado da Copa do Mundo de 1994, cujo responsável foi Casagrande; dos ídolos Telê Santana e Rogério Ceni; e sobre a vida agitada que teve enquanto jogador.

Jura posa para foto com Valber, Careca e Macedo (da esq. para dir.) - Reprodução/Arquivo Pessoal - Reprodução/Arquivo Pessoal
Jura posa para foto com Valber, Careca e Macedo (da esq. para dir.)
Imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal

Quem pediu a sua contratação no São Paulo?

Foi o jogo (do Guarani) contra o São Paulo e o veinho (Telê Santana) me observou. Lá dentro do São Paulo eu tive uma carreira legal. Eu joguei contra o São Paulo em 91 e fui emprestado em 93 para o São Paulo. Em 92 eu voltei para o Guarani e ainda disputei o Paulista

O que mais foi marcante pra você nestes 15 anos como jogador?

Foi o bi mundial lá em Tóquio que a gente foi em 93: isso foi a coisa positiva. A coisa negativa foi o doping que eu caí em 99 pela Inter de Limeira.

O Cafu estava lá. Tinha como ser titular?

Tinha como, eu era titular absoluto, o Cafu voltava da seleção e jogava no meio. O Telê não mexia na beirada, o veinho gostava demais de mim. Até que um dia num Flamengo x São Paulo o Casagrande me deu um carrinho e fiquei quase 5 meses parado. Estava chovendo, eu dei um tapa na frente e o Casagrande veio e deu um carrinho. Ele diz que não conseguiu parar e já falou em transmissão que prejudicou a minha carreira, eu estava cogitado pra ir para a seleção em 94, porque o Cafu voltava da seleção e jogava no meio. O Zagallo também começou a me observar e aí eu tive esta contusão. Fiquei quase 5 meses parado. Eu melhorei só pra ir para Tóquio

Você já teve a oportunidade de falar com o Casagrande depois disso?

Pessoalmente, não, só no dia da contusão mesmo, ele foi ao vestiário e me pediu desculpas. Mas pessoalmente assim nunca tive a oportunidade de falar com o Casagrande. Até queria, o Casão é um cara fora de série, tem uma história de vida que não é fácil. Não ficou nenhuma mágoa. O Casão nunca esqueceu da minha contusão.

Quantos meses você ficou no São Paulo? Contra quem foi a sua estreia?

“Eu fiquei 8 meses no São Paulo e a minha estreia aqui no Brasil foi contra o Internacional no Morumbi. Foi 3 a 2 pra gente e eu fiz o terceiro gol no final do jogo. Esse gol foi demais. O Catê estava carregando pela direita e eu entrando por dentro. E na narração do Luciano do Valle ficou chique né (veja no vídeo). O Catê passou eu cheguei batendo de primeira na bola

Sobre noitadas e mulheres, atrapalharam sua carreira?

Atrapalhou, sim. Se a gente tivesse a cabeça de hoje, com certeza seria diferente, hoje eu tenho filho pequeno e sei a dificuldade que é. Eu ia a boates, ia para a putaria com dinheiro no bolso. Essas coisas que me atrapalharam muito. O que mais tinha era mulherada. Atrapalhou demais, as marias-chuteiras gostavam só de tirar o que a gente tinha e a gente também esbanjava na época. O Telê observava e me falava: ‘hoje você dá conta filho, mas amanhã você não vai dar’. Ele sempre dava conselhos. O Telê foi um paizão pra mim. Foi o melhor com quem eu trabalhei, a disciplina, o comando. Hoje levo pra mim dentro do futebol, eu acredito também que eu tenho esta competência e essa qualidade, mas infelizmente o futebol hoje pra você entrar tem que levar investidor. Principalmente nos clubes pequenos, se você não levar você não trabalha, eu fiz uma baita trabalho no São José uma folha de 20 mil reais. Mas não aparece nada e então a gente fica um pouco chateado com o futebol. Depois apareceu esta oportunidade que eu estou fazendo hoje (manobrista no restaurante Toca da Coruja em Piracicaba). Eu perdi bastante dinheiro com a mulherada nas noitadas. A única coisa que eu tenho é o meu apartamento, foi a única coisa que eu guardei. Só que eu preciso trabalhar, fiquei 4 meses sem fazer nada esperando e esperando e não apareceu. Aí chegou um parceiro e falou: ‘Jurandir, não é vergonha’. Eu falei: ‘eu não tenho vergonha de nada, o que você tem?’ Ele respondeu: ‘eu tenho um estacionamento lá (Toca da Coruja). Então é o que eu estou fazendo, eu sou manobrista e segurança do estacionamento do restaurante Toca da Coruja, em Piracicaba, eu vou fazer dois meses. Eu entro 7 horas da noite e saio quase 6 da manhã, é o que está hoje trazendo o sustento da minha família e pela minha família hoje eu dou a minha vida. Para mim está sendo bom, estou pagando as minhas contas.”

Você recebe um valor fixo? E as caixinhas, dá um bom dinheiro?

Eu tenho um fixo mais as caixinhas que eu ganho, as caixinhas são boas, não são ruins. E o que me pedem pra eu fazer eu faço bem feito, eu falo: ‘você pode ficar tranquilo, seu carro vai estar cuidadinho. É aquele negócio, muita gente tira foto, me reconhece.

Você virou atração no restaurante?

Claro, não tenha dúvida, o dono também está ganhando com isso e eu faço a coisa com prazer e alegria. Já tirei muitas fotos, dou autógrafos, tem pai que volta e traz a criança e conta a história.

Jura, jogador do Guarani e do São Paulo, foi técnico do São José  - Jura, ex-jogador do São Paulo - Jura, ex-jogador do São Paulo
Imagem: Jura, ex-jogador do São Paulo
O que as pessoas falam quando sabem que você é o Jura campeão do mundo pelo São Paulo?

Tem alguns comentários, como é muito triste ver eu trabalhando ali. Não pelo trabalho, mas pela minha competência profissional na minha área e não aparece nada pra mim. Mas eu fico feliz, são vários comentários, se eu fosse uma cara mau caráter, mau treinador e não tivesse um comando eu falaria, quer saber, eu vou ser manobrista mesmo, mas eu sou competente eu acho que vou ser bom treinador, é questão de uma oportunidade que a gente espera, um clube que der uma condição de trabalho

Como foi o primeiro dia de manobrista?

Não foi legal, eu cheguei meio envergonhado, ainda tinha que trabalhar de terno e gravata. Tem aquelas abordagens assim: ‘nossa, o cara aí foi campeão do mundo, olha hoje’. Não é só alegria, tem aqueles que tira sarro também. Eu estou trabalhando e estou levando o sustento para a minha família, eu prefiro ignorar as pessoas que dão risadas que curtem da minha cara e fazer o meu trabalho, mas não é fácil, o começo foi difícil, principalmente pra quem teve o status lá em cima, mas não é menosprezo virar manobrista de estacionamento

Qual o ganho mensal?

Se eu trabalhar direitinho, eu tiro por mês uns 3 mil e quinhentos reais

Em 1999, você caiu no doping, foi em qual clube e por quê? Qual a droga?

Eu conheci as drogas através dos amigos, em 99 foi um jogo em Limeira, nós ganhamos no Noroeste de Bauru por 2x0 e aí eu vim de carona com os amigos. A gente fumou maconha, mas eu jamais imaginei que maconha tinha doping, que eu ia cair no doping e no próximo jogo eu fui sorteado e aí deu positivo,  mas eu acredito que foi um bem feito pra mim, eu passei vergonha, pensei que ia tomar esporro do meu pai, mas ele me abraçou e disse que não tinha filho bandido. O meu pai foi sensacional na minha estrutura, na minha educação. Na verdade eu nunca fui viciado, viciado é aquele que não suporta ficar sem. Eu usava de vez em quando, fumava uma maconha, cheirei cocaína no começo, mas depois que o meu filho nasceu nunca mais usei.

E a sua esposa esteve sempre do seu lado?

Essa é guerreira, é a mãe do meu filho e até hoje está comigo. Fui casado uma vez só e na época das drogas eu não era casado, só namorava, só curtia mulheres, hoje estou com ela. O nome dela é Meirice e o meu filho é o Leonardo

Vai voltar ao futebol?

Eu vou voltar para o futebol, eu tenho certeza, quero voltar. Sei que estou fazendo isto (manobrista), é o que tem pra hoje. Mas eu quero é voltar para o futebol e eu acredito que vou ter chance. Queira ou não queira, eu sou campeão do mundo, campeão da libertadores, eu sou um cara muito humilde, então eu pretendo voltar e tenho certeza que vai aparecer oportunidade pra mim ainda.