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Mulher de repórter morto na Copa revela ajuda e choro de Messi pós-tragédia

Pedro Ivo Almeida

Do UOL, em Santiago (Chile)

03/07/2015 06h00

Lionel Messi não é dos mais empolgados com assédios e holofotes. Eleito quatro vezes o melhor jogador do mundo e apontado por muitos como o maior do futebol na atualidade, o argentino não esconde sua timidez e raramente demonstra alguma desenvoltura em entrevista, diante de câmeras e microfones. É raro ver o camisa 10 da Argentina esboçar reações mais intensas em contatos com a imprensa. O dia 9 de julho de 2014 marcou uma dessas cenas.

A data marcava não somente a vitória da Argentina sobre a Holanda por 4 a 2 nos pênaltis, na semifinal da Copa do Mundo, mas também o dia da morte de Jorge López, o "Topo", jornalista argentino que realizava a cobertura do Mundial no Brasil e que faleceu após o táxi em que estava ser atingido por um carro roubado em fuga.

"Messi passou pela zona mista da Arena Corinthians, me chamou e começou a chorar. Evitou que as câmeras registrassem, sempre foi muito discreto. Mas me viu, me abraçou e veio lamentar ao meu lado a morte. Ele disse não acreditar que "Topo" não estava ali o esperando. Aquilo me marcou muito. Sofremos muito ali. Era para ser apenas uma festa pela classificação sofrida, mas não tínhamos muito o que comemorar", revelou Veronica Brunati, esposa de Jorge López, em conversa com a reportagem do UOL após quase um ano da tragédia.

Durante um papo de pouco mais de uma hora num restaurante de Santiago (Chile), onde está para a cobertura da final da Copa América neste sábado, Veronica não conseguia esconder a emoção de comentar a morte do amado e contava com muito carinho a relação do falecido jornalista com alguns dos principais jogadores da seleção argentina.

"Messi saía do vestiário, passava pelo local de entrevista e já olhava para Topo. Os dois se conheciam há muito tempo, desde os primeiros anos dele na Espanha. Mascherano era outro que não acreditava no que tinha ocorrido. Na noite da véspera da final do Mundial, ele ligou para um massagista que já nos conhecia há anos e pediu que me chamasse no hotel em que estavam, na Barra da Tijuca [zona oeste do Rio de Janeiro]. Fiquei um bom tempo lá e conversaram muito comigo. Falaram que a seleção estava muito abalada, mas que tentaria dar aquela vitória ao meu marido. Foi algo que me confortou em um momento em que eu perdi meu chão", recordou Veronica, que hoje trabalha para os diários "As" e "Sport"

Nesta entrevista, a jornalista argentina conta ainda o desafio de seguir sua carreira sem o companheiro ao lado, detalha a relação com Messi e seu pai – Jorge – e lamenta a maneira como o caso foi tratado no Brasil. Confira abaixo os principais pontos.

A vida após a tragédia
“Achei que estava tudo acabado. Envelheci uns 30 anos. Difícil continuar sem a pessoa que te acompanhou em casa e no trabalho durante dez anos. Ainda tivemos dois filhos [Agustin e Lucia, de 5 e 4 anos, respectivamente]. Como explicar para os pequenos que o papai não está mais ali. Mas é com eles que preciso seguir. O apoio de todos é fundamental, principalmente de quem vive esse meio do futebol como nós vivíamos.”

Apoio que não veio no Brasil
“Essa foi minha grande mágoa. Sou apaixonada pelo Brasil, por seu povo, por cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, mas me decepcionei após o acidente. Não tive qualquer ajuda. Foi complicado demais o processo para retirada do corpo e a maneira como a Polícia encarou o caso. Além disso, me impressiona como a mídia brasileira não repercutiu o caso. Movo uma ação no país e poucos falam. Na Europa e em toda a América do Sul, todos compraram a briga por Justiça e aderiram à campanha. No jogo entre Barcelona e Atlético de Madrid, um dos principais do Campeonato Espanhol da última temporada, só se falou isso. E a mídia brasileira quase não citou. Ficou uma dor imensa pela ignorância e pelo desprezo. Fui para uma festa e voltei com meu marido em um caixão. E ninguém ajudou. Ele foi apenas mais um número, uma estatística. Me parece que isso é normal para o povo brasileiro.”

Quem mais ajudou
"Família, minha mãe, amigos da imprensa e do futebol e também funcionários do consulado em Buenos Aires me deram muito apoio. Alguns me surpreenderam, como Mascherano e Messi. Depois da cena que rolou na zona mista da Arena Corinthians, fomos nos ver de novo em janeiro deste ano [2015]. Fui a Barcelona ver alguns amigos do “Topo” e ele pediu para conversarmos. Me chamou, perguntou como a família estava, me confortou muito e falou que daria qualquer ajuda que eu precisasse, fosse na Espanha ou na Argentina. Que queria usar o nome e a imagem dele para me ajudar. Eu não quis pedir nada, mas foi bom saber que ele estava ali. Falou com grande frequência com Jorge Messi, pai dele. Está sempre preocupado e procurando fazer algo.”

Manifestação vetada em campo
"Messi, por exemplo, ajudou na campanha “#JusticiaParaTopo” nas redes sociais e queria estender uma faixa em um jogo da seleção na Copa América, como fez no clássico contra o Atlético no Espanhol. Mas a Conmebol vetou. Ele não desistiu. Estamos vendo uma maneira de realizar isso nos jogos das eliminatórias. Vamos lutar por espaço e por justiça."

Copa América sem “Topo”
“O mais difícil neste período todo foi chegar ao Chile para a cobertura. A ficha parece que estava caindo ali. La Serena, onde a Argentina ficou concentrada, é uma cidade muito parecida com o Brasil, então eu ficava remontando o cenário da Copa do Mundo e o filme voltava na cabeça. Nas rodas de imprensa, sempre falta o “Topo”. Nos jogos, fico imaginando como ele estaria. Certeza que ficaria encantado com as atuações de Messi e a chance de um título que não vem há tanto tempo.”

O que esperar para a final de sábado
“Estou confiante. Este título simbolizaria muito mais que uma homenagem a Topo. Sei que o foco dos jogadores agora é outro. Mas uma conquista aqui no Chile iria me confortar, aliviar. Sei que meu marido ficaria feliz em algum lugar lá em cima. Ele está acompanhando tudo de perto e sorrindo. Quero trabalhar bem aqui para mostrar que a vida segue e nossa família será criada com muito amor, mesmo com ele longe. E seria o primeiro título de Messi com a seleção principal, o que representaria muito para Topo. Era o fã número um e um grande amigo.”