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Confusão, venda ilegal e obra inacabada antecederam Maracanazo há 65 anos

Diego Salgado

Do UOL, em São Paulo

16/07/2015 06h00

Não foi fácil ser testemunha da derrota brasileira para o Uruguai na Copa de 1950. Antes de lamentar a virada do adversário e o gol de Ghiggia a minutos do fim, os torcedores presentes ao Maracanã sofreram para conseguir um ingresso para a decisão do Mundial, disputada há exatos 65 anos. A superlotação e as obras inacabadas também se tornaram obstáculos naquele dia.

O arquiteto Alfredo Brito tinha 14 anos à época e presenciou, ao lado do tio, os fatos ocorridos no estádio no famigerado 16 de julho de 1950. "O Maracanã ainda tinha andaimes, ainda tinha muito material e sucata de obra por todo o caminho. Então fomos cuidadosamente para dentro do estádio. Tivemos de ficar quietos no nosso lugar, não dava nem para se mexer. Não tinha como sair de lá nem para ir ao banheiro", contou em entrevista ao UOL Esporte.

O Maracanazo também foi antecedido por filas nos pontos de venda, além da ação de cambistas e muita confusão na entrada do estádio recém-inaugurado. O início da comercialização se deu três dias antes do confronto decisivo, menos de 24 horas depois de o Brasil golear a Espanha por 6 a 1, em jogo já marcado pela acirrada busca por ingressos e pela invasão ao Maracanã após a quebra das borboletas na entrada.

Naquela ocasião, 152.772 torcedores assistiram à vitória brasileira, no recorde de público e renda do Mundial até então. Contra o Uruguai, ambos foram batidos. Oficialmente, 173.850 pessoas compraram ingressos, mesmo com a capacidade oficial de 155 mil (93,5 mil nas arquibancadas, 30 mil nas cadeiras numeradas,  30 mil nas gerais e mais 1,5 mil nos camarotes).

As vendas ocorreram em 15 locais diferentes da cidade do Rio de Janeiro, sob a organização da Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Logo no primeiro dia, a confusão resultou na prisão do chefe de fiscalização de vendas, Francisco de Melo, que foi encontrado com mil ingressos nos bolsos. 

Os torcedores, por sua vez, tentaram comprar os bilhetes desde as 6h. Os locais de vendas, porém, ficaram abertos por apenas alguns minutos depois de a carga prometida desaparecer. Além disso, alguns ingressos sumiram após serem prometidos a grupos e pessoas influentes, como o técnico Vicente Feola (campeão mundial com a seleção brasileira em 1958) e o craque Zizinho, que daria as entradas a familiares. 

Os incidentes quase causaram a demissão do presidente em exercício da CBD, Mário Polo -- Rivadávia Meyer, doente, estava afastado do cargo. No dia seguinte, a entidade deu início às vendas dos ingressos da arquibancada e da geral.  A CBD abriu 150 bilheterias do próprio Maracanã, além de comercializar em outros dois pontos da cidade.

Segundo os jornais da época, os cambistas agiram já na partida Brasil e Espanha, vendendo ingressos por um valor até 11 vezes maior (de 36 cruzeiros por 400 cruzeiros). Para a decisão, a fiscalização foi mais intensa, mas não suficiente para evitar novos casos de venda ilegal. 

No domingo, dia da decisão, o Rio amanheceu tomado por turistas, que acampavam em qualquer espaço ao redor do estádio. Mais trens também foram disponibilizados na Central do Brasil para o transporte da multidão.

Apesar de quase 174 mil ingressos vendidos, estima-se que 200 mil espectadores conseguiram entrar no Maracanã. A abertura dos portões do estádio ocorreu às 11h, a quatro horas do início da partida. As filas na porta chegaram a um quilômetro de extensão. 

"A entrada no estádio foi normal para a época. Havia muita desorganização, porque era a primeira utilização do Maracanã e ninguém sabia ainda fazer aquilo. Foi muito tumultuado, com muita gente. Chegamos cedo lá. Foi uma coisa absurda, muito torcedor ficou fora", disse Alfredo Brito, que teve conhecimento da invasão apenas depois da partida.
 
Da euforia ao lamento
 
O Brasil precisava de um empate para ser campeão do mundo. A tarefa parecia fácil para um time que havia goleado Suécia (7 a 1) e Espanha (6 a 1), no quadrangular final. Já o Uruguai empatou com os espanhóis por 2 a 2  e venceu os suecos de virada por 3 a 2, no Pacaembu, em São Paulo.
 
O título brasileiro parecia ainda mais perto quando Friaça abriu o placar antes dos dois minutos do segundo tempo.  Mas Schiaffino, aos 21, e Ghiggia, aos 34, marcaram para o Uruguai, calando a multidão presente ao Maracanã.

"Alguns tiveram a esperança que logo depois o Brasil ia empatar. Mas eram apenas dois ou três numa roda de muitos torcedores. Foi um choque, era uma coisa totalmente fora do esperado. Confirmado pelo abatimento do time. Todo mundo percebeu", disse Alfredo.

A derrota não causou quebra-quebra ou algo do tipo. Os torcedores deixaram o Maracanã em silêncio, cabisbaixos.  "A saída foi tranquila, com muita gente chorando, mas sem irritação e destempero. Não existia isso", frisou o arquiteto.

O jogo-fantasma

A Copa do Mundo de 1950 é a única entre as 20 edições da história que não contou com uma final. O título do quarto Mundial da Fifa foi decidido após a disputa de um quadrangular entre Brasil, Espanha, Suécia e Uruguai, líderes dos seus grupos na primeira fase da competição.

Na reta final da Copa, os jogos foram disputados em três dias: 9, 13 e 16 de julho, sempre em rodadas duplas, no Pacaembu e no Maracanã. Enquanto o Brasil vencia a Suécia por 7 a 1 no Rio, por exemplo, Uruguai e Espanha empatavam em São Paulo. 

Depois, seleção brasileira repetiu a boa atuação diante dos espanhóis. No mesmo horário -- todas as 22 partidas da Copa começaram às 15h, com exceção de Brasil e México, abertura do Mundial --, os uruguaios conseguiram uma virada sobre os suecos nos últimos minutos.

Na rodada final, a decisão entre Brasil e Uruguai transformou o confronto entre Suécia e Espanha em um jogo sem nenhum atrativo, pois ambos os times estavam desclassificados. O público presente ao Pacaembu há 65 anos foi de 11.227, muito abaixo dos 42.032 espectadores que assistiram à partida Brasil e Suíça (2 a 2), ainda na fase de grupos.

O gol de Ghiggia no Maracanã, marcado a 11 minutos do fim da Copa, não foi o último daquela edição. Depois de o atacante uruguaio vencer o goleiro Barbosa, Palmer fez 3 a 0  para a Suécia no Pacaembu. Zarra, no lance seguinte, diminuiu para a Espanha, sob os olhares dos 11 mil torcedores alheios, de certa forma, à tragédia do Maracanã.