Superfaturamento na Arena Pernambuco se deu na venda do terreno, diz PF
A Polícia Federal suspeita que a negociação de terrenos públicos envolvida no contrato para construção e administração da Arena Pernambuco tenha sido a fonte do superfaturamento do estádio. Segundo o superintendente da PF em Recife, Marcello Diniz, áreas teriam sido repassadas pelo governo de Pernambuco à Odebrecht por um valor abaixo do mercado. Assim, a empresa teria um obtido um ganho além do previsto em contrato.
“O superfaturamento de R$ 42,8 milhões vem da subavaliação dos terrenos”, disse Diniz, em entrevista ao UOL Esporte, horas depois de deflagrar a operação Fair Play, que investiga suspeitas de ilegalidades durante a construção da Arena Pernambuco. O estádio fica em São Lourenço da Mata, região metropolitana de Recife. Foi erguido para receber jogos da Copa do Mundo de 2014.
“Já fizemos perícias levantando o valor dos terrenos com bases em dados de corretoras de imóveis”, explicou superintendente da PF. “A empresa recebeu terrenos por um preço bem menor do que o real.”
O valor total da diferença seria R$ 42,8 milhões. Hoje, porém, esse valor já chegaria a R$ 70 milhões, só levando em consideração a correção monetária desde 2010, quando o contrato para construção da Arena Pernambuco foi fechado.
Esse contrato falava também da construção da chamada Cidade da Copa. O espaço seria um grande empreendimento imobiliário que atrairia empresas para São Lourenço da Mata e contribuiria para a viabilização financeira da arena.
O empreendimento, porém, não saiu do papel. Desde 2013, quando a Arena Pernambuco foi inaugurada, sua operação acumula um prejuízo de R$ 24,4 milhões –e pelo menos metade deste valor recai sobre as contas públicas do Estado, graças às cláusulas contratuais que balizam a parceria público-privada com a Odebrecht.
O delegado Diniz afirmou ao UOL Esporte que a avaliação subestimada de terrenos públicos foi usada ainda para obtenção de financiamentos públicos maiores. Ele explicou que parte da obra da arena deveria ser coberta pelo governo estadual com o repasse de terrenos. Como os terrenos foram subvalorizados, financiamentos maiores foram necessários para custear a o estádio.
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o BNB (Banco do Nordeste) financiaram a construção da Arena Pernambuco. O estádio custou cerca de R$ 800 milhões –esse valor ainda é tema de discordância entre o governo de Pernambuco e a própria Odebrecht, e certamente ainda vai subir muito, porque o governo se compromete a garantir uma lucratividade anual mínima para a empreiteira até o fim do contrato.
Procurado, o BNDES negou em comunicado irregularidades no financiamento concedido pelo banco para a Arena Pernambuco (leia mais abaixo).
Outros estádios
O superintendente da PF afirmou ainda que, a princípio, irregularidades estão sendo investigadas só na Arena Pernambuco. Ele, porém, não descarta que a investigação seja ampliada para outros estádios. “Estamos investigando a Arena Pernambuco, mas pedimos informações sobre outros estádios”, afirmou. “Se encontrarmos alguma coisa, vamos repassar aos órgãos competentes. ”
Além da Arena Pernambuco, a Odebrecht participou da construção da Arena Corinthians, da Arena Fonte Nova e da "reforma" do Maracanã. Todos os estádios foram usados na Copa do Mundo.
Por causa da operação Fair Play, a PF cumpriu dez mandados de busca e apreensão no Recife, em São Paulo, em Brasília, em Belo Horizonte, em Salvador e no Rio de Janeiro. Ninguém foi preso.
Diniz explicou que os mandados de apreensão visam coletar documentos em vários escritórios da empresa justamente para comparar quanto a Odebrecht cobrou por determinados serviços na Arena Pernambuco e quanto foi cobrado pelo menos serviço em outras obras realizadas pela empresa.
O representante da PF afirmou que o trabalho de comparação deve demorar. Segundo ele, em quatro meses, a PF terá uma avaliação clara sobre possíveis sobrepreços na construção da Arena Pernambuco.
Empresa nega irregularidades
A Odebrecht negou irregularidades na construção da Arena Pernambuco. Informou que os terrenos que seriam explorados pela empresa sequer foram transferidos para companhia já que o projeto da Cidade da Copa não saiu do papel por falta de investimentos públicos prometidos para o entorno do estádio.
A empresa também informou que o valor dos terrenos não tem qualquer influência nos financiamentos obtidos para construção da Arena Pernambuco. Portanto, segundo a empresa, o argumento a PF não teria fundamento (leia o posicionamento completo da companhia abaixo).
A construtora também está sendo investigada na operação Lava Jato, a qual apura suspeitas de fraude em licitação da Petrobras. O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, está preso desde de 19 de julho, junto com outros executivos.
Favorecimento em licitação
A PF alega ainda que a Odebrecht foi favorecida na concorrência que definiu a empresa construtora da Arena Pernambuco. Segundo Diniz, a Odebrecht foi contratada de forma irregular pelo governo para elaborar um projeto para obra do estádio. Com base neste projeto, a empresa, mais tarde, foi contratada para executar a obra. “Houve uma clara vantagem”, disse ele. “Isso está comprovado.”
A Odebrecht confirmou que elaborou o projeto para a Arena Pernambuco, mas também nega irregularidades. A empresa alega que sua contratação foi feita baseada na lei que regulamenta as PPPS (parcerias público-privadas).
O governo de Pernambuco ratificou o argumento. Em nota, o Estado também citou a lei das PPPs. Leia o posicionamento abaixo:
"Com relação à operação da Polícia Federal realizada hoje (14.08) na Unidade de Parcerias Público-Privadas, relacionada às obras de construção da Arena Pernambuco pela Construtora Odebrecht, o Governo do Estado de Pernambuco reafirma a disposição de prestar todos os esclarecimentos necessários.
A licitação para a construção da Arena observou todos os requisitos, prazos e exigências da Lei de Licitações e da Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs), tanto que foi julgada regular pelo Tribunal de Contas da União e pelo Tribunal de Contas do Estado.
A Lei das PPPs e a Lei de Concessões prevêem, expressamente, a possibilidade de o autor do estudo de viabilidade do projeto participar da licitação, não decorrendo desse fato qualquer irregularidade, fraude ou frustração do caráter competitivo da disputa.
A Lei das PPPs não exige projeto básico detalhado como requisito para se iniciar a licitação, e, sim, elementos básicos ou anteprojeto. Não há como relacionar a ausência de projeto básico detalhado (admitida pela própria Lei das PPPs) a suposto superfaturamento.
O Governo de Pernambuco reafirma sua posição de absoluta transparência na gestão de recursos públicos e está seguro quanto à correção adotada para firmar a Parceria Público-Privada da Arena Pernambuco."
Leia o posicionamento do BNDES:
"De acordo com as regras do Programa BNDES ProCopa Arenas, todos os financiamentos a arenas da Copa do Mundo de 2014 estiveram restritos a 75% do investimento total previsto, não podendo ultrapassar R$ 400 milhões.
O financiamento do BNDES à Arena Pernambuco seguiu todos os critérios usuais do Banco, passando por análise técnica e por órgãos colegiados. O crédito de R$ 400 milhões, contratado com o governo do Estado, foi concedido de acordo com as regras do Programa BNDES ProCopa Arenas, comuns a todos os outros estádios financiados pelo Banco.
Por fim, todo procedimento de concessão de crédito e acompanhamento das arenas da Copa do Mundo contou com constante e ativa participação dos órgãos de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas da União e dos Estados, a Controladoria Geral da União e o Ministério Público Federal. No caso específico da Arena Pernambuco, cumpre acrescentar que o Tribunal de Contas da União, nos autos do processo 028.464/2013-3, encerrou o acompanhamento do financiamento do BNDES.
O BNDES não recebeu, até o momento, nenhum pedido de informações por parte da PF e está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos que sejam necessários e possam ser úteis às autoridades. "
Posicionamento da Odebrecht:
"As buscas e apreensões realizadas pela Polícia Federal, nessa sexta-feira, em escritórios da Construtora Norberto Odebrecht (CNO) em Pernambuco, na Bahia, em Brasília, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e em São Paulo, representam flagrante ilegalidade e abusividade na realização de investigações que não parecem ter outro propósito senão o de expor uma empresa da Organização Odebrecht, grupo empresarial de origem brasileira e atuação global.
Tanto mais surpreende e choca a violenta iniciativa, quando se verifica que nenhum representante da CNO foi chamado a prestar esclarecimentos sobre qualquer fato ou indício que justificasse a instauração de uma investigação de natureza criminal.
Ao sofrer as consequências das buscas e apreensões, a CNO verificou que, embora a iniciativa da investigação que gerou as medidas ilegais concretizadas hoje tenha partido da Polícia Federal/PE, a Justiça Federal naquele mesmo Estado recusou competência para a matéria, por não vislumbrar sequer em tese a ocorrência de qualquer prejuízo para a União, suas empresas públicas ou autarquias, tendo o feito sido deslocado para a Justiça Estadual.
Quanto ao empreendimento, diferentemente do que informou a Polícia Federal, a contratação da PPP foi antecedida por um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) fundamentado na legislação aplicável e devidamente autorizado pelo Governo do Estado de Pernambuco. Neste tipo de procedimento, os entes privados, em colaboração com o Poder Público, assumem a responsabilidade de elaborar e custear todos os estudos, levantamentos e projetos durante meses, ou até anos, para subsidiar a futura licitação relacionada à PPP, podendo dela participar ao lado de outros concorrentes. É o que determina a lei e foi exatamente o que se deu no caso da PMI da Arena Pernambuco, de cuja licitação o Consórcio Cidade da Copa sagrou-se vencedor em concorrência pública regular.
A Arena Pernambuco foi construída sem a utilização de recursos públicos e os preços praticados absolutamente regulares e auditados. O Consórcio aportou recursos próprios e deu garantias para financiamentos bancários que asseguraram a entrega antecipada da obra para a realização da Copa das Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014.
A elaboração do contrato e o licenciamento do empreendimento, desde o início, foram acompanhados e discutidos com órgãos de controle e fiscalização – como o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Estado de Pernambuco e a Assembleia Legislativa do Estado.
A CNO reitera que sempre esteve à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos e lamenta publicamente o fato de, mais uma vez, sofrer a violência de ter seus escritórios, além de residências de executivos, submetidos a buscas e apreensões arbitrárias, a pretexto de se investigar supostas irregularidades."
* Colaborou Vinícius Segalla, do UOL, em São Paulo
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