Briga com Romário e pesadelo por vice. Os 20 anos de Apolinho no Fla
Uma escolha surpreendente sacudiu o futebol carioca em setembro de 1995. No ano do centenário, o Flamengo perdeu o Campeonato Estadual para o Fluminense e andava mal das pernas na temporada. Foi aí que o presidente Kleber Leite teve a ideia de convidar um famoso radialista da cidade para assumir o comando técnico do time. Washington Rodrigues, o Apolinho, não titubeou. Ele aceitou o desafio por três meses e por pouco não conquistou a Supercopa Libertadores.
Em entrevista ao UOL Esporte, o atual líder de audiência com o “Show do Apolinho”, da Rádio Tupi, revelou ter pesadelos com o vice-campeonato da competição até hoje. Washington também falou sobre a briga com Romário, a forma como foi contratado e explicou os motivos que fizeram o chamado “melhor ataque do mundo” não funcionar no ano que prometia ser especial.
Confira os principais pontos da entrevista:
UOL Esporte: Você também trabalhou no Flamengo como diretor técnico em 1998, mas a experiência de 1995 foi incomparável. São 20 anos da estreia com vitória sobre o Vélez Sársfield por 3 a 2 fora de casa. Qual a principal lembrança daquele início na função de treinador?
Washington Rodrigues: Estava jantando com o Vanderlei Luxemburgo [afilhado de Apolinho e ex-técnico do time naquele ano] e o Kleber Leite [presidente] me convidou para encontrá-lo em um restaurante. Imaginei que queria conselhos sobre o momento do time e fui preparado para sugerir a contratação do Telê Santana. Ninguém queria pegar o Flamengo. O papo varou a madrugada. Até que por volta das 3h30 havia um prato virado na mesa e sem uso. O Kleber me disse que tinha um nome e pediu para que virasse o prato. Quando vi que era o meu tomei um susto e perguntei se ele estava brincando. Pensei rápido e aceitei, já que o Flamengo é uma convocação. Foi uma correria. Tinha que me desligar da rádio, TV, jornal. Tudo para evitar conflito.
UOL Esporte: Existia uma briga com o Romário na época. Muitas pessoas ficaram surpresas quando ele apareceu ao seu lado na entrevista coletiva de apresentação. O que aconteceu?
Washington Rodrigues: O Romário foi a primeira pessoa que me ligou para dar os parabéns. Terminamos as desavenças imediatamente. Brigávamos pelo jornal. Eu o convidei para que estivesse comigo na apresentação. Queria acabar com aquilo na frente de toda a imprensa. Ele aceitou e na primeira pergunta disse que tinha esquecido a briga. Respondi que era bom ele me abraçar ou sairíamos na porrada. Resolvemos o problema no primeiro momento.
UOL Esporte: O Romário também se desentendeu com o Edmundo. Como foi lidar com dois craques considerados problemáticos na ocasião?
Washington Rodrigues: Promovi uma reunião na minha casa entre Romário e Edmundo. A paz foi feita ali. Precisei trabalhar bastante e com muita conversa. Sempre me dei bem com as pessoas rotuladas de problemáticas. A primeira coisa é descobrir os defeitos. Procuro sempre o lado bom. O único que ficou bicudo foi o Edmundo. Procurei conquistá-lo. Hoje ele é um irmão querido. Todo mundo possui um lado bom e ruim. Fiz a leitura do drama familiar e pessoal dele na época.
UOL Esporte: Além dos dois, o Flamengo contava com o Sávio. Por que aquele conhecido como o “melhor ataque do mundo” não deu certo?
Washington Rodrigues: Os rivais se fixaram no deboche. O Romário tinha se separado da Mônica Santoro e comia muito doce por causa do nervosismo. Foi operado e começou a namorar a Paquita [Ana Paula Almeida]. O Edmundo estava jogando até que levou uma pancada do Gamarra e fraturou o pé. O ataque dos sonhos jogou pouquíssimas vezes junto. É preciso destacar isso. Praticamente não contei com os três juntos para escalá-los. O Romário jogou muitas vezes para me ajudar. Foi algo tumultuado.
UOL Esporte: Você quase conquistou a Supercopa Libertadores, mas a vitória por 1 a 0 no jogo de volta sobre o Independiente-ARG não foi suficiente para garantir a taça. O vice-campeonato ainda incomoda?
Washington Rodrigues: Tenho pesadelo com aquele jogo até hoje. Sonho que estou fazendo gol, treinando, torcendo... Aquele título fecharia o ano de forma especial. Fiquei muito chocado. Foram 85 minutos na área dos caras e a bola não entrou. O Maracanã estava lotado e o ônibus precisou alterar o trajeto. Derrubaram os portões, foi uma grande confusão. Fiquei tão desorientado que esqueci de trocar a roupa e fui embora com o uniforme do clube. A minha mulher demorou a me buscar e fiquei parado na porta da sede da Gávea. Passou um cara dirigindo um fusca e queria que eu bebesse cerveja com ele. Os garis desceram do caminhão de lixo para falar comigo. Aquilo me marcou muito. Pouca gente fala, mas perdemos apenas uma vez naquela campanha. Era a reunião dos campeões da América. Foi memorável e triste ao mesmo tempo.
UOL Esporte: As duas passagens pelo Flamengo duraram apenas três meses. Como foi negociar com a Rádio Globo [emissora em que trabalhava na época] a liberação? Temeu perder espaço no mercado?
Washington Rodrigues: Não teve problema. Tirei apenas uma licença. Nunca fui treinador e nem sequer tenho a pretensão de ser. O meu negócio é rádio. Fiz contratos apenas até o final do ano. De setembro até dezembro. Avisei antes que não continuaria mesmo que fosse campeão da Supercopa. Me reapresentei à Rádio Globo em 5 de janeiro de 1996 depois de tirar uns dias de descanso.
UOL Esporte: Já são quase 60 anos de carreira e 79 anos de vida. Já pensa em parar?
Washington Rodrigues: Me divirto no trabalho. Os jovens me motivam a correr no ritmo deles. Tiro folga com sofrimento [risos]. Adoro trabalhar. Acho que morro se parar. O Chacrinha me ensinou que o homem é como uma bicicleta. Se parar, cai. Sou líder de audiência há 13 anos e o meu programa é uma marca. Já tive propostas para sair, mas as pessoas me tratam muito bem. Me sinto em casa e só penso em trabalhar.
UOL Esporte: E se o Flamengo o chamar para assumir algum cargo? Aceita?
Washington Rodrigues: Claro. É uma convocação. Ajudo em tudo o que posso. O Flamengo não convida, o Flamengo convoca o rubro-negro.
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