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Como a morte de um candidato a Neuer fez alemães tratarem a depressão

Gustavo Franceschini

Do UOL, em Hannover (Alemanha)

20/12/2015 06h00

Em 10 de novembro de 2009, Robert Enke tirou a própria vida ao se atirar diante de um trem em uma cidade vizinha a Hannover, onde era capitão e ídolo do time local. A morte precoce chocou a Alemanha, que não entendia como o goleiro titular da seleção, dono de uma carreira de sucesso no futebol, podia cometer suicídio. Seis anos depois, segue sendo difícil entender, mas uma fundação que leva o nome dele, criada após a tragédia, ao menos incentivou o país a tratar a depressão de forma mais séria.

O caso chamou a atenção do mundo inteiro. Enke tinha 32 anos e estava assumindo aos poucos a titularidade da seleção. Era favorito à titularidade na Copa de 2010 e tinha Neuer, hoje apontado de forma quase unânime como melhor goleiro do mundo, como seu reserva. Só que o goleiro do Hannover 96 não resistiu à depressão que o afligia desde garoto e se agravou quando ele perdeu a filha Lara, que não resistiu a uma cirurgia para correção de um problema cardíaco.

"Quando aconteceu, nós não sabíamos da condição dele. Depois que tivemos acesso a todas as informações, foi inevitável pensar no que poderíamos ter feito. Será que poderíamos ter salvado ele? É por isso que a Federação Alemã de Futebol, a Bundesliga [Liga que gere o Campeonato Alemão] e o Hannover criaram a Fundação Robert Enke", disse Martin Kind, presidente do Hannover 96, ao UOL Esporte.

Criada em 2010, a entidade é tocada por Teresa Enke, viúva de Robert, e tem como objetivo informar sobre a depressão, financiar pesquisas sobre o tema e tratar, sempre que possível, quem sofre com o mal. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), 90% dos casos de suicídio estão ligados a doenças mentais e 35,8% das vítimas sofrem com transtornos de humor como a depressão. O maior problema para o doente é justamente vencer o preconceito e falar sobre o tema.

"Nós não sabíamos como lidar com isso. Perdemos um grande amigo e no dia seguinte tínhamos de organizar as homenagens que os torcedores faziam a ele, uma entrevista coletiva, um funeral . Hoje nós continuamos sem todas as respostas, mas pelo menos podemos ajudar. Desde a criação da fundação, vários clubes nos procuraram para saber mais do assunto", disse Dirk Koster, diretor de mídia do Hannover 96.

O foco da atuação é, naturalmente, os jogadores. Tratados como super-homens, os atletas atuam sob forte pressão e nem sempre estão preparados para essa carga emocional. "Achávamos que com amor conseguiríamos superar. Já alcançamos algumas coisas hoje, principalmente uma plataforma para consultas. Esse é um passo enorme. Robert e eu estávamos sozinhos na época", disse Teresa Enke em 2014, quando a tragédia completou cinco anos e uma exposição sobre o goleiro foi realizada em Hannover.

A queda ainda que parcial do tabu teve alguns resultados claros. Em 2012, Rene Adler, goleiro do Hamburgo e da seleção e contemporâneo de Enke, revelou que também sofreu de depressão e teve medo de se suicidar. Markus Miller, também goleiro do Hannover 96, foi outro que se identificou com o drama e buscou tratamento - acabou deixando o futebol e hoje trabalha na Fundação Robert Enke.

O Hannover também diz ter mudado sua maneira de lidar com os jogadores. Recentemente, por exemplo, o japonês Hiroshi Kyiotake foi autorizado a voltar ao seu país para acompanhar o nascimento do filho, já que a esposa vinha tendo problemas na gestação. "É claro que ele faz falta para nós em campo, mas aprendemos que há mais que o futebol em jogo. Aprendemos a não pressionar tanto", diz Koster.