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Ex-lateral da seleção revela mágoa com Grêmio: "Fui desrespeitado"

Lucas Uebel/Divulgação/Grêmio FBPA
Imagem: Lucas Uebel/Divulgação/Grêmio FBPA

Vanderlei Lima*

Do UOL Esporte

26/12/2015 08h53

Fábio Aurélio surgiu no São Paulo, se afirmou na Europa e voltou ao Brasil em 2012. A pedido de Vanderlei Luxemburgo, assinou com o Grêmio e depois se aposentou. Fora de campo há dois anos, o antigo lateral esquerdo revela ter saído de Porto Alegre chateado. Primeiro por ter se lesionado na véspera da estreia e depois pela forma como foi afastado do elenco.

Segundo o jogador, o comunicado ocorreu minutos antes de um treino. E, nas palavras de Fábio Aurélio, foi reflexo da indicação de Vanderlei Luxemburgo.

“Cheguei no vestiário, fui me trocar e no meu lugar não tinha roupa. Pensei: ‘tem alguma coisa estranha’. Aí, um funcionário que trabalha há muito tempo no Grêmio me disse: ‘Fábio, eu sinto em dizer isso, mas o Renato (Gaúcho, técnico que assumiu após a demissão de Vanderlei Luxemburgo) está com um projeto no Grêmio e você não faz parte’. Aquilo foi uma bomba”, conta Fábio Aurélio.

“Depois daquilo eu falei com o Rui Costa, que era o diretor na época, lembrei que fiquei me recuperando durante oito meses, louco para jogar e na hora em que eu estava pronto tinha sido avisado daquilo. Ele falou: ‘Fábio eu te entendo, concordo com você, mas foi uma imposição do presidente, eu tenho que acatar’. O presidente era o Fábio Koff, ele não tinha uma boa relação com o Luxemburgo acabou de demitir o Luxemburgo e estava afastando os jogadores que o Luxemburgo trouxe’”, relata o jogador.

O Grêmio nega a existência do diálogo onde o afastamento é atribuído ao relacionamento entre Fábio Aurélio e Vanderlei Luxemburgo. E também rebate a visão do jogador em relação ao processo de saída do clube.

“A versão dada por ele não corresponde com a verdade. Lamento que o jogador tenha essa visão do episódio. O Grêmio, na figura do presidente Fábio Koff e também na minha, fez todos os esforços para que o atleta voltasse a jogar. A decisão foi da gestão, pela proximidade do final do contrato e porque o atleta simplesmente não tinha mais condições de jogar. O Grêmio sempre respeitou o Fábio Aurélio”, diz Rui Costa, diretor executivo à época e ainda na função.

Pelo Grêmio, Fábio Aurélio disputou cinco jogos. Apenas três como titular. Em 2013, o clube chegou a atrasar o envio da lista de inscritos para Copa Libertadores à espera da recuperação dele. O documento acabou sendo remetido sem o nome do lateral.

Confira a entrevista completa

UOL Esporte: Você foi para a Europa novo, foi o momento certo de ter saído do Brasil?

Fábio Aurélio: É difícil falar se foi certo ou errado, no meu caso foi certo porque felizmente fomos campeões paulistas em 2000, perdemos a final da Copa do Brasil para o Cruzeiro no último minuto e depois eu fui para as olimpíadas, tive o contato com o Napoli e o Valencia e eu acabei indo para o Valencia, em seis meses eu cheguei a ficar no banco na final da Champions, foram coisas surpreendentes que aconteceram em pouco tempo, no começo de 2001 a minha estreia foi contra o Real Madrid na época do Figo e foi um impacto muito grande, logo no primeiro jogo como titular enfrentar o Real Madrid, eu com 20 anos, primeiro jogo na Europa, é assim se você vai bem é meio caminho andado agora se for mal é complicado, mas felizmente sempre foi a favor na minha carreira, eu comecei bem no Valencia, na temporada seguinte foi a primeira completa e fomos campeões espanhóis depois de 31 anos de espera e até no jogo que nós fomos campeões eu estava substituindo o lateral que estava suspenso e eu fiz um dos gols, foi um jogo que nós ganhamos do Málaga por 2 a 0, então ficou marcado na história do clube.

As lesões o atrapalharam?

Eu tive muitos problemas no joelho, foi bastante difícil porque foi a temporada que nós fomos campeões, comecei na segunda temporada e o time não estava tão bem, mas eu fui artilheiro do time mesmo sendo lateral, eu fiz 10 gols junto com o centroavante e nos últimos três jogos eu fiz dois gois contra o Deportivo La Coruña, fiz gol no Barcelona, fiz gol no Real Madrid e o Parreira me convocou para a Seleção, só que eu vinha com um  incomodo no joelho eu jogava e depois do jogo eu ficava segunda e terça feira com incomodo, durante o resto da semana desaparecia, eu jogava de novo no final de semana e passava pelo mesmo processo a dor desaparecia, então eu fui carregando isso durante alguns jogos, eu joguei no sábado, saiu a convocação no domingo, eu fiz o jogo contra o Real Madrid eu estava convocado, era um sonho, eu tinha feito todas as categorias de base na seleção, só o profissional que eu não tinha ainda, aí eu falei, pô chegou o momento e durante a semana aquele incomodo no joelho, segunda incomodo, terça incomodo, quarta incomodo e faltavam 15 dias pra eu me apresentar para a seleção, eu falei nossa e agora, eu preciso melhorar o joelho pra eu me apresentar, resumindo, não melhorou, perdi a seleção, perdi as últimas três rodadas do campeonato espanhol, entrei de férias com programa de trabalho pra voltar em condições e fazer a pré temporada junto com o grupo, também não funcionou, então eu operei, fiquei seios meses afastado, mais seis meses brigando pra voltar, também não funcionou até que eu operei com o Dr. Renê Abdala no São Paulo, então praticamente eu fiquei 1 ano e meio sem jogar, então só depois da segunda cirurgia é que eu voltei a jogar, então eu acredito que se não fosse pelas lesões eu teria conquistado bastante coisas mais sim em termos pessoais, em termos de clube, mas também tem os dois lados, muitas pessoas não tiveram lesões, mas também não conquistaram o que eu consegui conquistar, então eu procuro levar por este lado, mesmo com todos os problemas eu consegui fazer uma carreira sólida, consegui deixar a minha marca pelos lugares que eu passei.

Rafa Benitez. Como é trabalhar com o treinador espanhol?

“Eu trabalhei com ele nos dois, Valencia e Liverpool, quando eu cheguei no Valencia era o argentino Hector Cuper e na temporada seguinte chegou o Rafa Benitz e na primeira temporada dele nós fomos campeões espanhóis, ficou três anos no clube e aí ele foi para o Liverpool, quando eu estava no final de contrato com o Valencia ele entrou em contato comigo dizendo que queria me levar para o Liverpool, ele é um cara bastante tranquilo, ele é bitolado porque vive futebol 24 horas, um cara muito tático, se preocupa com o adversário, com estratégia no esquema dele, procura montar o time de acordo com o adversário, sempre analisou os pontos fortes dos adversários, eu tive muitas boas experiências com ele no Valencia de conquistas e no Liverpool também, ele é um treinador que me deu muito apoio tanto no Valencia e por ter me dado a oportunidade de ter me levado para o Liverpool, ele foi um cara que confiou muito em mim e que achou oportuno me levar para o Liverpool pra que eu pudesse ajuda-lo lá e acabou me ajudando, eu tive a oportunidade também de conhecer uma cultura totalmente nova, uma língua bastante especial, bastante competitiva e uma experiência de vida que não tem preço.”

UOL Esporte: Depois de 12 anos, porque retornou ao Brasil?

Fábio Aurélio: Bom, o Luxemburgo eu tive contato com ele nas seleções de base nas Olimpíadas de 2000 eu fui jogador dele. Depois tivemos alguns contatos quando ele estava no Real Madrid, de treinador, e depois em 2010, quando ele estava no Flamengo e eu estava terminando o meu contrato no Liverpool. Ele tentou me levar para o Flamengo, me ligou e conversamos, mas eu acabei renovando com o Liverpool por mais dois anos e quando estava acabando o meu contrato de novo, eu não tinha ainda definido se ia continuar na Europa ou se eu ia voltar para o Brasil. Estava com 32 anos e talvez achasse que era o momento de voltar. Entrei de férias e no primeiro dia de férias, o Luxemburgo me ligou e disse que estava em Porto Alegre, no Grêmio, e que havia um projeto novo. Tinha meta para Libertadores, eu achei uma proposta muito atraente e objetiva do clube e eu conhecia o clube pelo Lucas (Leiva, revelado pelo Grêmio) que convivi bastante no Liverpool. Então foi aquela coisa: o sul é bem parecido com a Europa e eu pensei que era o momento importante de voltar, com um técnico que tinha confiança em mim, e aí eu acabei voltando para o Brasil. Fui jogar no Grêmio. O que atrapalhou bastante no Grêmio foi que na véspera da minha estreia eu rompi o ligamento cruzado do joelho. O jogo seria no domingo contra o Atlético-MG e no sábado, no rachão, numa disputa de bola com o Marcelo Moreno ele deu um carrinho e pra eu não entrar em contato, só saltei da perna dele, mas na hora que eu me apoiei a perna o meu joelho foi para trás. Tipo aquela cena do Fred que ele apoia e o joelho vai para trás, só que comigo rompeu o cruzado. Então foram quase oito meses que eu demorei para voltar, eu tinha assinado um ano e meio de contrato...Aí voltei disputei três, quatro jogos do campeonato gaúcho na metade de 2013 e teve a pausa para da Copa das Confederações, eu ainda estava fora de ritmo tentando recuperar a forma física eu continuei treinando no período da copa das confederações, o Luxemburgo conversou comigo e disse que eu ia ter oportunidade no Campeonato Brasileiro e eu fiquei confiante porque pensei, são seis meses para eu jogar e vai dar para me recuperar e jogar. Dá pra eu aparecer e retribuir também a confiança que o clube depositou em mim o suporte que o Grêmio me deu neste tempo machucado. Só que aí, aconteceu que num dia de manhã num jogo-treino o Luxemburgo caiu, fizemos o jogo treino no Olímpico, sabendo desta demissão que foi antes do treino, Nos apresentamos na segunda de manhã  o Roger deu o treino no Olímpico e anunciou que o Renato Gaúcho assumiria a tarde, aí fomos para o treino, o Renato Gaúcho chegou e disse que ali não tem posição, não tinha nome e quem estivesse melhor ia jogar. Então era o que eu queria ouvir, saiu o treinador que me trouxe e que já me conhecia, mas está chegando treinador novo que vai dar abertura para todos, oportunidades para todos, e o próximo treino era no dia seguinte ao jogo treino no Olímpico. Na terça-feira à tarde chego no Olímpico e no vestiário fui me trocar, no meu lugar não tinha roupa. Eu pensei: “tem alguma coisa estranha”. Aí eu fui avisado por um funcionário que trabalha há muito tempo no Grêmio, ele disse: “Fábio, eu sinto muito em dizer isso, mas o Renato está com um projeto e você não faz parte dos novos projetos do Grêmio”. Aquilo foi uma bomba, foi uma coisa assim que eu não esperava. “Você pode ir embora para casa e a partir de amanhã cedo você vai treinar um horário diferente do grupo, vai treinar separado”, me falaram. Parece que você é um criminoso e a minha carreira foi marcada pelo contrário, sempre tive comportamento exemplar, então pra mim foi um balde de água fria, tirou todo o ânimo para voltar, estar bem e defender o clube. E aí eu fui falar com o Rui Costa, que era diretor técnico na época, eu falei que estive oito meses brigando para estar em condições de jogar, e na hora que eu poderia retribuir de alguma maneira dentro de campo, só com seis meses de contrato pela frente, vocês vão me afastar? Eu vou treinar separado? Que coisa é essa? O que eu fiz de errado? O Rui Costa falou: “Fábio eu te entendo, concordo com você, mas foi uma imposição do presidente, e eu tenho que acatar”. O presidente era o Fábio Koff, ele não tinha uma boa relação com o Luxemburgo tinha acabado de demitir o Luxemburgo e estava afastando os jogadores que o Luxemburgo trouxe, então aquilo ali foi muito chocante para mim. Eu nunca tinha passado por isso na minha carreira, treinava de segunda a sexta separado. Só treinava na esteira, só exercícios físicos, trabalhos físicos sem bola. O clube não deixava usar bola, o Renato Gaúcho nunca teve uma palavra comigo, então eu fiquei seis meses nesta situação. Alguns companheiros até tentaram me reintegrar ao grupo, mas a diretoria não deixou, então eu vivi esta situação e foi traumatizante. Eu lembro que na época o Zé Roberto e o Kléber Gladiador tentaram pedir pra diretoria a minha reintegração, mas a diretoria não quis. Então, isso foi uma coisa que eu não esperava passar na fase final de carreira. Aí acabou a temporada eu também levava em conta as lesões que eu tive durante a minha carreira, os problemas de quando você está muito tempo fora, e até voltar ao ritmo normal, uma lesão ou outra pra adaptar ao esforço a intensidade de novo, eu falei: “vou começar 2014 procurando um clube, sabendo que eu corro este risco de me machucar?” Foi o momento que eu me decidi, vou embora para São Carlos, vou ficar com a minha família, ver o crescimento dos filhos e bater uma bola com os amigos. Isso aí não me dá dor de cabeça.

Então este retorno ao Brasil e no Grêmio foi a pior fase da sua carreira?

Eu diria que sim, foi bastante impactante negativamente por todos estes motivos, por onde eu passei eu sempre fui visto como exemplo de profissional. E de repente você passa a ser tratado ao contrário de tudo isso, sem motivo ainda... Se eu tivesse dado algum motivo e mesmo nestes seis meses que eu passei por esta situação, eu nunca perdi um treino. Nenhum horário, fui profissional do começo ao fim como eu sempre fui. Só que infelizmente a gente sabe que no Brasil o respeito com o profissional é diferente com o que eu convivi na Europa

UOL Esporte: Ficou alguma frustração de não ter mais voltado para o São Paulo, ninguém o procurou?

Fábio Aurélio: Ah, fica,né, claro que se eu pudesse escolher, eu teria escolhido para voltar ao São Paulo. Foi onde eu comecei, time que sempre eu torci, então seria um privilégio..., mas não foi oportuno, não houve possibilidade.

O que faz hoje? Está com o futebol? Pretende fazer o quê?

Eu tenho investimentos aqui em São Carlos e eu tenho cuidado disso, dos investimentos atuado mais nesta área empresarial do que dentro do futebol. Tenho intenção de um dia estar trabalhando no futebol, mas com as crianças. De repente começar com uma escolinha e passar experiência para os garotos que estão começando, não em nível profissional, eu não acho que eu tenho caráter necessário para ser treinador.

*Colaborou: Jeremias Wernek, do UOL Esporte em Porto Alegre