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Candidato à Fifa critica "jogos às 22h" e divisão de cotas de TV no Brasil

Luís Aguilar

Colaboração para o UOL, em Lisboa (POR)

24/01/2016 06h00

“Sei falar português do Brasil, mas estou destreinado”, começa por avisar Jérôme Champagne. O francês, de 57 anos, aprendeu o idioma durante o período em que viveu em Brasília, de 1995 a 1997, onde foi “número 3 da embaixada francesa”. “O Brasil é um país muito importante para mim. Foi aí que nasceu o meu filho”, lembra. Nessa altura, Pelé era o ministro do Esporte. “Tive o privilégio de conhecê-lo e ficamos amigos. Ele apoia a minha candidatura.”

Champagne é um dos cinco candidatos à presidência da Fifa nas eleições marcadas para 26 de fevereiro. Terá pela frente o príncipe jordano Ali bin Al-Hussein, presidente da federação do seu país, Gianni Infantino, secretário-geral da Uefa, Salman Al-Khalifa, líder da Confederação de Futebol da Ásia (AFC) e o sul-africano Tokyo Sexwale. Dedicou grande parte da sua vida à carreira de diplomata e trabalhou na Fifa, entre 1999 e 2010, muito perto de Joseph Blatter.

“Saí por causa de uma coligação de pessoas que me queriam eliminar e entre as quais estava Michel Platini”, lembra. Tentou se candidatar às últimas eleições, em maio de 2015, mas não conseguiu reunir os apoios necessários. Desta vez, porém, está na corrida e promete várias reformas caso seja eleito. Quer limitar o número de mandatos do presidente e membros do comitê executivo da Fifa, não coloca de lado a hipótese de o Qatar vir a perder o Mundial – caso se prove a compra de votos – e deseja publicar a integridade do relatório Garcia sobre as suspeitas de conduta ilegal na atribuição das Copas de 2018 e 2022. Também quer introduzir algumas mudanças no jogo, como o cartão laranja, auxílio de vídeo para arbitragem e uma quarta substituição.

Conhece bem o futebol brasileiro e acredita que as suspeitas de corrupção que envolvem figuras como José Maria Marin, Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero são apenas uma parte do problema. “A situação é terrível porque a liderança está sofrendo, com muitas investigações nacionais e internacionais que envolvem antigos dirigentes, mas o futebol também está sofrendo.”

Um dos problemas, no seu entender, está relacionado com a “falta de venda centralizada dos direitos televisivos”. “Vemos uma grande disparidade entre o dinheiro recebido pelo campeão, Corinthians, perto de R$ 120 milhões, e o último classificado, Joinville, com cerca de R$ 15 milhões. Esta diferença contribui para um campeonato pouco competitivo.”

Dá como bom exemplo a liga inglesa. “É o campeonato mais rentável do mundo porque nunca sabemos quem vai ganhar cada jogo. Isso também acontece porque, neste momento, tem a menor diferença de distribuição de dinheiro televisivo entre primeiro e último classificado. Por essa razão temos o Leicester nas posições de frente e surpresas em todas as rodadas.”

A organização das competições brasileiras é outra das deficiências que aponta, como os jogos às 22h nas noites de quarta-feiras (imposição da Rede Globo). “A média de torcedores tem caído porque alguns jogos realizam-se em horários que não permitem às famílias ir ao futebol. O calendário também é difícil de organizar por causa de quatro meses dedicados às competições estaduais. Ao mesmo tempo, sabemos que a globalização faz com que as ligas do Brasil percam quase mil jogadores anualmente. É um problema de fundo”, analisa.

Muitas destas dificuldades, segundo Champagne, acontecem porque o Brasil, e os países sul-americanos, têm perdido poder de decisão em relação à Europa. “Em 1974, João Havelange foi eleito presidente da Fifa e derrotou o eurocentrismo. O Brasil tem de recuperar o peso na liderança do futebol mundial para voltar a ter um importante papel no lado desportivo e financeiro. Onde estariam os clubes europeus sem os talentos da América do Sul? O Barcelona, por exemplo, do qual sou torcedor e sócio, joga com cinco sul-americanos: Messi, Neymar, Suárez, Dani Alves e Mascherano. É verdade que hoje temos mais dinheiro no futebol sul-americano e africano do que há 20 anos, mas a diferença para a Europa continua a ser enorme. E esses dois continentes são fornecedores de muita matéria-prima aproveitada pelos clubes europeus.”

Champagne quer reduzir esta desigualdade a começar pela própria Fifa. “A Uefa tem 54 federações, das 209, e oito membros dos 24 que compõe o comitê executivo da Fifa (o 25º é o presidente). Isto significa quase um terço dos votos. No futuro vão haver alterações e os não-europeus passarão a controlar 75% dos votos. A Europa vai reduzir de 33% para 25%. A Fifa tem de adaptar-se à evolução dos tempos. Não pode ter o controlo europeu, mas sim o controlo espalhado pelo mundo. “

"Investigação dos EUA não é sobre a Fifa"

O francês também quer mudar a forma como são escolhidos os elementos do comitê executivo. Atualmente, esses membros são apontados pelas federações, mas Champagne considera que devem ser apontados pelas 209 federações e pelo presidente.

“Numa democracia o povo elege uma pessoa para ser presidente ou primeiro-ministro. Essa pessoa tem o poder de escolher o gabinete e o seu governo. A Fifa é diferente. O presidente não pode escolher. No modelo atual, 23 dos 25 elementos do comitê executivo são eleitos pelas confederações e estas não sofrem qualquer controle por parte da Fifa.”

Champagne lembra que esta situação vai mudar na reforma a ser apresentada pela Fifa a 26 de fevereiro. “Os delegados do comitê executivo vão ser eleitos pelas confederações, mas debaixo do controle da Fifa.” O francês acredita que esta alteração pode ajudar a reduzir casos de corrupção em algumas confederações.

“A investigação dos EUA centra-se em duas confederações, a Conmebol e a Concacaf. Não são competições da Fifa, nem contratos da Fifa, mas tenho de reconhecer que esse escândalo tem um impacto enorme na credibilidade da instituição. Por isso, é muito importante que a Fifa passe a ter mais meios de controle sobre a eleição dessas pessoas para o seu comitê executivo”, defende.

"Romário e Maradona têm o direito de criticar"

Olhando para a corrupção no futebol brasileiro e mundial, Champagne destaca a importância do senador Romário na tentativa de lutar pela credibilidade do esporte. “Morei no Brasil vários anos. É uma grande democracia, mas, tal como outras democracias, tem problemas. O Romário faz o seu trabalho como membro do Congresso Nacional do Brasil. Tem uma trajetória futebolística estupenda e uma trajetória política também muito importante. Joga um papel de grande importância na defesa da democracia brasileira.”

Maradona também tem sido uma das vozes mais críticas contra a corrupção na Fifa. Diz que será vice-presidente do organismo caso Al-Hussein vença as eleições. El Pibe quer “lutar contra a máfia que está dentro do organismo”. 

Champagne considera que o astro argentino tem o direito à sua opinião e revela que a Fifa tentou colaborar com ele durante a presidência de Blatter. “Foi por volta de 2001, quando eu trabalhava na Fifa. Estávamos tentando encontrar uma forma de colaboração com Maradona. Ele ama muito Cuba, onde eu também morei. Dentro da minha posição da Fifa, tentei ver como Maradona poderia ajudar o organismo a desenvolver o futebol em Cuba. Infelizmente, não foi possível. Mas ele, tal como Romário, tem o direito de falar e dizer o que pensa.”

"Fui o primeiro a defender publicação do relatório Garcia"

As reformas propostas por Jérôme Champagne são vastas e focam alguns dos casos de maior discórdia dentro da Fifa. Um desses pontos passa pelo relatório Garcia, elaborado pelo norte-americano Michael Garcia, sobre a alegada corrupção na atribuição das Copas de 2018 e 2022. O relatório original tem mais de 400 páginas, mas o comitê de ética da Fifa decidiu publicar uma versão editada, com menos de 40 páginas, algo que levou ao pedido de demissão de Garcia, por este entender que muitos dos dados foram manipulados e omitidos.

Recentemente, Al-Hussein defendeu a publicação integral de imediato. “Não, ele é que tem a mesma posição do que eu porque falei nisso, a primeira vez, em dezembro de 2014. Fico contente que agora o príncipe Ali tenha tomado a minha proposta. Mantenho a mesma posição. O relatório Garcia deve ser publicado desde que se proteja a identidade das fontes que foram ouvidas.”

Antes das últimas eleições, Champagne também afirmou ter “a mente aberta” para a possibilidade de o Qatar poder vir a perder a organização do Mundial de 2022 caso se prove que houve compra de votos. “Tenho uma longa carreira na diplomacia e o meu primeiro posto foi no Golfo árabe em 1983 e 1984. Conheci a cultura e acho que é muito bom que o Mundial possa ser feito num país árabe, uma vez que vemos o mundo tão dividido e dessa forma reconhecemos o grande papel que os países árabes têm na história do futebol. Mas Marrocos, outro país árabe, tentou organizar o Mundial quatro vezes e nunca ganhou. Para já temos duas investigações a decorrer, a suíça e a norte-americana, e precisamos esperar pelos resultados.”

Cartão laranja, auxílio de vídeo para arbitragem e quarta substituição

A visão de Champagne para o futebol passa por algumas modificações no jogo com o intuito de ajudar o árbitro. Uma dessas ideias é a introdução do cartão laranja como forma de suspensão temporária de um jogador. “Dá mais margem de disciplina dentro do campo”, defende. Outra ideia tem a ver com a introdução do sistema de vídeo-árbitro, tal como acontece no tênis e no rúgbi: “Os novos estádios do mundo estão equipados com internet. Estamos vendo um jogo e em cinco ou dez segundos temos a repetição na tela. O único que está dentro do estádio sem acesso a estas imagens é o árbitro e isso não faz sentido.” O sistema, no entanto, tem de ser testado e só deve ser usado em casos específicos: “Pode ser introduzido, para tirar dúvidas, somente nos casos em que a bola está parada, como um golo mal anulado ou um fora de jogo mal assinalado.”

A integração da tecnologia no futebol, considera Champagne, é fundamental “em um jogo cada vez mais rápido, em que jogadores de 23 anos são muito velozes e os árbitros, algumas vezes com 40 anos, têm de andar a correr atrás deles”. E os custos desta tecnologia? “Numa fase inicial só poderia ser utilizada nas fases finais das grandes competições, mas depois se tornava  mais barata. Há 10 anos comprar uma tela de plasma também era muito caro e depois o preço caiu. Estou convencido de que a produção em massa pode tornar essas tecnologias acessíveis para a maioria das ligas.”

O francês também quer limitar o contato com as equipes de arbitragem, introduzindo no futebol uma regra que já existe no rúgbi.: “Só os capitães de equipe passam a ter o direito de se dirigir ao árbitro. Hoje vemos jogos em que jovens milionários gritam na cara dos árbitros e esse comportamento é péssimo para a imagem do futebol.” Outra das suas ideias passa pela autorização de uma quarta substituição “para dar mais frescura e dinamismo ao jogo”. 

As cartas estão em cima da mesa. Champagne ficou fora das últimas eleições. Nessa altura disse que era natural ser visto como um candidato a correr por fora. Um outsider. Agora acredita ter mais hipóteses de ser o próximo presidente da Fifa e pôr em prática as suas reformas: “A última eleição era entre um candidato muito forte, o presidente Blatter, e três candidatos armados pela Uefa. O presidente da Fifa ganhou facilmente. Nessa época, não havia muito espaço para um candidato que representasse uma terceira via. Mas hoje as cartas do jogo foram totalmente redistribuídas. A evolução dos acontecimentos faz com que esta eleição seja mais aberta, fluída e equilibrada.”