SP mandou namorada de Aidar, e não cartolas, em negociação de Rodrigo Caio
Algo que foi negado durante meses dentro do São Paulo agora está confirmado: Cinira Maturana da Silva, namorada do ex-presidente renunciante Carlos Miguel Aidar, esteve na Espanha e acompanhou as negociações fracassadas do zagueiro Rodrigo Caio com Valencia e Atlético de Madri, em 2015. Na ocasião, o clube não enviou nenhum representante da diretoria; não foi o vice Ataíde Gil Guerreiro, o diretor Rubens Moreno ou mesmo o então CEO Alexandre Bourgeois. Além do advogado Alexandre Pássaro, Cinira foi a única pessoa ligada à direção são paulina na comitiva.
O UOL Esporte obteve um e-mail de autoria de Maturana, além de depoimentos que mostram que a companheira do ex-presidente acompanhou de perto o andamento das negociações. Segundo Gil Guerreiro, em depoimento ao comitê de ética do clube, Cinira ainda teria tido a hospedagem em Madri paga pelo São Paulo. A viagem foi mais um episódio em uma série de polêmicas envolvendo a namorada de Aidar, que incluíram um contrato de comissão de 20% sobre negócios levados ao clube e participações em negociações de patrocínio. Os fatos serão subsídios para reunião do conselho deliberativo na noite desta segunda, que decidirá se expulsa ou não Carlos Miguel Aidar de seus quadros.
Procurada pela reportagem, Cinira Maturana não quis se manifestar.
Cinira foi a Barcelona, depois a Madri
Em 29 de junho de 2015, Rodrigo Caio esteve em Barcelona para se consultar com o médico Ramon Cugat depois de discordâncias em relação ao primeiro exame médico feito pelo Valencia. Além do empecilho médico, o atleta já tinha dúvidas sobre o negócio porque enxergava diferenças contratuais entre o proposto e o apresentado pelo clube espanhol. Cinira Maturana, então, que passava férias em Mallorca, na Espanha, viajou para Barcelona a pedido de Aidar para encontrar a comitiva da negociação.
Fizeram parte da comitiva, além de Rodrigo Caio: os ex-jogadores Deco e Luizão, representantes do português Jorge Mendes e então empresários do atleta; o advogado e o irmão do jogador, Régis Villas Bôas e Rafael Coquette, respectivamente; e o advogado do São Paulo, Alexandre Pássaro, além de Cinira Maturana. Durante a tarde do mesmo dia 29 de junho, Rodrigo Caio já havia desistido da negociação com o Valencia e cancelou a transferência que poderia chegar a 15 milhões de euros.
Surgiu, então, o interesse do Atlético de Madri, e os empresários do jogador fretaram um voo de Barcelona a Madri para toda a comitiva, incluindo Cinira Maturana, que embarcou no mesmo avião. O relato do acompanhamento da negociação segue no e-mail a seguir, de autoria de Cinira e endereçado ao então presidente Carlos Miguel Aidar:
“De: Cinira Maturana [mailto:xxxxxxxxx@gmail.com] Enviada em: segunda-feira, 29 de junho de 2015 19:55
Para: Carlos Miguel C. Aidar
Assunto: Relatório Rodrigo Caio
Carlos Miguel,
Estamos chegamos em Madri.
Rodrigo Caio, o irmão Rafael, Régis (advogado), Alexandre Pássaro, Deco e Luizão.
O dia foi tenso, Alexandre está de parabéns, fez um trabalho hercúleo de administrar o Régis que é uma pessoa difícil de tratar porque se acha entendedor de direito esportivo e direito internacional, mas fala muita bobagem e influencia negativamente o Rodrigo que está refém dele por acreditar que ele (Régis) está cuidando dos seus interesses no papel de um pai e o Régis se achando uma estrela. Se se faz uma pergunta ao Rodrigo, ele (Régis) responde sem esperar o atleta se manifestar.
Não é do ramo.
Deco, uma pessoa sensata, equilibrado, sem estrelismo e com boa visão da situação do atleta física, quer ajudar e não me pareceu agir de má fé.
Luizão é muito paciente com o Régis e aparentemente com a família do atleta, também quer ajudar.
Rafael, irmão, não tem voz e não acrescenta, mas também não atrapalha.
Resumo da ópera:
O problema se resume ao Régis. Esse sim, deve ser administrado”
“Ela não estava acompanhando a negociação. Ela estava em viagem na Espanha. Como o Rodrigo Caio não quis assinar o contrato com o Valencia, estava melando o negócio e o São Paulo precisando de dinheiro, ela foi tentar convencer o Rodrigo Caio a pedido do próprio São Paulo. Ela não interferiu em nada, a negociação já estava fechada com os clubes”, falou Luizão. “Ela foi [no voo fretado] porque o Atlético queria entrar na negociação por empréstimo, mas ela não participou de nenhuma negociação. Quem fazia negociação éramos eu, Deco e Jorge [Mendes]”, completou.
Entre julho de 2015 até a publicação desta matéria, outras sete pessoas entre dirigentes e funcionários do São Paulo, que preferem não se identificar, relataram à reportagem que Cinira Maturana acompanhou a negociação na Espanha.
Ataíde: Cinira teve hospedagem em Madri paga pelo SP
A comitiva chegou a Madri no mesmo dia 29 de junho e, no dia 30, aconteceu a primeira negociação entre São Paulo e Atlético de Madri. O clube espanhol fez uma proposta de empréstimo pelo zagueiro com opção de compra ao final do contrato que poderia render 12 milhões de euros. Cinira Maturana não participou de reuniões com os espanhóis.
No início de 2016, passada à renúncia de Carlos Miguel Aidar após a perda da base aliada por denúncias de supostos desvios de dinheiro no clube, Ataíde Gil Guerreiro afirmou em depoimento no processo que corre no comitê de ética do clube que Cinira Maturana não só acompanhou a comitiva da negociação de Rodrigo Caio na Espanha como também teve a hospedagem em Madri paga pelo São Paulo.
Segundo apurou a reportagem, o ex-vice de futebol afirmou ao comitê de ética que o advogado do clube, Alexandre Pássaro, apresentou a prestação de contas referente à viagem citando o pagamento para uma noite de hospedagem em dois quartos no Hotel Monte Real, entre 29 e 30 de junho. Gil Guerreiro disse em depoimento que os quartos foram ocupados por Pássaro e Cinira Maturana.
O UOL Esporte obteve o e-mail de confirmação das reservas no Hotel Monte Real, em Madri, feitas por um funcionário do São Paulo no início da tarde do dia 29, quando o interesse do Atlético surgiu e a comitiva da negociação decidiu fretar um voo de Barcelona para Madri. As reservas mostram o pedido por dois quartos, sendo que o São Paulo tinha apenas Alexandre Pássaro como funcionário do clube na comitiva:
Procurado, Ataíde Gil Guerreiro afirmou que não poderia comentar o caso antes da decisão do comitê de ética e do conselho deliberativo do São Paulo, nesta segunda-feira.
Aidar argumenta que Cinira não participou de negociação
Procurado pela reportagem para responder sobre a presença de Cinira Maturana na Espanha e qual o papel dela na negociação, o ex-presidente Carlos Miguel Aidar afirmou que o e-mail em que a namorada envia um relatório sobre o andamento da negociação “não é notícia” e que não comentaria o caso.
“Está no processo, já tem explicação e está tudo lá. Não é notícia, está tudo lá no processo. O que eu tinha que falar já está no comitê de ética. O que eu tinha que falar já disse lá”, disse Aidar.
O comitê de ética do São Paulo apura as denúncias de desvios de dinheiro e corrupção da gestão Aidar e também ouviu o ex-presidente em depoimento no início de 2016. Segundo o presidente do órgão, José Roberto Ópice Blum, Carlos Miguel Aidar reuniu testemunhas que afirmam que Cinira não acompanhou a negociação, ao contrário do que indica o e-mail da própria namorada.
“Ele juntou algumas declarações de pessoas dizendo que ela não estava lá”, disse Ópice Blum, ao UOL Esporte. “Esse e-mail me foi entregue quando do depoimento do Ataíde. O Carlos Miguel juntou declarações de pessoas dizendo que ela [Cinira Maturana] não estava na reunião. Não que ela não estivesse na cidade de Madri. Não estava na reunião. Isso está escrito no processo”, completou.
Aidar e Ataíde podem ser expulsos do SP nessa segunda-feira
O conselho deliberativo do São Paulo poderá decidir hoje a expulsão de Carlos Miguel Aidar e Ataíde Gil Guerreiro do quadro de conselheiros do clube. O comitê de ética, presidido por Ópice Blum, apresentará em reunião extraordinária no Morumbi os pareceres sobre a apuração das denúncias de desvios da gestão Aidar e também sobre a agressão de Gil Guerreiro ao então presidente, em 5 de outubro de 2015, no Hotel Radisson, na zona oeste da capital paulista.
No parecer, o comitê de ética poderá pedir advertência, suspensão de até 90 dias e até a expulsão de ambos. O mais provável, segundo apuração da reportagem, é que órgão sugira as expulsões. Caberá ao plenário do conselho deliberativo, então, votar se acata ou não a decisão proposta.
Cinira Maturana é alvo de denúncias
Além do próprio caso de Rodrigo Caio, Cinira teve o nome envolvido em relações polêmicas desde o início da gestão de Carlos Miguel Aidar. Ela mantinha um contrato com o clube pelo qual teria direito a 20% de comissionamento sobre qualquer negócio levado à diretoria são paulina. O acordo foi revelado em dezembro de 2014, e rescindido em janeiro do ano seguinte, após forte pressão interna e instabilidade política.
Com base no contrato, Cinira teria iniciado buscas por patrocinadores e fornecedores de material esportivo. Também no final de 2014, o São Paulo se envolveu em uma briga com a Puma: Aidar sustentou que sua namorada teria sido uma das responsáveis por intermediar as conversas com a empresa alemã, que negou o fato em nota oficial, afirmando que Cinira teria sido indicada por Aidar só após a conclusão das negociações. O caso virou ação judicial, que acabou arquivada por desistência.
O nome de Cinira voltou a aparecer ligado a negociações de patrocínio na gravação feita por Ataíde Gil Guerreiro que levou à renuncia de Aidar. No áudio, Ataíde menciona um contrato de comissão de R$ 6 milhões à namorada do presidente, pelo acordo com a fornecedora de material esportivo Under Armour. Aidar nega, mas admite que Cinira tentou intermediar e participar das negociações.
Acusações de desvio de dinheiro do São Paulo por parte de Cinira e Aidar também são alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo. A Folha de S.Paulo publicou no final de março trechos do depoimento do ex-CEO do clube do Morumbi, Alexandre Bourgeois, ao MP-SP.
Ao órgão, Bourgeois relatou que o presidente do São Paulo e sua então namorada exigiam o pagamento de comissão nas transferências de jogadores – um dos exemplos citado por ele próprio foi o de Rodrigo Caio. O executivo também afirmou que Cinira participou contratação de Iago Maidana, uma das transações mais polêmicas do futebol brasileiro no ano passado.
Mesmo afastada das atividades do São Paulo desde a renúncia de Aidar, em outubro, Cinira continua tendo seu nome envolvido em polêmicas ligadas ao futebol – na última delas, revelada pelo Blog do Perrone, uma escolinha de futebol afirma ter negociado com ela para utilizar o nome do clube, para depois descobrir que não constava da relação de escolas oficiais.
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