No Brasil, Bia é "anônima"; na Coreia do Sul, ela não pode andar nas ruas
Atleta prodígio da seleção brasileira de futebol e uma das artilheiras da equipe na Olimpíada do Rio ao lado de Marta e Cristiane, Beatriz Zaneratto, 22, já se acostumou a ser abordada por torcedores para tirar fotos e dar autógrafos. Não no Brasil, onde pouca gente a reconhece nas ruas, mas do outro lado do mundo, na Coreia do Sul.
Bia, como é conhecida, tornou-se a maior estrela do Steel Red Angels, clube patrocinado pela Hyundai, que alcançou um novo patamar desde a chegada da atacante há cerca de quatro anos. Até então, o time da cidade de Incheon, próxima à capital Seul, não sabia o que era conquistar um título. Agora, em compensação, vai buscar o tetracampeonato nacional nos próximos dias 20 e 24 deste mês.
"Aqui eles valorizam o futebol feminino. Contamos com o apoio da torcida, os clubes têm uma estrutura impressionante e existem pessoas preparadas", disse a jogadora ao UOL Esporte. Frente à falta de perspectiva da modalidade no Brasil, ela criou coragem para colocar as chuteiras na mala e percorrer milhares de quilômetros em busca de seu sonho. "Eu precisava arriscar".
E nem dá para dizer que Bia não tentou a sorte por aqui antes de se aventurar no continente asiático. Tentou, e muito. As dificuldades começaram cedo, quando ainda era uma adolescente e precisava disputar torneios ao lado dos meninos, porque não havia times femininos. Mesmo assim, insistiu. O talento inegável com a bola nos pés lhe rendeu uma convocação para a seleção sub-17 aos 13 anos. E aí, enfrentou a primeira resistência da família.
"Meu pai falou que só me liberaria para viajar se pudesse ir junto", relembra, aos risos. Seu João, porém, teve de se habituar à distância e à nova realidade da filha. Para continuar jogando futebol, ela rodou o Brasil. Passou pelas "Sereias da Vila" do Santos, pelo Bangu (RJ) e pelo Vitória de Tabocas, no interior de Pernambuco - seu último clube nacional antes de se transferir ao Steel Red Angels.
A decisão de atravessar o globo terrestre não foi fácil para ninguém. Do lado de cá, os familiares não tinham ideia de como Bia estaria se virando em um país tão distante e com uma cultura tão diferente. E moradia? Alimentação? Do outro lado, a brasileira sofria com a comida - "eles colocam o frango inteiro no prato. Só de ver aquele bicho, me dá calafrios" -, com as temperaturas rigorosas no inverno e com a saudade de casa.
O tempo e a internet amenizaram os problemas. A brasileira conversa com a família todos os dias. Vê filmes legendados e jogos da Liga dos Campeões, navega nas redes sociais. Ainda não comprou uma linha telefônica local, pois a língua coreana continua um enigma. "Vou falar com quem aqui? Não dá para entender o que eles dizem, parece que estão sempre brigando". Aliás, esse é um dos motivos pelo qual seu João pega no pé da filha.
"Não é possível estar há quatro anos em um país e não aprender nada do idioma. Mas já fiz uma imposição com o empresário dela e, a partir do ano que vem, a Bia vai ter ao menos que aprender inglês", avisou o funcionário público de 50 anos. Apesar da distância, o pai da atacante acompanha todos os seus passos. E por isso, até hoje, Bia só pode andar de ônibus ou táxi pelas ruas de Incheon.
Pouco depois de chegar à Coreia do Sul, o clube lhe ofereceu um automóvel zero, mas ela recusou. "Eu adoro dirigir, mas meu pai disse 'negativo', e cortou o carro na hora", lamentou a atleta. O argumento de seu João está na ponta da língua. "Ser pai do outro lado do mundo exige algumas decisões extremas. É complicado guiar onde você não conhece a língua e muito menos as leis de trânsito. A Bia dirige muito bem, mas prefiro ela dirigindo aqui no Brasil".
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