Sem time, clube que revelou Ronaldo celebra os 90 anos de seu único Carioca
Berço futebolístico de Ronaldo Fenômeno, o São Cristóvão comemora nesta segunda-feira (21) o 90º aniversário de sua maior façanha: a conquista do Campeonato Carioca de 1926, o único de sua história, conquistado com uma goleada de 5 a 1 sobre o Flamengo. O clube, porém, não tem muitos motivos para festejar: devido a graves dificuldades financeiras, nem sequer possui hoje um elenco profissional de jogadores.
O plano do presidente do São Cristóvão, Emmanoel França, era promover um amistoso de veteranos para lembrar a data histórica, mas a falta de recursos o levou a desistir da ideia. "Se fizer alguma coisa, vai ser algo bem simplório", afirma.
O clube, conhecido entre os paulistanos por ter inspirado o nome de um concorrido bar na Vila Madalena, é um dos mais tradicionais do Rio, embora há muitas décadas pertença ao grupo dos pequenos. Hoje parece estranho imaginá-lo campeão, mas o São Cri-Cri, como é apelidado (assim como Clube Cadete, porque era frequentado por militares de um quartel vizinho), já foi um dos principais times da cidade.
Sua pequena torcida reivindica até mesmo um segundo título carioca, em 1937, ano em que o futebol local estava dividido em duas ligas. O São Cristóvão era líder disparado de uma delas e não poderia ser alcançado, mas, antes que a competição terminasse, as ligas se juntaram, e o campeão da entidade unificada acabou sendo o Fluminense (com uma única derrota, precisamente para o São Cristóvão). Agora, Emmanoel França pretende pleitear na Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) o reconhecimento oficial daquele título.
O cenário atual, porém, é bem diferente. Desde 1981, quando foi instituída a Série B do Rio, o São Cristóvão disputou a Série A somente quatro vezes, a última delas em 1995. Em 2016, terminou a segunda divisão em nono lugar – curiosamente, tanto os gols marcados pelo time quanto os sofridos foram 26 (número que remete ao ano da conquista nonagenária).
Em junho, com o fim da participação do clube no campeonato, todo o elenco foi dispensado, por falta de recursos. Só neste fim de ano começará a ser remontado, com vistas a 2017. O último elenco custava cerca de R$ 50 mil por mês.
"Hoje em dia você gasta quase R$ 500 mil para jogar a Série B durante quatro ou cinco meses, e todos os meus patrocínios somados não chegam a R$ 20 mil por mês", lamenta o presidente.
Plano em 2017 é usar o time sub-20
Para o ano que vem, França tentará buscar uma empresa parceira para bancar as despesas. Se não conseguir, o plano é utilizar o elenco sub-20, reforçando-o com um zagueiro, um meia e um centroavante "mais cascudos", diz. E a base do São Cristóvão até que promete: na Série B deste ano, o time foi campeão sub-15 e vice-campeão sub-17.
O principal jogador revelado pelo São Cristóvão até hoje foi mesmo Ronaldo, que desde 2013 dá nome ao pequeno estádio da rua Figueira de Melo. (Leônidas da Silva, o Diamante Negro, chegou a jogar nas divisões de base do clube, em 1929, mas só se destacaria depois, no Bonsucesso). Hoje, quem passa de carro pela Linha Vermelha junto ao campo lê a inscrição, em letras garrafais: "Aqui nasceu o Fenômeno".
O gramado, porém, está em péssimas condições, e o local nem sequer pode ser usado em partidas profissionais, devido à falta do laudo do Corpo dos Bombeiros – este ano, o clube mandou seus jogos no campo do Olaria. "Para fazer bonito e deixar nosso estádio em condições, teria que gastar uns R$ 200 mil", calcula França.
Ronaldo pulava o muro para treinar
Ronaldo chegou ao São Cristóvão em 1990, vindo do Social Ramos Clube, onde praticava futebol de salão. "Mas foi no nosso campo que ele começou a mostrar bola. Os times que vinham jogar aqui sofriam com ele", conta Renato Campos, administrador-geral do clube, que na época executava serviços gerais por lá. "Era magrinho, quieto, na dele, sem estrelismo. Bebia a água da bica como todo mundo. E depois do treino tinha que pular o muro da estação para pegar o trem para casa", narra.
Campos lembra um lance de Ronaldo em particular, em uma partida contra o Flamengo: após receber um passe do seu goleiro, ainda antes do meio-campo, ele arrancou em direção ao arco adversário, até fazer o gol. "Foi fazendo fila, driblou uns seis", relembra o dirigente. O atacante ficou em Figueira de Melo até 1993, quando o ex-jogador Jairzinho o levou para o Cruzeiro.
O Fenômeno, porém, não foi o único atleta importante do São Cristóvão. Seis décadas antes, o clube forneceu três jogadores para a seleção na Copa de 1930 e dois (além do técnico Adhemar Pimenta) para a de 1938 – um deles, o atacante Roberto, fez o gol da vitória por 2 a 1 sobre a Tchecoslováquia. Também passaram pelo clube o meia Humberto Tozzi (atleta do Palmeiras nos anos 50) e o zagueiro Válber (ex-Fluminense, São Paulo, Vasco e Botafogo nos 90).
A decadência do São Cristóvão a partir de meados do século passado não o impediu de alcançar pequenas glórias efêmeras, como uma heroica vitória de virada por 3 a 2 (após estar perdendo por 2 a 0) sobre o Flamengo no Campeonato Carioca de 1975, no Maracanã. Ou um 2 a 0 sobre o Fluminense, em 1978, com gols de Porto e Serginho – por uma incrível coincidência, naquele dia completavam-se dez anos da morte do escritor e torcedor tricolor Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta.
Em 1983, na tentativa de se reerguer, o clube tomou uma iniciativa inédita no futebol brasileiro: formou uma cooperativa de jogadores, com nomes como Rui Rei, Nilson Dias, Rodrigues Neto e os pontas Gil e Edu (ex-Santos). Os atletas não recebiam salários, mas uma participação de 80% na receita de cada partida. O problema é que os veteranos não aguentaram o ritmo e a equipe terminou o campeonato estadual em último lugar, sem nenhuma vitória.
Última glória foi em 1998
O último brilhareco do São Cristóvão ocorreu em 1998, quando se sagrou vice-campeão da Copa Rio, torneio estadual de pouca expressão. Na Copa João Havelange, em 2000, disputou o Módulo Branco, mas caiu logo na primeira fase.
Desde então, salvo por causa de Ronaldo, o time, cujo hino foi composto por Lamartine Babo e que teve entre seus torcedores ilustres o ex-árbitro e radialista Mário Vianna (1902-89), praticamente desapareceu do noticiário. A ponto de o são-cristovense Raymundo Quadros, pesquisador da história do clube e com livros publicados a respeito (incluindo um sobre o título de 1926), temer pelo fim do São Cristóvão como equipe de futebol. "A tendência é acabar daqui a uns dez anos, porque não tem condição de se manter. Futebol é caríssimo. E ninguém hoje em dia é idiota de enfiar dinheiro em um clube pequeno".
Seja como for, o São Cristóvão ainda pode se orgulhar de uma regalia exclusiva no futebol do Rio: é o único time que pode usar sempre seu uniforme principal, todo branco – nem os "irmãos de cor" Santos e Real Madrid gozam de tal privilégio em suas respectivas federações.
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