Da fome no Vasco à noite mágica no Paris 6: Marlone promove reviravoltas
Sentar-se à mesa com a família reunida para um jantar é desses momentos simples da vida que fazem a diferença para Marlone. Se esse encontro ocorrer depois de um dia de trabalho especial, como a última segunda-feira, a sensação certamente será uma das melhores possíveis. Aos 24 anos, o meia-atacante do Corinthians experimenta, enfim, algumas dessas emoções.
Em Itaquera, com os familiares na arquibancada, marcou o gol da vitória sobre o Internacional. Depois, levou todos para um jantar no início da madrugada no restaurante Paris 6, escolhido para celebrar uma dessas ocasiões que marcam a vida da pessoa. "Foi uma noite que vou guardar para sempre. Todos estavam lá. Saímos para jantar juntos, uma alegria só", conta Marlone, que ao UOL Esporte mostra seu lado emotivo e vencedor.
Um dos maiores dramas na caminhada até o grande clube foi no Vasco, quando Marlone relata ter apanhado comida nas arquibancadas de São Januário para matar a fome entre o almoço e o jantar. Ele só recebia R$ 50 por mês, mas tinha desde muito cedo a esperança como uma marca. A mãe do jogador engravidou aos 13 anos e, como eram gêmeos, os irmãos e ela correram risco de morte. A consequência do fato inesperado fez com que Marlone e ele fossem separados durante a infância e parte da adolescência.
Preocupado com quem possa imaginar 'coitadismo', Marlone assegura: esses fatos só o fizeram mais forte, consciente e ajudam a encarar problemas menores do dia a dia, como o banco de reservas em vários momentos do ano. Em viés de alta no Corinthians, ele abre o coração em entrevista exclusiva.
Confira as principais respostas de Marlone:
OS ALTOS E BAIXOS DO FUTEBOL
Travo uma guerra desde meu nascimento onde eu, meu irmão e minha mãe quase morremos. Meu irmão e eu fomos separados desde bebê, e desde ali venho travando momentos difíceis. O futebol é assim mesmo, às vezes as coisas não fluem como você quer e procuro, onde não há coisas boas, ver com bons olhos. Tenho uma frase de que ‘na dificuldade surge a oportunidade’. Carrego sempre comigo também. Administrei, não vou falar de forma tranquila, mas diante de tudo que passei, foi tranquilo. Tanto as coisas ruins como boas serviram para me tornar não um excelente jogador, mas um homem.
A BOLA VOOU NA MÃO ANTES DO PÊNALTI
Vou contar uma história bem conhecida. Davi apareceu no momento mais difícil de um exército recuado, de Saul, que estava com medo de enfrentar Golias. Pequeno, Davi assumiu uma responsabilidade e até hoje é considerado o maior rei de Israel. É o momento que os valentes aparecem. A bola sobrou, pulei por cima do William, botei debaixo do braço.
NR.: O lance do pênalti que originou a vitória surgiu após cruzamento de Marlone e disputa na área, em que a bola respingou e, após o apito do árbitro, voou justamente na direção das mãos dele.
TINHA TUDO PARA DAR ERRADO
Surgiu (o pênalti), queira ou não, em um momento de pressão. A gente precisava da vitória, um momento de rivalidade muito grande de muito tempo. O Danilo Fernandes (goleiro) me conhecia do Sport. Tudo conspirava para, de repente, eu poder errar, mas estava confiante, decidido do que ia fazer. Se você tem confiança, a tendência de errar é mínima. Foi o que mentalizei, ‘eu vou bater’, não por soberba, mas em confiança em assumir a responsabilidade em bater, em fazer o gol.
OS DOIS MAIORES OBSTÁCULOS NA VIDA
Tem a separação minha e do meu irmão, desde pequeno. E chegou um momento no Vasco (2008) em que, por uma mudança de política, na época mudou de Eurico para Roberto (Dinamite), e toda mudança gera desgaste. Tinha horários de almoço e janta que eram certos. Foram situações que nem gosto de frisar, não gosto de dar uma capinha de coitado, mas senti na pele. Você pegar um resto de comida na arquibancada de São Januário para saciar a forme, no intervalo de lanche, porque eu não tinha dinheiro para comprar. Pegava um biscoito, um amendoim com formiga para um lanche. Foram tantos outros momentos, mas esses que marcaram mais.
DUAS CRIANÇAS ADULTAS
Hoje, a minha infância eu vivo com ele (irmão). Nós fomos separados no nascimento, ficamos 11 anos sem se ver. Nos vimos a primeira vez aos 11 anos e por três dias. E depois, aos 18, vim morar com ele, ter o contato de irmão, a brincadeira, tive que construir isso. Hoje é a nossa infância. Quando não estamos nos falando, mandando mensagem, é brincadeira o tempo todo.
POR QUE MARLONE É TÃO EMOTIVO
Sim, me considero emotivo. Foram coisas que vivi na pele e não é historinha de desenho. Como falei, jamais vou vender uma capa de coitado para ganhar uma multidão. Acho que a mentira aparece uma hora. Tento sempre ser verdadeiro em tudo. Nas palavras, em tudo.
SOFRIMENTO VIROU CONSCIÊNCIA
Saí de casa muito cedo, com 12 anos, e só ia uma vez por ano em casa. Chegava ao clube em janeiro e só voltava para casa em dezembro. Perdi o afeto do que é um Dia dos Pais, Dia das Mães, aniversário. Fiquei várias datas sozinhos, com as paredes e os beliches nas concentrações. No Carnaval, os meninos do Rio e do Espírito Santo iam passar os dias e eu ficava sozinho.
CALAFRIOS NA MADRUGADA
Muitas dessas vezes passei febre por isso, por ficar sozinho mesmo, porque o departamento médico do clube fechava às 22h geralmente. Febre e tosse, você sabe, só vem de madrugada. Por isso tudo amadureci desde pequeno, e isso me fez ser mais forte, experiente, sempre tento tirar as coisas boas das ruins. As coisas boas duram um tempo e chegam no momento certo.
COMO LUAN SALVOU A PELE DO AMIGO NO VASCO
Sempre tive amigos. O Luan, do Vasco, sempre me estendeu a mão. Eu sempre ia para a casa dele, ele me levava porque morava no Espírito Santo, então pagava minhas passagens, para eu não ficar sozinho no clube. Chegou ao clube comigo e me ajudou bastante também.
POR QUE JUNINHO PERNAMBUCANO VIROU PADRINHO
Assim que subi no profissional, o Juninho me deu total assistência. Eu subi franzino e ele arrumou pessoas para me arrumar suplemento, dar coisas assim. Dentro de campo ele me ajudou, foi um líder. Ele me marcou naquele momento em que eu mais precisava e me estendeu a mão. Ele costumava dizer que tinha o dom de bater falta, mas ele falava que se não treinasse, não ia adiantar de nada.
TITE DEU POUCAS OPORTUNIDADES
Jamais terei mágoa do Tite. Pelo contrário. Sempre foi um cara que me deu satisfação, para mim e todo o grupo, falava que meu momento iria chegar. Se ele estivesse até hoje, creio que eu poderia estar jogando com ele. É um cara correto, leal e justo. Não só porque está na seleção. Aprendi muito com ele em pouco tempo, muitas coisas. Só tenho que ter gratidão, orgulho por ter trabalhado com o melhor do Brasil.
OSWALDO DISSE QUE TE RECUPEROU
Entendo que o time vinha em situação ruim. Foi recuperar não só o jogador. O time voltou a jogar bem, criar oportunidades, nós marcamos em cima. Costumo sempre falar que se você for de corpo mole na pelada, nego te engole. Não vejo que eu estava mal. Antes do Oswaldo, de 15 gols do time, eu participei de oito. Não vinha em um momento baixo. Fico feliz pelo elogio dele. Esse jogo serviu de redenção para mim também.
QUAL A MARCA DE OSWALDO
Oswaldo chegou tem um mês, no finalzinho do ano, a gente precisa de mais tempo conhecendo ele. É a primeira vez que estou trabalhando. É tranquilo, sereno, gosta de trabalho intenso. Durante o tempo, vamos conhecendo mais coisas. A gente vinha de jogos sem vencer. Com o tempo, vamos conhecer mais as qualidades dele como professor. Durante o mês creio que ele não mostrou tudo.
O QUE MARLONE APRENDEU COM TITE
Ele me ensinou nessa parte tática. Ele sempre orienta o movimento, a abrir os espaços, o momento de arrancar e tocar. Aprendi muito com ele, coloquei isso em prática e junto com quem está até hoje. Ele me ajudou bastante. O futebol muda a cada dia, cada hora tem um sistema novo. Os treinadores precisam estudar sempre trabalhos novos, há uma evolução muito grande no futebol. Um amigo me falou que antigamente, para aquecer, mandavam você dar cinco voltas no campo. Hoje se faz um ziguezague, um pique, muda de direção e vai ao campo. É uma evolução para melhorar. Tite sempre estudou e foi o que aprendi com ele.
O QUE CORINTHIANS APRENDEU COM TITE
Depois do jogo com o Cobresal (em abril), me entrevistaram e falei que o Tite é o verdadeiro professor. Ele ensina, aconselha, se você está no momento bom ou ruim. A liderança que ele demonstrava a todos os trabalhadores do clube, super agradável. É um verdadeiro líder. Ele falava na cara, te defendia e a gente levava isso para o campo, isso transmitia para nós. Aprendi muitas coisas em pouco tempo.
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