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Ex-Palmeiras superou problemas cardíacos e hoje disputa Mundial de Clubes

William jogará o Mundial de Clubes pelo América do México - Facebook oficial do América do México
William jogará o Mundial de Clubes pelo América do México Imagem: Facebook oficial do América do México

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

08/12/2016 06h00

Criado nas categorias de base do Palmeiras, onde ficou desde os 13 anos até os 25, o meia-atacante William hoje está prestes a disputar o Mundial de Clubes pelo América do México. Porém, para alcançar este estágio e, principalmente, permanecer jogando futebol, William precisou superar um drama que, por pouco, não acabou precocemente com a sua carreira. Ele chegou a sofrer duas paradas cardíacas, encarou um problema no coração, ficou mais de dois anos longe do futebol e precisou de muita ajuda e perseverança para continuar fazendo o que mais gosta.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, William conta como os problemas começaram, aos 16 anos, e todas as passagens que o levaram a manter as esperanças para hoje poder ter a chance de alcançar a maior conquista de sua carreira. A equipe mexicana estreará no Mundial no dia 11 de dezembro (domingo) contra o Jeonbuk, da Coreia do Sul, campeão asiático. Passando pelo primeiro confronto, o América-MEX terá pela frente na semifinal o poderoso Real Madrid.

"Para gente é um ano muito importante, é o ano de entrar na história do clube, de a gente fazer um bom Mundial, que é a nossa meta. Sabemos que vai ser difícil o Jeonbuk. Tem brasileiro de muita qualidade, o preparador físico é brasileiro, ou seja, é um time muito forte fisicamente, com muita qualidade. Eu conheço a equipe e sei que será difícil, é um desafio grande para gente também, mas a gente quer fazer um centenário marcante aqui no clube, temos que fazer algo para entrar na história. No Mexicano estamos na semifinal agora, e a gente quer ganhar o título de Liga", conta o ex-palmeirense, hoje com 30 anos de idade.

"Se a gente passar pelo Jeonbuk tem o Real Madrid, e se isso acontecer a gente sabe que será um jogo difícil, mas a gente conhece as histórias, principalmente de clubes brasileiros que vão para lá e conseguem fazer essa façanha, então a gente tem esse desejo. A gente sabe que futebol são 11 contra 11, guardadas as devidas proporções, o Real Madrid com os jogadores que tem, mas ali dentro de campo é a nossa oportunidade, a única oportunidade de ganhar deles é jogando contra eles, então a gente crê que é possível, a gente vê o Campeonato Espanhol e sabe que times muito inferiores - talvez ao nosso até - ganham desses times ou empatam, complicam o jogo, então vamos ver o que vai dar", acrescenta William.

Veja os principais trechos da entrevista:

O começo dos problemas cardíacos
Eu tinha 16 anos, e com 16 para 17 anos você não entende muita coisa, você só quer saber se pode jogar ou não, se o coração está funcionando bem ou mal. E eles me explicaram porque eu não podia e começamos a correr atrás de médicos. Era uma situação complicada, um bloqueio do ramo esquerdo, e é uma situação que é dentro do coração, então não tem como abrir o coração pra operar, né? Então foi algo bem difícil para mim, eu fiquei depressivo na época, perdi 9 kg, e foi onde entrou a parte principal, que foi o Palmeiras, o respaldo que me deram, o cuidado, a atenção, me levaram nos melhores médicos do país, procuraram ajuda fora também, nos EUA.

Ajuda de Elias, ex-Corinthians
Eu fiz a base com o Elias, ex-Corinthians, hoje no Sporting, e o pai dele conhecia o Dr. Nabil Ghorayeb. O pai do Elias era muito amigo do meu avô e sempre falava: 'vamos levar ele ao médico, o médico pode olhar', e ele me levou para o Dr. Nabil Ghorayeb, no hospital Dante Pazzanese, e o Dr. Nabil foi super atencioso, me atendeu, conversou comigo certinho, explicou a minha situação mais detalhada de uma forma que eu pude entender, e os meus avós também, e ele explicou: 'do jeito que está você não pode jogar, e vamos fazer o seguinte: eu vou fazer o seu acompanhamento aqui, peço para que você venha uma vez a cada dois ou três meses pra gente estar acompanhando e ver como você está'. No final de tudo foram dois anos indo ao hospital a cada dois meses com o meu avô, e graças a Deus as coisas começaram a caminhar. O Dr. comentava comigo: 'olha, vamos seguir fazendo os estudos', e eu fiz um cateterismo com ele, na época eletrofisiológico, e tive um problema, uma outra parada cardíaca. Essa foi a segunda; eu tive uma parada cardíaca com 16 para 17 anos e a outra com 17 para 18, e o Dr. Nabil sempre ao meu lado, muito confiante, ajudando. Depois as coisas começaram a melhorar, o organismo começou a entender mais como trabalhava, o corpo começou a se adaptar, e eu acredito também no grande milagre de Deus. Para mim foi um milagre de Deus poder voltar a jogar e hoje eu estou muito feliz. Fiz 30 anos... Tenho a oportunidade de poder jogar o Mundial de Clubes que está por chegar.

O milagre de voltar a jogar
Eu tenho como um milagre. Eu costumo dizer que eu sou um milagre ambulante. Ter uma parada cardíaca com 16 e a outra com 17 anos tudo bem, eu estava dentro de um hospital, com todo o respaldo médico, fazendo exames aquela coisa toda... Todo mundo falava que era uma aposentadoria precoce, que eu não poderia jogar, e alguns médicos falavam que eu não poderia regressar, voltar a jogar, só que a resposta vem lá de cima, na verdade. Deus tem o tempo para tudo. Demorou dois anos e quatro meses [para voltar a jogar], e neste período eu garanto que aprendi mais que na minha vida inteira.

A ajuda do Palmeiras e dos companheiros

William comemora gol feito pelo Palmeiras - Folha Imagem - Folha Imagem
Imagem: Folha Imagem
Eu tinha contrato profissional [com o Palmeiras], porque depois dos 16 anos você acaba assinando por causa da Lei Pelé. Eu tinha esse contrato com o Palmeiras, era um contrato normal, não era nenhum contrato absurdo, e é aí que entra realmente o meu respeito e o meu valor pelo Palmeiras. Foi um tempo difícil, mas o Palmeiras sempre esteve do meu lado, sempre meu nome estava na folha de prêmios, bichos... Mesmo eu tendo ido uma vez para o banco de reservas do profissional meu nome sempre estava na folha de prêmio, no pagamento de patrocínio, que na época era a Pirelli, e o pessoal sempre fazia o rateio e colocava o meu nome lá. Isso sempre me ajudava muito, sempre vinha na hora que eu estava apertado, juntamente com os meus avós, em casa. Nos momentos mais complicados o meu telefone tocava, o volante Magrão, que era o capitão na época, me ligava e falava: 'Pô, William, tem um dinheiro aqui para você, tem um cheque aqui para você buscar', ele e o Marcos. O pessoal me ajudou muito, o Edmundo também ligava e falava: "Pô, tem um dinheiro aqui da Pirelli, a gente separou a sua parte', e eu ia lá buscar e chegava com os olhos cheios de lágrimas, porque era quase o valor que eu tinha para pagar as despesas de mês, essas coisas, e esse dinheiro sempre ajudava, chegava em boa hora. Então eu acredito que até nisso Deus trabalhou.

O ex-santista virou palmeirense
Na verdade eu nunca fui palmeirense, eu fui santista. A minha família inteira foi sempre santista, mas eu peguei um carinho e um respeito tão grande pelo Palmeiras que eu era mais palmeirense que tudo, na verdade, por tudo o que eu vivi, os problemas que eu tive, e eles ficaram do meu lado, me apoiaram muito, foi o clube que me abriu as portas. Então, depois que você começa a jogar, você perde esse negócio de amor por um time, você passa a ter amor e respeito por aquele time que te abre as portas, que te acolhe, por aquela torcida que te apoia, e foi o que aconteceu comigo no Palmeiras. Por tudo o que eu vivi, eu peguei um amor muito grande.

Avô ajudou William a não desistir de jogar bola
Por vários momentos pensei em desistir, justamente por estar com o problema, mas o meu vô nunca deixou. Ele falava: 'Você vai voltar a jogar, fica tranquilo'. Hoje meu avô é falecido, eu fui criado pelos meus avós. Teve até um momento que eu falei para o meu avô: "Vô, se os médicos que são médicos, que estudaram a vida inteira, falaram que não tem jeito, não tem chance'. E o meu avô falava: Fica tranquilo que você vai voltar a jogar, eu vou te ver jogando ainda'. Então meu avô era uma pessoa que sempre me orientava muito, sempre falava comigo. Foram dois anos nesta vida, e eu não queria ir mais para o hospital, eu dizia: 'Não vou, vô, sempre ouvir as mesmas coisas', mas ele falava: 'Vamos', e ele me levava, ele abria mão do trabalho, de tudo o que tinha para fazer para me levar, e eu agradeço muito a Deus por ter vivido anos maravilhosos com o meu avô. No meu momento mais difícil foi a pessoa que mais me deu força e mais que me sustentou. Meus pais são vivos, moram perto de casa, mas quando eu nasci meu pai tinha 16 e minha mãe 17 anos, e no final eu fiquei mais com os meus avós por parte de pai, e a minha relação com os meus pais é ótima, sempre vejo, sempre estamos juntos, aquela coisa toda.

A volta aos gramados depois de mais de dois anos
Eu voltei a jogar no Palmeiras, era o Tite o treinador na época. Eu voltei no jogo Palmeiras 0 x 1 Grêmio, no Parque Antártica, pelo Brasileiro 2006. Eu entrei e acabei sendo expulso. Naquela ansiedade eu acabei sendo expulso por causa do segundo amarelo. Eu entrei no jogo e fiz uma falta forte e depois acabei sendo expulso. O Tite entendeu, ele é muito gente boa, sabia da minha ansiedade, sabia da minha situação, sabia da minha ansiedade em querer voltar a jogar, e aí eu comecei a me firmar um pouco mais com o Caio Júnior, fiz a pré-temporada com o grupo e comecei o Campeonato Paulista, e no primeiro jogo com o Caio Júnior em 2007, contra o Paulista, ganhamos de 4 a 2 e eu fiz dois gols. Para mim foi uma sensação bacana, foi algo que marcou para mim. Depois rodei bastante, fui emprestado para Ipatinga, Náutico, Vitória, Goiás, Joinville, até que terminou o meu contrato com o Palmeiras e eu fui para o Joinville jogar a Série B. Fui bem, depois eu fui para a Coréia, fiquei um ano lá e depois eu tive uma proposta do México, para o Queretaro. Depois eu fui para o América, em dezembro dia 17, faço um ano de América, e tenho mais dois anos de contrato com o América do México.

Não pensa em voltar ao Brasil, pelo menos agora

William, ex-Palmeiras, participa de treino do América do México - Facebook oficial do América do México - Facebook oficial do América do México
Imagem: Facebook oficial do América do México
Na verdade, eu não tenho esse pensamento, não, para ser bem sincero. Agora faço três anos de México, em dezembro. Estou feliz, a minha família também, tenho dois anos a mais de contrato. Termino meu contrato com 32 anos, é uma idade complicada para voltar ao Brasil, aquela conversa que está velho... E aqui no México eles têm o respeito mais pelo jogador, aqui você vê jogador com 35, 36 anos que tem condições, como se fosse o Zé Roberto nos dias de hoje, com 42 anos, que saiu campeão brasileiro. Então você vê que a idade não faz o jogador, é o jogador quem faz a idade, como ele conduz a carreira dele, e aqui no México tem muito isso, e se joga praticamente uma vez por semana, só a fase de mata-mata se joga duas vezes na semana, então aqui você tem mais tempo para se recuperar, mais tempo para se cuidar, existem menos lesões, então eu não penso em voltar, não, sinceramente. Eu sou casado, tenho três filhos, uma menina e dois meninos. A gente treina de manhã, no período da tarde eu busco os meus filhos na escola, almoçamos em casa e depois saímos para dar uma volta, ir ao cinema, tomar um café, tomar um sorvete, é uma vida muita tranquila. No México é bom por isso, porque se treina de manhã e depois você tem como desfrutar da sua família, e só joga no final de semana, então não tem essa preocupação de sempre estar viajando. Aqui eu vejo respeito em relação à idade, respeito em relação ao ser humano.