Topo

Mulheres explicam por que a contratação do goleiro Bruno gera tanta revolta

Goleiro Bruno com camisa do Boa Esporte; contratação gerou revolta feminina - Divulgação
Goleiro Bruno com camisa do Boa Esporte; contratação gerou revolta feminina Imagem: Divulgação

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

11/03/2017 04h00

Bruno foi condenado, em primeira instância, a 22 anos e três meses de prisão por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver de Eliza Samudio, sua ex-amante e mãe de seu filho. A soltura do goleiro e sua contratação pelo Boa Esporte, na última sexta, revoltaram milhares de mulheres que viram na história um exemplo de descaso. Depois do feminicídio que chocou o país há sete anos, o suposto autor do crime pode ter a chance de jogar a Série B do Brasileirão.

Embora tenha sido condenado em primeira instância por júri popular, Bruno ainda tem direito a apelações. Seu recurso à decisão está parado no TJ-MG (Tribunal de Justiça) há mais de três anos, e enquanto isso ele estava preso de forma preventiva. Há duas semanas, o STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu habeas corpus ao jogador por entender que não havia “justa causa” para a manutenção do cárcere e que ele poderia aguardar o julgamento da apelação em liberdade.

A soltura do goleiro iniciou um processo intenso dele e de seu estafe, que se apressaram para colocá-lo de volta aos gramados. A negociação com o Boa Esporte, encerrada na última sexta, foi só o último capítulo de uma história que irritou bastante quem se chocou com o crime que vitimou Eliza Samudio.

Diante deste cenário, o UOL Esporte conversou com mulheres que explicaram por que a contratação de Bruno gera tanto incômodo.

Justiça permite que Bruno jogue em vez de cumprir pena

Nenhuma das ouvidas pela reportagem questiona a legalidade da libertação ou o desejo de Bruno retomar a carreira.  “Segundo a lei, ele tinha direito a soltura. A gente pode questionar a lei, mas ele tinha esse direito”, disse Djamila Ribeiro, filósofa política e ativista do movimento feminista negro. “As mulheres realmente estão indignadas e o público em geral também. É como se ele tivesse saído impune. Temos de balancear os dois lados. Apesar de não ser a regra no nosso direito, a prisão deve ser a última medida. O problema é a Justiça, que não consegue atender a demanda”, disse Lívia Magalhães, advogada criminalista e colunista da revista AzMina.

A questão é que o cenário poderia ser diferente se a Justiça tivesse sido mais rápida. O TJ-MG está há mais de três anos sem decidir sobre o recurso impetrado pela defesa de Bruno, e foi essa demora que permitiu ao STF liberá-lo da prisão. “É inadmissível (para ele e para qualquer outra pessoa condenada em 1ª Instância) que se aguarde preso por seis anos o julgamento de uma apelação que pode, ao menos por hipótese, reverter o resultado de uma primeira condenação, ou mesmo anular o julgamento”, escreveu Maíra Zapater, especialista em direito processual penal, no blog Justificando, da Carta Capital.

Nem todos podem ter a mesma Justiça

Se há um consenso de que a situação de Bruno é legal, há uma lembrança constante de que outras pessoas em situação parecida com a dele não tiveram o mesmo privilégio. “Ele é uma pessoa que tem recursos, que pode contratar advogados bons, que vão no gabinete do desembargador ou do juiz e vão ter uma atenção especial ao processo. Não é qualquer preso que consegue interpor um habeas corpus no Supremo. Uma pessoa defendida por um defensor público, por exemplo, por mais que ele seja capacitado não consegue atender a demanda”, disse Lívia Magalhães.

“A carreira do zagueiro Darzone [ex-Santo Ângelo] acabou depois do soco dado em Régis, então jogador do Caxias. A cena foi triste, porque a agressão ocorreu sem envolver jogada com a bola, e Régis teve traumatismo craniano e ficou quase 20 dias em coma. Isso aconteceu em 1999 e Darzone, até hoje, não conseguiu se recolocar direito no futebol, embora ainda atue por clubes pequenos. O lance foi injusto e cruel, mas por que motivo ele seria menos grave que a morte de Eliza Samúdio?”, relembra Renata Mendonça, jornalista e fundadora do coletivo Dibradoras.

O que o Boa Esporte vê em Bruno?

Bruno volta ao time do segundo escalão nacional após sete anos de inatividade. A rapidez com que ele conseguiu a recolocação em alto nível desperta suspeitas de que o Boa Esporte e os demais clubes que demonstraram interesse no jogador tenham interesses não-esportivos no negócio. 

“A gente se questiona se o real motivo da contratação dele é a competência – que ele não demonstra há pelo menos sete anos, ou o potencial de marketing e de exposição midiática que ele pode trazer. Quando falam em ressocialização, a gente não vê a mesma boa vontade de clubes de futebol em contratarem porteiros, roupeiros ou pessoas de outra função que são ex-presidiários”, disse Renata Mendonça.

“O problema todo, pra mim, é as pessoas enaltecerem tanto uma possível ressocialização e não se colocarem no papel de milhares de mulheres vítimas de violência. Esses times querem surfar na onda de um marketing vazio e não na ressocialização”, avalia Djamila Ribeiro.

Público recebe Bruno de braços abertos

Dias depois de ter sido solto, Bruno foi ao Fórum de Santa Luzia e foi alvo de selfies e pedidos de autógrafos do público. Na internet, comentaristas de portais e redes sociais se manifestaram a favor do goleiro.

“O que parece ficar claro no caso de Bruno é que, sendo ele culpado ou inocente [...], o crime pelo que foi condenado não causa repulsa social na parcela da população que o aplaude, tira selfies e quer vê-lo em campo. Mais do que os fatos, [...] o que me incomoda não é a decisão do Judiciário pela sua liberação, [...] mas sim a leniência dessa parte do público que, de um lado, tão rapidamente se volta para linchar quem pratica um furto ou picha um muro, e de outro faz questão de tirar selfies com alguém que é retratado pelo sistema de justiça criminal e pela mídia como alguém condenado pelo assassinato de sua ex-mulher”, escreveu Maíra Zapater.

“O que me incomoda é a misoginia. A forma pela qual a vida das mulheres é banalizada, como o Bruno já foi, entre aspas, perdoado, enquanto mulheres que a cada 5 min sofram violência doméstica, a cada 11 min sejam estupradas sem que isso seja levado em consideração. Me incomoda mais essa absolvição da sociedade que a Justiça”, disse Djamila Ribeiro.

Bruno: "Prisão perpétua não vai trazer a vítima de volta"

A frase acima foi dita por Bruno à Rede Globo, na única entrevista que ele concedeu desde a soltura. Em outra oportunidade, o advogado de Bruno declarou que vai solicitar o exame de DNA do filho de Eliza Samudio, cuja paternidade foi atribuída a Bruno pela Justiça do Rio de Janeiro em 2012.

“A postura dele reforça a do homem agressor, ao se colocar como vítima em um caso pelo qual foi condenado e que sequer pode ser esclarecido porque até hoje o corpo de Eliza Samúdio não foi encontrado. Bruno nunca assumiu o crime – e, pelo histórico de descrédito que se dá às mulheres, muitos ainda condenam Elisa enquanto absolvem Bruno”, disse Renata Mendonça.