Como Gato da Copinha lida com a própria culpa e renasce no ano "purgatório"
Não demorou muito para Heltton Matheus perceber que havia cometido o maior erro da sua vida. Viu seu rosto ser exposto em todas as manchetes de jornais e programas de televisão. Foi chamado de bandido e criminoso. Todos os dedos apontavam para a sua cara. Mas o mais difícil não foi encarar a condenação do outro e, sim, conviver com a própria culpa. A falha era grave e ele sabia disso.
Heltton quis realizar um sonho de criança e escolheu o caminho mais tortuoso ao usar os documentos do amigo Brendon, três anos mais novo, para poder disputar a Copa São Paulo de futebol júnior pelo Paulista. Talvez ele não soubesse que mentira tem perna curta. E o preço por fazer mal aos outros e a si mesmo foi alto. Sua atitude eliminou o time da competição, prejudicou os colegas, enfureceu o técnico e decepcionou os pais Vânia e Nilton.
Hoje, meses depois, ele passa por uma espécie de "purgatório" e tenta renascer para o futebol no clube amador Vai Vai. Paga os pecados cumprindo a pena de 360 dias imposta pelo STJD sem poder participar de competições oficiais e purifica a alma com muitas reflexões. Heltton busca retomar seu caminho pela força do perdão. Brada que seu arrependimento é sincero e adotou o pedido de desculpas como um mantra.
“Um dos momentos que mais magoou foi ter decepcionado meus pais, por tudo o que fizeram por mim. Foi ter magoado uma pessoa que me ensinou tudo, que me abriu as portas do clube, me deu confiança e mostrou que eu era capaz. Magoar um treinador (Umberto Louzer, que hoje está no Guarani) foi difícil e está sendo. Por não ter tanto convívio me geram dúvidas. Se disser que não sinto um pingo de culpa, seria mentira. Me gera um pouco de mágoa, muito arrependimento por saber das consequências do meu erro. Como toda dor, precisei de tempo para cicatrizar. Quando tive a oportunidade de voltar, pedi desculpa, usei os meios de comunicação. O homem se mostra homem quando reconhece os erros. Foi isso que eu fiz, me retrarei de coração aberto pelas mágoas que deixei. Fico feliz por saber que ele está bem. E hoje sou um pouco melhor, posso dizer que as coisas estão se reestruturando”.
A consciência também apertava quando ele pensava nos colegas de time. Muitos viram o sonho de vencer a Copinha cair por terra por causa da má fé de Heltton. E ele novamente recorreu ao mantra: pedir desculpas. Deu certo. Pela segunda vez, ganhou um voto de confiança e foi ‘absolvido’ pelos jogadores do time. A amizade permanece e ele é muito grato até hoje.
“Desde que pisei naquele lugar eu construí uma família. Quando um membro da família erra, você não abandona, você mantém o vínculo forte. Todos ficaram muito chateados, mas compreenderam o meu lado. Eu pedi perdão a eles. Posso falar com cada um deles sem medo algum. São homens, tiveram hombridade, souberam perdoar e manter o laço de amizade. Se eu fosse uma pessoa ruim, eles não estariam nem aí para o que houve. Cada um tomou um rumo. Tem gente no Flamengo, no Guarani, no Santos, no Porto. Falaram que eu roubei o sonho de muitos, mas nenhum erro tem o poder de roubar um sonho. Nada do que aconteceu poderia impedir o que iria acontecer. Cada um mostrou seu trabalho, graças a Deus, e estou feliz pelas realizações deles. Ficou a amizade”.
Mais que ficar em paz com quem ele prejudicou, ele busca a própria paz. Agora, concentra esforços para reerguer a sua carreira. A luz no fim do túnel só foi possível graças a Vampeta que surgiu em seu caminho. O ex-jogador da seleção brasileira estendeu o braço na hora mais difícil quando o episódio do gato veio à tona e ele agarrou com todas as suas forças. Um anjo, como ele chama.
Heltton tem contrato com o Audax e vai disputar a Série A-2 do Campeonato Paulista do ano que vem. Como precisava cumprir a suspensão, o próprio Vampeta procurou seus amigos da diretoria do Vai-Vai, time da tradicional escola de samba, e fez um contrato de empréstimo para o jogador. Nesta temporada, ele está disputando a Liga de Futebol Paulista e se classificou para a segunda fase ao lado de seus companheiros.
Heltton foi bem recebido pelos colegas e se sente entrosado no time. Sabe que a temporada tem sido fundamental para chegar no futebol profissional bem fisicamente e com ritmo de jogo. É ano de plantar para colher no futuro.
“Esse campeonato é primordial. Eu iria ficar o ano todo sem campeonato, ia perder bastante, seria difícil começar do zero. Mas o campeonato caiu como uma luva, vai me deixar forte e com ritmo de jogo para voltar. Vou voltar bem. E eu sonho muito alto. Temos que mirar na luta para acertar as estrelas. Pelo menos a gente vai ver um pouco mais de cima. Quem sabe eu ainda vista a camisa amarelinha”.
A força da infância em São Gonçalo
Para o atleta, hoje com 24 anos, o novo caminho está sendo bem trilhado. A força ele encontra na família e também na infância pobre de São Gonçalo-RJ, onde ele viu vários amigos morrerem pelo envolvimento com o tráfico de drogas. Enfrentou ainda o choque de ver mães chorarem sobre os corpos dos filhos. Não quis seguir a mesma trajetória, mas se fortaleceu com todas as histórias.
“A periferia nos molda, não tanto com o poder intelectual, mas com o poder intuitivo. Se a casa do pobre cai, ele já levanta e vai reconstruir. Se a casa do cara de classe média ou alta cai, ele vai no psicólogo. A gente não tem essa estrutura. A facilidade fragiliza e a dificuldade nos fortalece. Por isso, hoje consigo me livrar do que passou e me aceitar”.
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