Topo

Ronaldo, perda do pai e Série C: os altos e baixos da carreira de Boquita

Volante, ex-Corinthians e Portuguesa, é destaque do CSA na Série C do Brasileiro - Jonathan Lins/RCortez/CSA
Volante, ex-Corinthians e Portuguesa, é destaque do CSA na Série C do Brasileiro Imagem: Jonathan Lins/RCortez/CSA

Vanderlei Lima e Emanuel Colombari

Do UOL, em São Paulo

03/09/2017 04h00

Talvez sejam poucos os jogadores que experimentaram tão rapidamente os altos e baixos do futebol como Boquita. Campeão da Copa do Brasil com o Corinthians em 2009 e da Série B do Brasileiro com a Portuguesa em 2011, disputou a quarta divisão do Campeonato Paulista de 2013 pelo Atibaia. Hoje, aos 27 anos, defende o CSA na Série C do Brasileirão.

É no clube alagoano, já classificado para a segunda fase da terceira divisão nacional, que Boquita tenta recuperar seus bons momentos na carreira. Após superar um complicado diagnóstico de hérnia no início de 2012, passou a peregrinar por clubes que disputam divisões de acesso pelo país. Em 2017, recuperado e em boa forma, é titular do time comandado pelo técnico Ney da Matta.

"A única lesão que eu tive foi essa a de hérnia. Eu nunca tive lesão muscular", conta o volante, em entrevista ao UOL Esporte, sonhando em voltar a jogar a Série A do Brasileiro. "Mas primeiro aqui no CSA. A gente já se classificou para o mata-mata, então se a gente subir aqui no CSA, será uma grande coisa. Depois eu almejo voltar para um clube de Série A", completou.

No entanto, até que chegasse à briga pelo acesso à Série B de 2018, Boquita passou a viver de tudo um pouco: da chance de jogar ao lado do ídolo de infância à perda de seu principal incentivador.

No Corinthians, chegada antes no treino para ver Ronaldo

Nascido no dia 7 de abril de 1990, Rafael Aparecido da Silva começou a jogar futebol no Nitro Química, tradicional clube da região de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. Foi lá que ganhou o apelido de Boquita - graças à influência do pai, José Aparecido, conhecido no bairro como Boca.

"Meu pai jogava bola também e o pessoal falava que ele era muito chato, que ele falava bastante", conta Boquita. "Quando eu comecei a jogar, meu pai era bem conhecido na várzea, e o pessoal começou a me chamar de Boquita. Pegou", explica o meio-campista - que diz ser falante em campo, "mas não igual ao que foi ele".

Boquita no Corinthians - Almeida Rocha/Folha Imagem - Almeida Rocha/Folha Imagem
Volante chegou ao Corinthians aos 14 anos; em 2009, foi campeão da Copa SP e se profissionalizou
Imagem: Almeida Rocha/Folha Imagem
Aos 10 anos, Boquita trocou os campos de São Miguel Paulista pelas categorias de base da Portuguesa. Aos 14, chegou ao Corinthians, onde se profissionalizou aos 19. Campeão da Copa São Paulo de futebol júnior em 2009, conquistou no mesmo ano o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil. Nesta época, teve a chance de atuar ao lado de Ronaldo.

O primeiro encontro com o ex-camisa 9, Boquita não esquece. "Quando eu subi (para o profissional), o Ronaldo Fenômeno já estava. Eu estava nos juniores. Quando eu subi para o profissional, o treino era às 15h30, mas às 14h eu já estava lá trocado, sentadinho, esperando o treino. Daqui a pouco eu ouvi a voz dele chegando", conta, divertindo-se.

"Para mim, marcou bastante. Era o ídolo de todo mundo da minha geração que jogava futebol. Desde pequenininho, quando chutava uma bola, eu falava que era o Ronaldo. Para mim, foi uma coisa que marcou muito: eu fazia gol quando era pequeno e falava que era Ronaldo", completou.

Da convivência, Boquita lembra um Ronaldo "brincalhão", que "conversava com todo mundo" e "de bem com a vida". Conta ainda que o astro fazia "uma ou outra" festa.

"Se não me engano, fui uma vez", garante o jogador. "Eu não era de ir muito com ele, não."

Boquita e Ronaldo foram companheiros de Corinthians até o final de 2010, quando o volante foi emprestado para o Bahia. Ao longo de dois anos de convivência, diz ter aprendido muito com o companheiro mais famoso. E se impressionou.

"Ele fazia algumas coisas lá que você não via ninguém fazer mesmo. As finalizações dele eram muito precisas, dificilmente ele errava - com a direita, com a esquerda, era sempre gol. Dificilmente a bola ia para fora ou o goleiro pegava. Era sempre gol mesmo. Isso me marcou muito", relembra. "As pessoas sempre me lembram: 'pô, você jogou com o Ronaldo fenômeno'. E eu falo: 'vocês tinham que ver esse cara fazendo trabalho de finalização'. O que ele fazia era muito acima de muita gente mesmo.”

No fim de 2010, Mano Menezes - responsável por sua promoção aos profissionais no Corinthians - foi embora. Tite chegou para ocupar o posto, e Boquita acabou emprestado ao Bahia para disputar o Campeonato Baiano de 2011. No mesmo ano, reforçou a Portuguesa na histórica campanha do título da Série B.

A perda do pai: "Igual a ele não tinha, não"

A temporada de 2011 tinha tudo para ser de boas lembranças para Boquita. No entanto, foi em outubro daquele ano que o volante perdeu o pai, seu maior incentivador, por complicações de saúde relacionadas à diabetes.

“Eu fiquei muito mal", conta. "Faltava pouco para a gente ser campeão (da Série B), e o meu pai não conseguiu ver esse meu título. Para mim, foi difícil até para comemorar o título da Portuguesa - foi bom, mas nem tanto quanto era para ser", completa Boquita.

A mãe, Vera Lúcia, hoje mora em São Paulo com o irmão mais velho do jogador, Daniel, que é personal trainer. Ainda assim, o jogador não esquece o pai - que até mudou de time para acompanhar o sucesso do filho.

"Ele não era corintiano, era santista. Na época, ele virou corintiano, me acompanhava a todos os jogos. Meu pai e minha mãe iam a todos os jogos possíveis. Meu pai foi o maior incentivador que eu tive - junto com a minha mãe e o meu irmão também", explica.

"Mas o seu José, o meu pai, igual a ele não tinha, não. Ele me cobrava. Eu chegava em casa e ele já sabia tudo o que ia acontecer. Ele ficava assistindo aos programas de televisão e, quando eu chegava em casa, já sabia se eu ia jogar ou não. Ele passava todas as informações para mim", completa, rindo.

A saída do Corinthians e a peregrinação em clubes menores

Boquita na Portuguesa - Fernanda SO/Portuguesa - Fernanda SO/Portuguesa
Boquita foi campeão da Série B na Portuguesa, mas também encarou hérnia
Imagem: Fernanda SO/Portuguesa
Em 2012, Boquita voltou ao Corinthians, mas a condição física logo virou um problema. Com dores desde o final do ano anterior, suspeitava de uma pubalgia. Foi só quando deixou a Portuguesa que descobriu ter uma hérnia inguinal (virilha).

"Eu estava jogando e não queria parar. Demorei um pouco para descobrir porque fiz uma ressonância, e a ressonância não pegava (a lesão). Na época, o Kaká estava com uma pubalgia, e eu acabei achando que era a mesma coisa - mas era uma hérnia. Demorei para descobrir, e isso me atrasou o ano de 2013", explicou.

Com o problema diagnosticado, Boquita precisou passar por uma cirurgia que o deixou seis meses afastado dos gramados. Neste período, viu se encerrar seu contrato com o Corinthians, que optou por não renovar o compromisso.

Mágoa com o clube? Nada disso.

"O Corinthians me deu a oportunidade de virar profissional, de jogar. E o Tite, mesmo não me utilizando, é um cara super do bem. O que o Tite é hoje, é o que ele já era naquela época: atencioso com todo mundo mesmo, com quem jogava e com quem não jogava", disse, cheio de elogios ao hoje treinador da seleção brasileira.

"Na época, o Tite chegou a conversar com todos. Ele disse: 'é para vocês pegarem maturidade, de jogar um pouco também'. Para mim, foi bom. Como nós subimos no Corinthians, não conseguimos chegar ao que é a realidade mesmo do futebol. A gente estava em um clube muito grande, onde a gente tem de tudo, estrutura muito boa; quando a gente vai para outros clubes, a gente vai conhecendo e vai amadurecendo."

Em 2013, começou então a rodar por clubes menores. Em outubro daquele ano, foi apresentado no Atibaia para a disputa da quarta divisão paulista. Depois, passou por Atlético Sorocaba, Vila Nova, Marília e voltou à Portuguesa em 2015. Em 2017, defendeu o Brusque no Campeonato Catarinense antes de acertar com o CSA para a Série C.

Hoje, encara com naturalidade a trajetória nos gramados. "Mesmo com 27 anos, eu já passei altos e baixos. O futebol brasileiro é isso: é alto e baixo também. Tem horas em que você está em baixo, tem horas que você está em cima. Hoje, eu estou buscando isso, que é voltar para uma equipe de Série A, então eu estou me dedicando no CSA para isso", analisa.

Boquita no CSA - Jonathan Lins/RCortez/CSA - Jonathan Lins/RCortez/CSA
Meta de Boquita é voltar a disputar a Série A do Brasileiro
Imagem: Jonathan Lins/RCortez/CSA