Com apoio do City, torcida LGBT encorpa luta contra o preconceito
Os 152 dias de chuva por ano, em média, corroboram a imagem cinzenta de Manchester, no Noroeste da Inglaterra. Em agosto, no entanto, a cidade ganha um colorido especial: as cores do arco-íris pintam as ruas para celebrar a Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).
Quem visitou a cidade-sede de Gabriel Jesus, Pep Guardiola e cia. no último mês constatou suporte irrestrito do Manchester City ao evento, algo impensável para a realidade do futebol brasileiro, no qual ouve-se frequentemente o grito de “bicha” em cobranças de tiro de meta – herança da torcida mexicana na Copa do Mundo.
Com o distintivo do City estampado em banners espalhados pela região central nas cores típicas do movimento homo afetivo, o clube declarou “apoiar orgulhosamente” a celebração em mais uma edição. E essa foi apenas uma das ações de contribuição.
As mascotes do time, Moonchester e Moonbean, participaram do desfile pelas vias de Manchester, no último fim de semana de agosto. Para promover a festa da cultura inclusiva, os telões e os painéis de LED do Estádio Etihad divulgaram ações no empate em 1 a 1 com o Everton, no dia 21, pela Premier League. Mas o ato mais significativo ocorreu do lado de fora do estádio. O clube içou a bandeira do arco-íris na frente da sua casa, com a presença de representantes do Canal Street Blues, a torcida LGBT oficial do City.
“É um pequeno gesto, mas de muito significado”, conta ao UOL Esporte John Browne, presidente do grupo de torcedores. “Até a BBC e as mídias oficiais da Premier League estavam lá para fazer a cobertura. É algo que demora 10 minutos, mas que vai para o mundo todo”.
Aos 58 anos, Browne aproveita a aposentadoria para seguir seu time de coração por todos os lados. Filho de pais irlandeses católicos, ele se apaixonou pelo Manchester City ainda quando criança. O principal motivo foi o ambiente de Maine Road, estádio dos Cityzens até 2003. “A atmosfera era mais empolgante do que a do Old Trafford”, compara em relação ao Teatro dos Sonhos, do Manchester United.
A fundação do Canal Street Blues, nome em alusão à famosa rua da Vila Gay de Manchester, aconteceu em janeiro de 2014, na esteira do surgimento de torcidas LGBTs oficiais de outras equipes. “O Gay Gooners, do Arsenal, apresenta-se como pioneiro, de 2013. Então pensamos: se eles têm uma torcida, por que nós não podemos também?”, diz sobre a organização com mais de 150 membros, a maioria mulheres. “Há várias pessoas LGBTs que não percebem que gostam de futebol, talvez pela experiência na escola, por ouvirem que não é um esporte para elas, por terem a impressão de ser algo agressivo. Mas quando eles vão a um jogo, a diversão é garantida. E o que nós fazemos é convidá-los para ir aos jogos com a gente. E o retorno tem sido ótimo, porque elas voltam nas outras partidas”.
Já são mais de 30 torcidas LGBTs entre os 92 clubes das quatro primeiras divisões do futebol inglês, além de instituições não afiliadas a times, como “Football v Homophobia” e “Kick It Out”, que também luta contra o racismo. O Manchester United é o único grande a não ter representantes oficiais.
O árduo trabalho de conscientização contra a intolerância pressiona a Premier League e a Football Association (FA), federação inglesa de futebol, a aplicar políticas a favor da inclusão, afirma Browne. Em que pese esse trabalho, a homofobia ainda está presente no país da liga de futebol mais rica do mundo. De acordo com pesquisa de 2016 da Rádio BBC 5 Live com mais de 4 mil pessoas, 50% dos torcedores de futebol já ouviram cantos homofóbicos nos estádios. Ainda segundo este levantamento, 8% dos fãs deixariam de apoiar seu time caso um jogador assumidamente gay fosse contratado.
Curiosamente, Browne ainda testemunha cânticos ofensivos na própria torcida do City. Na primeira rodada do Campeonato Inglês, a equipe de Guardiola visitou o Brighton & Holve Albion, que está de volta à Primeira Divisão depois de 34 anos. O clube do sul do país é conhecido pela grande comunidade de torcedores LGBTs, que acabaram sendo vítimas de discriminação logo no retorno à elite nacional.
“Alguém da nossa torcida gritou algo abusivo contra os torcedores do Brighton. Todo mundo se voltou contra ele e pediu que se calasse. E a pessoa responsável pela ofensa passou toda a partida se desculpando, totalmente constrangido. Infelizmente essa é a única linguagem que algumas pessoas têm”.
Na rodada seguinte, a primeira do Brighton fora de casa, a intolerância partiu de torcedores do Leicester no King Power Stadium. Ao menos duas pessoas foram presas e outras expulsas do estádio pelas ofensas.
“No futebol de hoje há inúmeras evidências de corrupção financeira, só que a minha maior preocupação é com a corrupção moral, porque a financeira até que tem solução: você demite os infratores e contrata novos funcionários. O que me parece mais complicado é lidar com a estupidez e a dificuldade de compreensão da importância de uma cultura inclusiva”, acrescenta Browne.
Só um jogador se assumiu em atividade na Inglaterra
Filho de nigerianos e adotado por família inglesa, Justin Fashanu foi o primeiro jogador negro a valer 1 milhão de libras, valor da transferência do Norwich para o Nottingham Forest, no início de carreira. No Forest, por conta da sua orientação sexual, já era vítima de insultos do lendário técnico Brian Clough. Em 1990, quebrou outra barreira: foi o primeiro – e até hoje único – jogador do futebol inglês a se assumir gay e continuar em atividade. Em 1998, aos 37 anos, ele se enforcou em uma garagem em Londres. Muitos apontam a pressão pela opção sexual assumida como principal motivo do suicídio.
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