Perto da Copa, Síria em guerra tem torcida dividida e capitão questionado
Dois passos separam a Síria da Copa do Mundo da Rússia. Mas o histórico feito esportivo está bem longe de ser aclamado com unanimidade no país asiático. Enquanto o governo de Bashar al-Assad afirma que a seleção tem unido o povo, oposicionistas acusam o regime de usar o esporte como propaganda durante uma guerra civil que já dura seis anos.
A Rede Síria para os Direitos Humanos (SNHR) aponta que 212.786 pessoas já morreram na guerra civil desde seu início em 2011. A estimativa da BBC é ainda mais alarmante: 400 mil pessoas. A expectativa de vida que era de 70 anos despencou para 55.
E o futebol tem sido afetado diretamente pela guerra. Um estudo feito pelo jornalista sírio Anas Ammos aponta que pelo menos 39 jogadores, de duas divisões, foram mortos por bombas ou torturas vindas do governo de Bashar al-Assad. Outros 13 jogadores estão presos.
Em um cenário como esse, a seleção síria se viu sem local para disputar os jogos das Eliminatórias para a Copa do Mundo. Com a exigência da Fifa para que os jogos não fossem realizados na Síria, a equipe precisou viajar 7.288km para disputar as partidas na Malásia – um dos jogos foi disputado em Omã.
Mesmo jogando tão longe, a Síria foi até onde nunca havia conseguido: a repescagem continental. Na última partida contra o Irã, pela terceira fase, a equipe conseguiu o empate em 2 a 2 no último minuto e se classificou para enfrentar a Austrália.
Na campanha histórica, um retorno serviu para ajudar o time sírio. Camisa 10 e capitão, Firas al-Khatib voltou para a seleção depois de cinco anos de boicote.
Símbolo da resistência agora elogia Assad
O retorno de Khatib foi rodeado por polêmicas. Durante os cinco anos em que boicotou a seleção, o jogador era visto como um símbolo da resistência contra o regime de Bashar al-Assad e chegou a afirmar que nunca mais jogaria pela Síria. Desde março, contudo, passou a pensar na possibilidade de retornar.
Em entrevista à “ESPN” dos Estados Unidos em maio deste ano, Khatib afirmou que seu retorno, caso acontecesse, seria estritamente relacionado ao futebol, sem ligação com a política. Mas afirmou: “Tenho medo. Atualmente na Síria, se você fala, alguém te mata – pelo que você fala, pelo que você pensa”.
De volta à seleção síria, Firas al-Khatib chegou a posar para fotos ao lado da bandeira da Síria. Em entrevistas a emissoras do país, também mudou o discurso e falou sobre sua admiração por Assad.
Boicote continua com outros jogadores
Se Khatib decidiu voltar, o mesmo não aconteceu com o zagueiro Firas al-Ali. Ao saber que sua prima de 13 anos havia sido morta em um ataque por parte do governo, o jogador fugiu durante um treino da seleção síria e deixou o país.
Ali agora vive em um campo de refugiados na Turquia e descarta qualquer hipótese de jogar novamente pela seleção de seu país natal. “Jogar pela seleção é uma desonra. É algo que eu simplesmente não posso fazer. Sinto que estaria traindo todos os filhos de nossa nação que foram assassinados pela tirania e opressão. Esses jogadores (da seleção), estão carregando a bandeira da morte”, disse à “ESPN”.
O governo, no entanto, nega que qualquer tipo de boicote esteja acontecendo com a seleção síria. Vice-presidente da Associação Síria de Futebol, Fadi Dabbas disse à “ESPN” que as afirmações “são totalmente mentirosas”. “Todos os nossos jogadores querem representar a seleção da Síria. Nenhum jogador recusou jogar pela Síria”.
Dabbas ainda chegou a elogiar Bashar al-Assad. “Estamos orgulhosos do nosso presidente. Estamos orgulhosos do que ele conquistou”.
Palavras parecidas foram ditas por Fajr Ibrahim, em novembro de 2015. Então técnico da seleção síria, ele compareceu em uma entrevista coletiva com uma camisa com o rosto do presidente. “Este é o melhor homem do mundo. Sou orgulhoso de ele ser o meu presidente”.
O primeiro duelo entre Síria e Austrália está marcado para esta quinta-feira (5), na Malásia. A volta acontecerá no dia 10 de outubro. O vencedor enfrentará o quinto colocado das Eliminatórias da Concacaf.
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