Ex-seleção, Maycon vira jogadora-treinadora e desabafa contra machismo

Ao longo dos primeiros anos do século XXI, a meia Maycon foi um dos principais destaques da seleção brasileira feminina de futebol. Em campo, conquistou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 2004 e 2008, além do segundo lugar na Copa do Mundo de 2007. Em 1999, aos 22 anos, conquistou o terceiro lugar no Mundial.

Hoje, aos 40, Maycon segue em ação - e não apenas dentro dos campos.

Em 2017, a cidade de Lages (SC) recebe os Jogos Abertos de Santa Catarina, tradicional competição poliesportiva entre municípios catarinenses. E caberá a Maycon, nascida na própria cidade, conduzir o time feminino de futebol a uma boa campanha na disputa, atuando como jogadora e treinadora.

"Eu já estava trabalhando na organização dos Jogos, e eles me convidaram para trabalhar com as meninas", contou Maycon em entrevista ao UOL Esporte. "Agora já estou treinando as meninas. E mesmo em um tempo curto, eu sei e confio que elas vão dar o melhor de cada uma", acrescentou.

Com o auxílio de um educador físico, Maycon recruta jogadoras em bairros da cidade. Além disso, a seleção lageana deverá contar com o reforço de jogadoras das categorias sub-18, sub-20 e adulta das Leoas da Serra, equipe da cidade que conquistou em 2017 a Copa do Brasil feminina de futsal. Rafaela Nicolete, treinadora das Leoas, reforçará a comissão técnica da treinadora Maycon ao longo do torneio.

A competição acontece entre 3 e 11 de novembro, mas a própria Maykon admite que o projeto pode continuar. A ideia é que o time de Lages siga em campo em 2018, ainda que não exista no momento uma "identidade" para o time - o mais provável é que a seleção da cidade se tornasse uma equipe feminina do Inter de Lages, clube que disputa a primeira divisão masculina do Campeonato Catarinense, ou um time de campo das Leoas da Serra.

"Quero seguir em um projeto com as meninas para o ano que vem. O nome do time será o que for melhor para a cidade", explica Maycon, que atuou como atleta amadora do Inter de Lages no início da década de 1990.

Projeto pode reaproximar times de futebol e futsal

As Leoas da Serra surgiram em 2013, fundindo duas equipes de futsal da cidade, por iniciativa de dirigentes do Inter de Lages. No entanto, em 2014, a equipe de futsal se separou - amigavelmente - da "matriz" de futebol de campo. Assim, hoje, são pequenas as chances de o time de Maycon conseguir representar os dois principais clubes da cidade como uma camisa única.

Desta forma, o mais provável no momento é que o time de futsal saia na frente e englobe a representação de Lages nos Jogos Abertos de Santa Catarina. "Existe a possibilidade, sim, de ter um projeto de futebol de campo. Temos atletas nas Leoas que jogam futsal, mas que são convocadas para as seleções de base de campo", explicou Maurício Neves de Jesus, criador do projeto Leoas da Serra, por telefone.

Embora a equipe hoje não tenha "nenhuma relação" com o Inter, o dirigente diz não ver "nenhuma rivalidade" das Leoas com o clube do qual se originou. E enquanto as duas partes não se reaproximam, as Leoas seguem dando prioridade ao futsal - sem, porém, deixar de sonhar com o futebol de campo. "A gente não vai abandonar o projeto de futsal feminino", disse Neves, que condicionou a evolução do "projeto de campo" ao apoio de patrocinadores.

Por sua vez, o Inter de Lages se mostra aberto a uma reaproximação das Leoas da Serra. Segundo Cristopher Nunes, presidente do clube, "a intenção é poder estar cada vez mais próximo" do time feminino de futsal - sem que isso interfira, porém, na possibilidade de as Leoas da Serra se tornarem também um time de campo no futuro.

"O projeto delas tomou uma direção própria muito legal. A intenção é que, se for o desejo delas, que a gente possa estar junto, auxiliá-las no projeto. Mas depende muito da direção delas. Para o Inter, desenvolver um projeto de futebol feminino é muito complexo", disse Nunes, também por telefone.

Em tom elogioso, o presidente colorado deixou nas mãos das Leoas da Serra a definição do projeto do time de futebol feminino de Lages. "É uma coisa que a gente tem que tentar fazer com elas", disse, afastando o Inter de uma possível liderança na negociação do time. "A gente acredita que as pessoas corretas para desenvolver este projeto são das Leoas da Serra", acrescentou.

"Deixe a mulher trabalhar, por favor"

Com o envolvimento na organização dos Jogos Abertos de Santa Catarina e com a própria equipe de Lages, Maycon já olha com mais atenção aos bastidores do futebol feminino. Enquanto não se define o destino do time, a jogadora-treinadora não poupa de críticas a organização do futebol feminino no país.

"A falta de respeito com a gente, mulheres, é uma lástima. Lutamos sempre para que a modalidade cresça, mas sempre temos que receber a porta na cara quando buscamos melhoria na modalidade", disse, ampliando a análise também à própria seleção brasileira - o time viu uma debandada de jogadoras após a saída da treinadora Emily Lima em setembro.

"Hoje, o que vivemos é machismo, a pura discriminação da mulher na seleção brasileira. Deixe a mulher trabalhar, por favor. Merecemos todo o respeito", desabafou.