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Del Nero tinha caderno de propinas e inflacionou corrupção, diz delator

Tite, Marco Polo del Nero e Edu Gaspar posam em frente ao avião da seleção brasileira, fornecido pela Gol - Ricardo Stuckert/CBF
Tite, Marco Polo del Nero e Edu Gaspar posam em frente ao avião da seleção brasileira, fornecido pela Gol Imagem: Ricardo Stuckert/CBF

James Cimino, Pedro Lopes e Rodrigo Mattos

Do UOL, em São Paulo e Nova Iorque (EUA)

17/11/2017 04h00

Atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero não está no banco dos réus no julgamento do caso Fifa, nos EUA, mas vem sendo citado frequentemente pelo delator Alejandro Burzaco ao longo dos depoimentos. Na última terça, Burzaco afirmou que o dirigente manteve um caderno no qual anotou os pagamentos de propinas durante reuniões. Além disso, o cartola ainda teria sido um dos responsáveis por aumentar o valor dos subornos após sua entrada no esquema.

Burzaco foi diretor da Torneos y Competencias, empresa que negociava direitos de transmissão das principais competições da Conmebol. O caderninho de Del Nero é citado na descrição das negociações de uma dívida de propina de US$ 2 milhões. Segundo o depoimento, o dinheiro deveria ser dado ao ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira, que pediu que o repasse fosse para Del Nero e José Maria Marin, mandatário da entidade à época e réu no processo.

“José Maria Marin me deu um abraço, mostrou sua gratidão e me fez um discurso. Marco Polo Del Nero tinha um caderno onde tinha anotados os subornos. Ele leu, confirmou e explicou para mim que iriam instruir o Eladio (Rodriguez, do financeiro da TyC) a começar a pagar os subornos a eles (Marin e Del Nero)”, conta o delator.

O empresário argentino disse que, quando deixou a presidência da CBF, em março de 2012, Ricardo Teixeira recebia US$ 600 mil anuais como propina por direitos de transmissão da Libertadores e da Sul-Americana. Quando José Maria Marin assumiu, os valores precisaram ser aumentados. Apesar de ser o único presidente formalmente empossado, ele dividia os subornos com Del Nero, vice da entidade que atuava e também era visto como um presidente da CBF.

“Se eu me lembro corretamente, Julio Grondona (então presidente da Associação Argentina de Futebol) disse que o Brasil era uma potência, e agora esses dois cavalheiros estavam ocupando a posição executiva, e teriam que dividir esse dinheiro. Então, US$ 600 mil – US$ 300 mil para cada – já não eram suficientes para refletir a importância do Brasil. Perguntaram se estávamos dispostos a aumentar os valores para US$ 900 mil. Concordei”.

A presença informal de Del Nero, de acordo com Burzaco, não alterou apenas os valores dos pagamentos, mas também foi um dos fatores afetaram a forma como eles eram realizados. Um aumento na fiscalização sobre as transações no futebol, aliado aos valores também cada vez maiores, levou à necessidade de criação de empresas fantasmas para o pagamento de propinas.

“No começo, os pagamentos iam para a conta da Conmebol, e o Nicolas Leoz [então presidente] ou mandava o dinheiro ou dava as instruções para mandarmos para onde dizia Teixeira (..). Em 2013, quando [Marin e Del Nero] começaram a receber os US$ 900 mil, o dinheiro não saía mais da conta da Conmebol, mas de empresas de fachada criadas para pagar os subornos. Com as restrições maiores no mercado financeiro e a corrupção aparecendo no futebol, ficou mais difícil dirigir esses pagamentos para localidades, digamos, exóticas, ou difíceis de alcançar. Depois de muita discussão, mudamos as instruções para tornar esses pagamentos possíveis”, explicou Burzaco.

Além do empresário argentino, Del Nero foi citado diversas vezes por Harry Stillman, advogado de defesa de José Maria Marin. Stillman afirmou na última segunda-feira que, embora seu cliente ocupasse a presidência da CBF, o presidente de fato da entidade e responsável pelas decisões era Del Nero – o atual mandatário da entidade negou as acusações e disse que não assinou nenhum contrato durante a gestão de Marin.

O UOL Esporte tentou contato com José Roberto Batochio, advogado de Del Nero, mas ele não se encontrava em seu escritório. A CBF emitiu uma nota oficial sobre o depoimento de Burzaco.

“Com referência à citação feita à sua pessoa pelo delator premiado ALEJANDRO BURZACO na Corte de Justiça do Brooklin, New York, EUA, o presidente da CBF, MARCO POLO DEL NERO, vem a público esclarecer que nega, com indignação, que tivesse conhecimento de qualquer esquema de corrupção supostamente existente no âmbito das entidades do futebol a que se referiu. As investigações levadas a efeito naquele país não apontaram qualquer indício de recebimento de vantagens econômicas ou de qualquer outra natureza por parte do atual presidente da CBF. Igualmente, o que ali ficou apurado foi que os contratos sob suspeita não foram por ele assinados nem correspondem ao período de sua gestão na presidência da CBF. Esclarece, ainda, que jamais foi membro do Comitê Executivo da Conmebol, mostrando-se também falsa essa informação. Por fim, reafirma que nunca participou, direta ou indiretamente, de qualquer irregularidade ao longo de todas atividades de representação que exerce ou tenha exercido”, diz o comunicado.