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Estalo, queda e tragédia: 10 anos do dia que a Fonte Nova ruiu e matou 7

Jader (esq.), sobrevivente da tragédia, ao lado de Ronaldo, goleiro do Brasileiro de 1988 - Reprodução/ArquivoPessoal
Jader (esq.), sobrevivente da tragédia, ao lado de Ronaldo, goleiro do Brasileiro de 1988 Imagem: Reprodução/ArquivoPessoal

Roberto Oliveira

Colaboração para o UOL, de Salvador

25/11/2017 04h00

Jader e Bruna estavam a poucos metros de distância. A arquibancada tremia. O barulho estrondoso provocado por 60 mil vozes ecoava Fonte Nova afora e o Bahia estava prestes a emergir do calabouço do futebol brasileiro. Bastava um empate com o Vila Nova, de Goiás, para o time de maior torcida do Nordeste dar adeus à Série C. O placar mostrava 0 a 0. O suficiente para contagiar de alegria em vermelho, azul e branco o velho palco do futebol baiano. Uma multidão se amontoava nos arredores. Do lado de fora, as caixas de som dos trios elétricos guardavam na garganta os decibéis do acesso. Era uma festa! Estava tudo segundo os conformes, até o minuto 35 do segundo tempo.

— Buuuuuum!

Uma laje de concreto do anel superior da Fonte Nova cedeu em meio à multidão, abrindo uma clareira estreita o suficiente para derrubar 11 pessoas de uma altura de 15 m em queda livre até o chão. Seis torcedores do Bahia morreram no ato e a sétima vítima não resistiu a caminho do Hospital Geral do Estado. Em meio à catarse, se consumava uma das maiores tragédias da história do futebol brasileiro, que completa dez anos neste sábado (25).

Jader Landerson, hoje com 27 anos, sobreviveu. “Não me lembro de muita coisa não, fomos pro estádio e ficamos curtindo a festa lá dentro. No segundo tempo aconteceu aquele estalo e a gente caiu, desceu, e aí só me lembro de acordar no hospital 10 dias depois”, relembra.  

"Foram 15 metros de altura, o que aconteceu comigo foi um milagre, fiquei preso nas lanças de cabeça para baixo”, conta Jader, cujos amigos de infância não tiveram a mesma sorte. "Perdi dois amigos que foram pro estádio comigo e nunca mais voltaram, Júnior e Jadson. Eu fiquei com um problema na perna, uma perda de tecido, e uns problemas na coluna.”

Jadson Celestino Araújo Silva, Joselito Lima Júnior, Márcia Santos Cruz, Milena Vasquez Palmeira, Djalma Lima Santos, Anísio Marques Neto e Midian Andrade Santos morreram naquele infortunado 25 de novembro de 2007. 

Assim como Jader, Bruna Leal escapou da morte. "Eu lembro que estava todo mundo muito eufórico com o resultado do jogo, observei que como todo mundo tava pulando o chão mexia muito. Tudo bem que é normal dar uma leve mexida, mas na minha impressão estava demais. Mas a gente tava na euforia, não ia parar pra pensar que podia cair. De repente, eu vi um buraco a uns dois metros de mim pro lado direito e as pessoas que estavam pulando do meu lado simplesmente haviam sumido. Só fiz olhar e vi uma cratera no chão, um buraco, e saí correndo avisando pra todo mundo que o estádio estava desabando, foi um desespero”, narra a torcedora do Bahia, que no jogo anterior à catástrofe estava no local exato do desabamento. 

"Eu estava exatamente no local onde houve a fissura que caiu a parte de concreto, exatamente no mesmo lugar. Sei porque sempre ia pra esse lugar e no jogo anterior à tragédia eu tirei uma foto, tinha até uma numeraçãozinha. No dia da tragédia eu escapei porque estava muito cheio e quando eu cheguei já tinha gente lá.”

Uma dessas pessoas era justamente Jader, que desde então nunca voltara a um estádio de futebol. Uma década se passou… 

Depois da tragédia, a velha Fonte Nova veio abaixo pela explosão de 700 kg de dinamite, em agosto de 2010. Numa amargura do destino, o último capítulo do estádio monumental erguido em 1951 aconteceu no acesso que nunca foi comemorado, na festa que nunca se consumou. 

Ergueu-se, então, a Arena Fonte Nova, padrão Fifa, fonte de gols da Copa do Mundo de 2014, que do velho estádio Octávio Mangabeira herdou apenas o marcante formato de ferradura com abertura para o Dique de Tororó. Foi entre os escombros da memória e nova Fonte Nova que Jader se reconciliou com o futebol e seu clube de coração.

"Eu vi que não adiantava nada eu me separar do time. Voltei agora à Fonte Nova depois de 10 anos, voltei ao estádio no jogo Bahia e Santos [último jogo do Bahia em casa, vitória por 3 a 1 no Brasileirão, no dia 16 de novembro]”, diz Jader, comemorando o pé quente. 

O que passou pela sua cabeça? “A primeira memória que veio foi dos meus amigos, fiquei nervoso, depois de 10 anos entrar no lugar do acidente… Mas no segundo tempo foi passando, quando vi nem estava nervoso mais.”

Agora, ele se prepara para voltar novamente à Fonte Nova. Procurado pelo reportagem, o Bahia informou que fará uma homenagem tanto às vítimas, com um minuto de silêncio seguido por um vídeo em memória dos sete torcedores mortos na tragédia, como aos sobreviventes, que serão presenteados com uma camisa do Bahia e assistirão à partida do camarote do clube. 

Bobô: o ídolo absolvido na Justiça e eleito nas urnas

Bobô - Edson Ruiz / Footpress - Edson Ruiz / Footpress
Bobô, deputado estadual pelo PCdoB, ao lado de Popó: dois ídolos do Bahia
Imagem: Edson Ruiz / Footpress

Os dias que se seguiram à tragédia foram de intensa repercussão na mídia local e nacional, com o Ministério Público Estadual e a Superintendência dos Deportos do Estado da Bahia (Sudesb) no centro do embate. 

À frente da Sudesb desde o início de 2007, indicado pelo então governador Jaques Wagner (PT), estava o diretor-geral Raimundo Nonato. Bobô, como era conhecido, tornou-se um dos maiores ídolos da história do Bahia por ter sido o grande destaque do título brasileiro conquistado em 1988, contra o Internacional, após empate sem gols no Beira-Rio. 

No momento em que sete corpos estamparam as capas dos jornais, deixando rastro de revolta e tristeza intraduzíveis entre amigos e familiares, ele viu a idolatria eterna dar lugar à vilania. Assim como o engenheiro civil Nilo dos Santos Júnior, Bobô foi indiciado pelo Ministério Público da Bahia em duas esferas distintas. 

A primeira, criminal, por lesão corporal de natureza culposa e homicídio culposo, quando não há intenção de matar; e a segunda, cível, por improbidade administrativa. Segundo o MPE, a dupla teria sido negligente por ter destinado R$ 1,6 milhão para realização de obras de fachada, quando tinham ciência da necessidade de obras estruturais na velha Fonte Nova. 

Em agosto de 2009, quase dois anos após o desastre, Bobô e Nilo foram julgados e inocentados pelo juiz da 10ª Vara Criminal de Salvador, José Reginaldo Nogueira, que entendeu não haver “indícios de negligência”.

“Em tema de delito culposo, tem sido sempre entendido que a culpa deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável, não se admitindo a sua demonstração por presunções ou ilações dedutivas, sendo incabível falar em culpabilidade em razão da prova conduzida, que não evidenciou qualquer ato positivo dos réus que tenha contribuído para o fim trágico”, sentenciou o magistrado. 

Insatisfeito, o MPE recorreu da decisão dias depois e o caso foi a novo julgamento em julho de 2010, em segunda instância, pela juíza Aidil Conceição, da Segunda Câmara Criminal da Justiça da Bahia. O resultado foi o mesmo da sentença proferida no ano anterior: absolvição dos réus. 

Uma década após a tragédia, a ação cível referente à acusação de improbidade administrativa, que tramita na 5ª Vara da Fazenda Pública, ainda aguarda julgamento. Em 2014, Bobô candidatou-se a deputado estadual pelo PCdoB com o número 65888 (em clara alusão ao último título brasileiro do Bahia) e foi eleito com 27.242 votos. A reportagem tentou contato telefônico e por mensagem com o deputado ao longo de toda semana, mas não foi atendida. 

Ministério Público: resposta da Justiça foi insatisfatória

Em resposta aos questionamentos enviados pelo UOL Esporte, o Ministério Público da Bahia se posicionou em nota oficial e assumiu tom crítico em relação ao Poder Judiciário.

"Em relação à tragédia da Fonte Nova, que completa 10 anos no próximo dia 25 de novembro, o Ministério Público do Estado da Bahia informa que procuradores e promotores de Justiça atuaram com afinco, tanto na esfera cível quanto na criminal, cabendo ao Poder Judiciário a resposta às demandas. A Instituição lamenta que, transcorrida uma década do episódio que marcou a história da Bahia, ceifou sete vidas e trouxe sequelas irreversíveis para diversas famílias, a sociedade não tenha obtido a resposta esperada”, avalia. 

O MPE ainda destacou que havia requerido em ação civil pública de 2006, portanto anterior ao acidente, a interdição da Fonte Nova devido a condições precárias.

"No âmbito de defesa do consumidor, o MPE ingressou em janeiro de 2006, mesmo antes do incidente, com a Ação Civil Pública contra a Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (Sudesb) e o Esporte Clube Bahia requerendo a interdição do estádio em caráter liminar em razão das condições precárias”, diz a nota.

Segundo o entendimento do Ministério Público, a CBF, a Federação Baiana, o Bahia e a PM tinham consciência dos riscos envolvidos na realização de partidas na Fonte Nova. O órgão também acionou a esfera civil contra estas instituições, mas não teve as ações julgadas pelo Judiciário. 

"Em 06 de dezembro de 2007, a 5a Promotoria de Justiça do Consumidor ajuizou a Ação Civil Pública contra a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Federação Baiana de Futebol (FBF), Esporte Clube Bahia e a Polícia Militar do Estado da Bahia por entender que as entidades tinham conhecimento da situação precária da Fonte Nova e de forma negligente permitiram a realização de partidas de futebol no estádio. De acordo com a promotora de Justiça Joseane Suzart, autora das ações, as mesmas não foram julgadas pelo Poder Judiciário, mesmo após 25 petições pugnando pelo julgamento do feito”, conclui. 

O UOL Esporte entrou em contato tanto com a CBF como com o Tribunal de Justiça da Bahia ao longo da semana, enviou correspondência eletrônica a pedido das respectivas assessorias de imprensa, mas não teve seus questionamento respondidos até o fechamento da reportagem. Por sua vez, o Bahia preferiu não se posicionar sobre o entendimento do Ministério Público.

Passados dez anos da tragédia, as sete mortes continuam impunes. Para quem sobreviveu, o sentimento que fica é de indignação. “A impunidade incomoda, porque era importante que os culpados aparecessem, porque me lembro que disseram que os problemas [na Fonte Nova] já existiam há muito tempo. O culpado sabe quem foi que liberou”, afirma Jader Landerson.