Defesa de Marin diz que ele era "rei" e atribui corrupção a Del Nero
Charles Stillman, advogado de defesa do ex-presidente da CBF, José Maria Marin, no julgamento dos casos de corrupção da Fifa, fez as considerações finais de sua defesa perante o júri na manhã desta quinta-feira. Na tentativa de salvar seu cliente, ele usou uma tese bastante mencionada pelas testemunhas da Promotoria dos Estados Unidos, que diziam que a CBF funcionava como uma monarquia: Marin seria o rei, que fazia discursos e levantava brindes, enquanto Marco Polo Del Nero, atual comandante da entidade, era o presidente de fato, que tomava as decisões e recebia os pagamentos de propina pelos direitos de transmissões de jogos das Copas América, Libertadores e Copa do Brasil.
Para Stillman, Marin (presidente entre 2012 e 2014) era "o jogador que está em campo, mas não está jogando" e não aceitava suborno porque já era um homem rico, não precisava do dinheiro e nem se deu conta do envolvimento de Marco Polo Del Neto e Ricardo Teixeira (antecessor de Marin) nas conspirações pela corrupção. Os advogados mencionaram Marin como "inocente e ingênuo" nos atos ilícitos.
Para provar seu ponto, a defesa usou a forma como Marin foi parar na presidência da CBF: após a renúncia de Ricardo Teixeira em 2012, de acordo com o estatuto da CBF, o vice-presidente mais velho é quem deveria assumir. Por isso a defesa já havia dito outras vezes que a presidência da CBF "caiu no colo de Marin" e que "foi algo que ele nunca quis".
Stillman afirmou ainda que nenhuma das testemunhas disse ter pago ou visto alguém pagar propina ao réu. E, ainda reiterou que, nas planilhas de Eladio Rodrigues, executivo da TyC e braço direito de Alejandro Burzaco (ex-diretor da empresa que operava o pagamento de propinas), o nome que sempre aparece é "MP" ou "brasileiro" e que esta pessoa é Marco Polo Del Nero. Rodrigues, no entanto, afirmou anteriormente em seu depoimento que "brasileiro" primeiramente se referia a Ricardo Teixeira e que, após sua renúncia, o nome foi mantido, mas os pagamentos redirecionados a Marin e Del Nero.
"Del Nero (vice durante o mandato de Marin) era o herdeiro natural da presidência da CBF, mas ele não esperava a renúncia de Teixeira. Meu cliente podia até ser o presidente, mas não era ele quem mandava. Tanto que quem foi eleito para o comitê executivo da Fifa foi o senhor Del Nero, quando em geral esse cargo é ocupado pelo presidente da federação. Não podia ser mais claro seu papel marginal em tudo isso", argumentou com o júri.
A tese da monarquia foi corroborada por vários dos delatores, que afirmavam que Marin e Del Nero "estavam sempre juntos", "eram uma única pessoa", " eram gêmeos siameses". Burzaco e J. Hawilla, ex-presidente da Traffic (outra empresa que operava o pagamento de propinas), disseram em seus depoimentos que a CBF era uma monarquia em que o rei (Marin, neste caso) tem apenas um papel decorativo.
"Marco Polo era quem mandava no show no futebol brasileiro. Os discursos pertenciam a Marin, mas as decisões eram de Del Nero. Ele era visto como quem mandava na CBF", comentou o advogado.
Depois de desqualificar o papel de Marin na CBF, o advogado disse que não queria desrespeitar seu cliente, mas que estes eram os fatos.
Tréplica: promotoria rebate defesa de Marin antes de decisão do júri
Segundo o promotor do caso, Samuel Nitze, não há como conciliar a tese da defesa de que apenas Marco Polo Del Nero receberia propina e José Maria Marin, não. A contrapartida do posicionamento dos advogados de Marin foi a tônica da tréplica nesta quinta-feira.
Segundo Nitze, de acordo com os depoimentos de Burzaco e Hawilla, subornar Marin e Del Nero era a única maneira de "conseguir o Brasil" nas negociações pelos direitos de transmissões. "Existe um no conselho executivo da Fifa e outro que vai às reuniões no Conmebol. É assim que eles conseguiam [colocar] o Brasil no esquema.". Nitze disse ainda que nos e-mails que Eladio Rodrigues mandava para si mesmo sobre os pagamentos, quando se referia ao Brasil era sempre como "eles".
Sobre a gravação feita por Hawilla, o promotor ressaltou que Marin estava respondendo a seu interlocutor sobre um pagamento de propina quando respondeu "vou falar com Del Nero sobre isso, mas tem que ser pessoalmente". Sobre Marin apenas "levantar brindes", Nitze refutou apresentando a assinatura do contrato para a Copa América Centenário. Já a respeito dos três pagamentos de US$ 500 milhões feitos na conta da Firelli, chamados pelos advogados de Marin de "mera especulação", a Promotoria falou em "prova cabal".
A defesa de Marin tentou desqualificar o depoimento de José Hawilla dizendo que ele continuou pagando propina mesmo depois de começar a colaborar com o governo americano — embora ele tenha assinado seu acordo de delação após esses pagamentos. Mas a Promotoria argumentou que isto é verdade, e que ele pagou US$ 5 milhões, cuja metade foi parar nas mãos de Marin.
Durante a defesa de Manuel Burga, seu advogado tentou usar um trecho de uma gravação de conversa entre Hawilla de Alejandro Burzaco, em que ele disse que tem uma pessoa na Conmebol que não aceitava receber propina porque era honesto. Em seguida, sugeriu que essa pessoa era seu cliente. Nitze rebateu: "Realmente havia uma pessoa que não recebia propina, mas não era nenhum desses três. Era o presidente da federação uruguaia, que foi substituído por outro que participou do esquema."
"Quem quer lavar dinheiro não abre conta nos EUA"
Sobre os extratos da conta da Firelli, empresa apontada pela Promotoria como laranja para fluxo de propinas, e que pertence a Marin e sua esposa, Neuza, o advogado disse que não faz sentido abrir uma conta para lavagem de dinheiro nos Estados Unidos e não em um paraíso fiscal. E que isso inclusive é contra a definição de lavagem de dinheiro feita por especialistas ouvidos pela Promotoria e pelo júri durante este caso.
"Toda a definição de lavagem de dinheiro está no fato de tentar esconder a origem dos pagamentos. Uma pessoa que quer lavar dinheiro não abre uma conta nos Estados Unidos, que é um dos países mais protegidos contra esse tipo de prática."
Até a crise econômica brasileira foi usada como argumento para justificar a existência da conta de Marin em Nova York. "Há razões legítimas para se ter dinheiro em contas nos Estados Unidos. Uma delas é se proteger da instabilidade econômica. E a economia brasileira, como disse J. Hawilla em seu depoimento, entrou e ainda está em colapso."
Os gastos em grifes de luxo também foram minimizados pela defesa de Marin: "Gente rica gasta dinheiro e isto não é contra a lei".
O advogado falou ainda que a empresa Expertise, supostamente criada para transferência de propina para Marin e Del Nero pela Promotoria, não era uma empresa laranja e que, segundo análise da Receita Federal americana feita em seus extratos, fez apenas oito transferências para a conta da Firelli, de um total de 93.
A gravação de uma conversa entre entre J. Hawilla e Marin, em que os dois discutem as razões pelas quais Teixeira estaria recebendo R$ 1 milhão, mesmo tendo saído da CBF, enquanto Marin e Del Nero somente R$ 500 mil cada, foi citada superficialmente: "Aquelas gravações foram feitas com objetivo de se conseguir provas contra os réus e não devem ser levadas em consideração. Ele (Hawilla) estava fazendo de tudo para salvar o acordo de colaboração que ele fez. Não importa como vocês interpretam aquela gravação, mas o fato é que o Hawilla teve de admitir que nunca deu dinheiro ao Marin nem nunca viu ninguém dar".
Napout e Burga culpam redes de televisão pelos crimes
As defesas dos outros dois acusados em julgamento nos Estados Unidos, Juan Ángel Napout, ex-presidente da Conmebol, e Manuel Burga, ex-presidente da Federação Peruana, assim como a de José Maria Marin, em nenhum momento negaram a existência de corrupção entre executivos do futebol. Mas optaram por culpar os executivos da Full Play, Mariano e Hugo Jinkis, da Torneos y Competencias, Alejandro Burzaco, e da Traffic, J. Hawilla, "que pagaram propina para manter seus direitos de transmissão e faturaram milhões".
Entre os cartolas, os acusados resolveram culpar Julio Grondona, ex-presidente da Federação Argentina, morto em 2014, Nicolás Leoz, ex-presidente da Conmebol, e Ricardo Teixeira, presidente da CBF que antecedeu Marin.
Outro momento que chamou a atenção durante a defesa foi a acusação da Promotoria de que Marin, Napout e Burga desrespeitaram o código de ética da Fifa e da Conmebol. Segundo o advogado de Marin, não há provas de que o regulamento tenha sido traduzidos para o português ou que ele tenha recebido uma cópia do código e lido seu conteúdo.
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