Sonho no futebol levou brasileiro à obra do metrô antes de "filme" nos EUA
"Assim que anunciaram que eu estava em terras americanas já fiquei empolgado. Era meu sonho estar aqui, uma luta muito grande. Quando pisei no solo, falei "Nossa Senhora", saí na rua desacreditado, parecia que estava num filme, não é possível. Faz um mês, mas me emociono até hoje. Eu acordo e parece que estou na cena três ou quatro de um filme".
O "filme" vivido por Gabriel de Brito Curioso, paulistano de 24 anos, é uma realidade cada vez mais comum para jovens brasileiros nos Estados Unidos: ele cursa Business na Indian Hills Community College, em Iowa, e joga futebol pela universidade como forma de financiar os estudos. Mas antes disso tudo virar realidade, o jovem criado nos bairros de Campo Limpo e Parelheiros, periferia de São Paulo, tentou carreira por aqui e teve tempo até de desistir.
Gabriel começou em uma escolinha da franquia Meninos da Vila, do Santos, mas teve experiências significativas no futebol depois de sair de lá: defendeu o Barcelona Esportivo Capela, da capital paulista, e o São Judas, em Jaguariúna, antes de ser aceito para um período de quatro meses no Santos. Sem ser integrado às categorias de base do Peixe com um contrato formal, o jovem volante defendeu o Juventus-SP, jogou uma Copa São Paulo de Juniores pelo São José, em 2013, e também defendeu o Penapolense em uma edição do Paulistão sub-20. Enfim, ele era uma promessa como tantas outras do nosso futebol.
Logo após deixar o time de Penápolis, o garoto ficou no limbo - que também é comum para quem sonha com esta carreira. Na época, no entanto, a família não podia mais bancar os planos de Gabriel. "Estava meio pesado para eles", admite, anos depois. A solução foi entrar no mercado formal de trabalho, com carteira assinada e horas semanais. O futebol ficaria em espera.
"Arrumei emprego em uma farmácia, mas durou três meses, porque saí para tentar o futebol de novo. Era um time de São Roque, mas não foi para frente. Voltei para casa e comecei a trabalhar no supermercado como caixa, mas eu trabalhava das 16h às 23h, quatro dias por semana, e ganhava R$ 400. Jogando na várzea eu ganharia mais", desabafa Gabriel Curioso, em entrevista ao UOL Esporte.
Enquanto defendia o Raça no futebol de várzea de São Paulo, a promessa quase frustrada encontrou outra forma de levar dinheiro para casa, que só tinha Gilberto, seu padrasto, trabalhando, como taxista - sua mãe, Andréia, estava estudando para virar professora, e a irmã Giulia ainda é adolescente. Em pouco tempo, Gabriel começou a trabalhar nas obras da Linha 5 do Metrô de São Paulo, que começou a ser construída em março de 1998 e tem previsão de conclusão para dezembro deste ano.
"Enquanto jogava na várzea comecei a trabalhar com uma pessoa em obras, a princípio com textura e acabamento em casas. Também fazia uns bicos de pedreiro e aprendi a profissão. Uma coisa foi levando à outra e acabei no Metrô, trabalhando como montador de andaime e pedreiro em frente à estação do Ibirapuera. Era diariamente, das 7h às 17h. E tinha dias que eu fazia hora extra, ia até 19h algumas vezes. E tinha que sair de casa às 4h, em Parelheiros, para chegar", relembra Gabriel, que levou as lições de oito meses na obra para a vida.
"Era puxado. Trabalho em obra não é fácil, tem que estar disposto. Você está cansado, mas precisa levantar, porque as contas não param de chegar. Tive que batalhar, trabalhar em lugares que estavam fora da minha realidade, me doar mesmo, passar por cima de tudo".
Na época, poucos sabiam. Mas hoje Gabriel conta para quem quiser ouvir: parte do dinheiro suado ganho com o trabalho nas obras do metrô e o futebol de várzea era reservado para financiar o sonho de ir aos Estados Unidos. Por meio de agências de intercâmbio, o jovem brasileiro começou a desenhar o plano de entrar em uma universidade americana. Era a única forma de se manter dentro do futebol e ainda melhorar o currículo para posteriormente mudar de vida.
Além do dinheiro do próprio trabalho, o sonho também foi financiado por arrecadações coletivas de dinheiro realizadas por pessoas do Raça, como dirigentes, treinadores e jogadores, e uma empresa de intercâmbio em que ele teve acompanhamento físico e técnico antes de embarcar. Mas mesmo quando tudo parecia resolvido, um último desafio ainda foi superado.
"Juntei o dinheiro de janeiro a dezembro de 2017 e em janeiro de 2018 comecei os últimos preparativos antes do embarque, que seria em 18 de fevereiro. Primeiro tive o visto negado, mas fiz uma aplicação logo depois e aceitaram. Ótimo. Por fim eu fui comprar a passagem, mas não tinha cartão de crédito para passar. Consegui ajuda de um morador lá do bairro, torcedor do Raça, que tinha limite disponível e me ajudou. Aos 44 do segundo tempo deu tudo certo e eu consegui embarcar", relembra, entre suspiros de alívio mesmo passado mais de um mês.
Hoje em dia, Gabriel de Brito Curioso mantém uma rotina tranquila nos Estados Unidos: acorda sempre às 7h e tem aula de segunda a quinta-feira para pegar fluência na língua inglesa. Em três meses ele estará apto a iniciar o curso de Business e também defender oficialmente o time da universidade como jogador - hoje, o único compromisso marcado é um amistoso no próximo dia 26. A história do filme não está nem na metade.
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