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Time rebaixado tem suposta manipulação, goleiro improvisado e mala branca

União Barbarense perdeu 10 de 19 jogos e caiu à Quarta Divisão do futebol paulista - Reprodução/Instagram
União Barbarense perdeu 10 de 19 jogos e caiu à Quarta Divisão do futebol paulista Imagem: Reprodução/Instagram

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

26/03/2018 18h11

O União Barbarense, que é um dos clubes mais tradicionais de futebol no interior de São Paulo, está no centro de uma grande polêmica. Neste domingo, o time da cidade de Santa Bárbara D'Oeste empatou em 0 a 0 com o Marília e foi rebaixado à Série B (equivalente à quarta divisão do Campeonato Paulista) para 2019. Porém, as 72 horas que antecederam a realização da partida é que foram cercadas de grande tumulto e expectativa: neste espaço de tempo, seis jogadores tiveram os contratos rescindidos, um ex-técnico foi denunciado, um Boletim de Ocorrência aberto para investigar denúncia de manipulação de resultados e um volante de 42 anos foi escalado para atuar improvisado como goleiro.

De acordo com o clube, o técnico Claudemir Peixoto, que iniciou a disputa da Série A-3 do Paulistão (equivalente à terceira divisão) no comando do União Barbarense, encabeçaria um esquema que buscava "construir" resultados de jogos a pedido de apostadores em sites internacionais. O B.O. registrado pelo presidente Jairo Araújo cita uma partida contra a Matonense em que o treinador teria recebido R$ 40 mil para manipular o placar, que acabou em 2 a 0 para o adversário.

"Houve uma confissão que fora gravada em áudio sobre suposta manipulação de resultados por parte de Magnun (Magno, na verdade) e Alex, de que teriam sido procurados pelo Claudemir Peixoto, o qual ofereceu vantagem financeira para que o ajudasse a manipular o resultado de outros jogos, ambos afirmando ainda que esse esquema existe desde a 1ª rodada do Campeonato Paulista Série A3-2018", relata o Boletim de Ocorrência ao qual o UOL Esporte teve acesso, e que ainda cita mais seis jogadores do clube: os atacantes Wilker  e Rafael Magalhães, os laterais Lincoln e Souza, e os goleiros Waldson e Thiago Luis como envolvidos no esquema.

Claudemir Peixoto se defende das acusações

Acusado de liderar o esquema, o treinador nega qualquer participação. "Fui pego de surpresa com tudo isso. Não sei se alguém jogou essa bomba para amenizar o rebaixamento que o clube teve, uma coisa que foi dramática na cidade. Com esse problema nem se falou do rebaixamento. Algo que achei bem estranho também é que o caso traz várias pessoas envolvidas, todas trabalhavam no clube, mas a diretoria liberou todas e jogou meu nome como principal. Vamos supor que uma pessoa roube sua empresa. Você deixa ir embora para depois ligar e perguntar se ele roubou ou chama para esclarecer os fatos? Foi uma bomba que os caras jogaram para tirar o rebaixamento de circulação" questiona o técnico, que ainda completou sua argumentação:

Claudemir Peixoto, técnico do União Barbarense - Divulgação/União Barbarense - Divulgação/União Barbarense
Técnico foi demitido há duas rodadas do fim da A3, antes do vazamento das denúncias
Imagem: Divulgação/União Barbarense

"Eu liguei para um diretor na sexta-feira (23), que foi quando esse boato saiu. Ele disse para eu não ficar preocupado. Liguei para o Alex e para o Magno e os dois, não sei se estão sendo forçados, disseram que não teve nada disso. Que o Edvaldo (Souza, gerente de futebol) e o Gallina (diretor de futebol) chegaram lá falando que era isso. Até cobrei a situação deles, mas disseram que o clube estava tentando achar pelo em ovo. Disseram: "A gente não é louco de fazer uma coisa dessas. Vamos trabalhar onde depois?". É triste isso. Queria saber onde está esse dinheiro. Se eu tivesse ganho R$ 40 mil na primeira rodada eu trabalharia dois jogos e sairia do clube, porque isso é dez vezes do que eu ganhava por mês. Ainda não teria dor de cabeça, xingo de torcedor, nem nada disso durante 17 jogos. Agora além de não levar nada (o suposto suborno) eu levei a fama", diz o treinador, demitido em 19 de março.

Quatro dias após a saída de Claudemir Peixoto, o União Barbarense rescindiu com seis jogadores sem dar justificativas oficiais (dos oito envolvidos, os únicos que ficaram foram Magno e Alex, os supostos delatores do esquema). Após mais dois dias, o clube registrou o Boletim de Ocorrência baseado nas declarações de Magno e Alex. Os dois jogadores que falam no áudio mostrado à Polícia estiveram envolvidos em uma confusão com outros companheiros de time após um treinamento ao longo da semana, presenciado pela imprensa local.

"O motivo (da discussão) era justamente essa situação", relata a jornalista Natália Furlan, que acompanha o União Barbarense pela rádio "Luzes da Ribalta". A informação da existência do esquema vazou entre os jogadores, que fizeram cobranças àqueles supostamente envolvidos. A parcela do elenco que se sentiu prejudicada pelos placares obtidos via manipulação obrigou quem teria embolsado dinheiro para vender os jogos a se denunciar à diretoria, o que foi feito antes do último jogo da Série A-3.

Como o clube soube da suposta manipulação?

"A diretoria ficou sabendo primeiramente através de uma ligação anônima que falava de atletas envolvidos em um suposto esquema de venda de resultados para um site de apostas. No jogo seguinte o pessoal do estádio me disse que um dos veículos que queriam autorização para entrar era suspeito de envolvimento com apostas. Isso começou a chamar minha atenção e convoquei jogadores de minha confiança para conversar. Passei o fato e pedi para ficarem atentos. Então eles mesmos descobriram que havia jogadores envolvidos, sim. E para nossa surpresa disseram que quem comandava tudo era nosso treinador", conta Edvaldo Souza, gerente de futebol do clube, que cogita uma representação à FPF (Federação Paulista de Futebol) para rever o rebaixamento do União Barbarense.

"O coronel Isidro Suita Martinez indicou que fizéssemos o B.O., não tinha como deixar o assunto morrer. Mas não estamos acusando ninguém, está nas mãos da Justiça. Se for comprovado que houve fraude, e acredito que houve, vamos entrar com um mandado de segurança para ser reconhecido que um time que sofreu com um esquema de manipulação de resultados não pode ser rebaixado. Quero que seja apurado e esclarecido, e se alguém deve alguma coisa que pague por isso", explica Souza.

Outras pessoas ouvidas pela reportagem ainda citam eventos "estranhos" presenciados em partidas do União Barbarense na competição: há relatos de jogo com substituição de goleiro em que o reserva sofreu dois gols relâmpago, atacante que não comemorou um gol marcado, goleiro e atacante que se trombam na área, única vitória do Mogi Mirim em todo o torneio e falhas técnicas espantosas. No fim, a campanha teve quatro vitórias, cinco empates e dez derrotas, com 12 gols marcados, 28 gols sofridos e o 17º lugar na tabela de classificação.

Campeão da Série C do Campeonato Brasileiro em 2004, o União Barbarense já reportou o caso à Federação Paulista de Futebol, que possui um Comitê de Integridade criado há dois anos para investigações desta natureza. Este órgão fará uma análise preliminar do caso para encaminhá-lo a departamentos competentes, como a Polícia, o Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) ou até o Ministério Público.

A reportagem do UOL Esporte procurou o presidente do time e os oito jogadores citados no suposto esquema de manipulação de resultados, mas nenhum deles respondeu às ligações.

Cláudio Britto, do União Barbarense - Reprodução/Instagram Stories - Reprodução/Instagram Stories
Cláudio Britto, que jogou no gol, enalteceu o feito em suas redes sociais
Imagem: Reprodução/Instagram Stories

Volante de 42 anos virou goleiro no último jogo

Não bastasse a polêmica em relação à manipulação de resultados, o União Barbarense enfrentou outro caso delicado antes da partida contra o Marília. O goleiro Alan Tobias, que seria titular após a dispensa de dois outros goleiros durante a semana, abandonou a concentração horas antes de a bola rolar. O jogador de 29 anos reclamava que a diretoria embolsaria a maior parte dos valores pagos por um outro clube como incentivo para o Barbarense não perder, enquanto os jogadores ficariam com pouco dinheiro. O clube confirma que havia acertado de receber a "mala branca", mas nega as acusações de Alan.

"A situação do Alan não tem relação com o caso de manipulação de resultados. Outro time fez uma proposta financeira para o União ganhar ou empatar o último jogo e ele se posicionou de que queria um valor maior que o dos companheiros. Ele, então, disse que não iria para o jogo dentro da nossa posição. Não acreditávamos, mas ele realmente não foi. Um jogador que recebe salário do clube não pode deixar de jogar por causa de premiação. É uma situação extremamente antiprofissional", acusa Edvaldo Souza.

O União Barbarense não tinha nenhum outro goleiro inscrito na Série A-3 do Campeonato Paulista e quem atuou na posição durante os 90 minutos contra o Marília foi o experiente volante Cláudio Britto, de 42 anos. O time não sofreu gols e empatou em 0 a 0 diante de sua torcida.

"Foram duas bolas no nosso gol e ele defendeu as duas. Nosso treinador interino armou a equipe bem defensiva e o Marília não conseguiu penetrar. Nos dois chutes que chegaram ele foi muito bem. O goleiro que não foi para o jogo não fez falta nenhuma", provoca o dirigente do time de Santa Bárbara. Mesmo com o empate, a equipe caiu para a quarta divisão. Para permanecer na Série A-3, o time precisaria vencer o Marília e torcer por uma combinação improvável de resultados.

Segundo caso na semana

Este é a segunda denúncia de manipulação de resultados no futebol brasileiro em menos de uma semana. No Paraná, o Ministério Público Estadual abriu investigação para apurar um suposto esquema envolvendo o Rio Branco. Segundo a denúncia feita também pelo presidente do time, o lateral-esquerdo Thiaguinho teria sido o intermediário de um apostador de sites internacionais com parte do elenco da equipe, oferecendo R$ 5 mil a cada atleta que aceitasse manipular o resultado de jogos do Paranaense.

O Rio Branco foi vice-campeão do primeiro turno do Campeonato Paranaense e terminou o segundo turno salvo do rebaixamento na última rodada. O risco de degola foi imposto por uma derrota para o Londrina, jogo este suspeito de manipulação de resultado. Thiaguinho e os jogadores citados negam também qualquer participação no esquema.