Aposentado, Luisão virou lenda no Benfica e foi reverenciado até por rivais
Em seu início no Benfica, Luisão sofreu com os problemas físicos e, em diversos momentos, por exigência do então técnico José Antonio Camacho, teve de entrar em campo sem estar completamente recuperado. A pressão que vinha da imprensa e dos torcedores apenas aumentava e, em determinada altura, fez o ex-zagueiro do Cruzeiro pensar em voltar ao Brasil.
Foi então que, ao fim de um dos treinos, ao se dirigir para o estacionamento dentro do Estádio da Luz, em Lisboa, ele desabou a chorar e esbarrou por acaso no psicólogo encarnado Pedro Almeida. Em conversa informal, contou toda a situação e ouviu as palavras que mudariam a sua carreira.
"Se for voltar, tem de voltar como vitorioso e não como derrotado", escutou, entre os carros.
Luisão nunca retornou ao Brasil. Ou mesmo ousou pisar em um gramado com qualquer outra camisa que não fosse a do Benfica depois daquele dia. Ele ficou naquele clube que imaginava ser apenas um trampolim para outra liga e construiu um bonito capítulo, talvez não tão conhecido entre seus conterrâneos, mas reverenciado em Portugal - até por rivais.
Foram 15 anos de Benfica que chegaram ao fim – pelo menos dentro de campo – nesta semana, com a sua aposentadoria. No período, o defensor de 37 anos nascido em Amparo, interior de São Paulo, se tornou o jogador mais vitorioso da história do time ao conquistar 20 títulos. Ele esteve em ação em 538 jogos, a maior marca de um estrangeiro e superada apenas pelo português Nené, com 578.
Não precisava da braçadeira de capitão para exercer a sua liderança, mas, em 2011, a recebeu das mãos de outra lenda da equipe, Nuno Gomes.
O ex-atacante, que balançou as redes diversas vezes ao seu lado, acompanhou de perto os primeiros passos de Luisão em Lisboa e a sua transformação em um dos atletas brasileiros de maior sucesso no exterior.
"No início, o Luisão era uma pessoa um pouco introvertida, tímida, estava ainda conhecendo os cantos da casa, como dizemos aqui. Logo cedo, apesar de novo, se estabeleceu como um jogador de muita personalidade e que se fazia valer de sua estatura física para impor respeito não só em campo, mas também fora", contou Nuno, hoje comentarista da emissora TVI, ao UOL Esporte.
"O que recordo mais dele é que houve uma altura em que, muitas vezes, bastava uma troca de olhar para que cada um entendesse o que o outro queria dizer", prosseguiu.
"Fomos crescendo junto com o clube, que passou por muita mudança em sua estrutura (naquele período), o estádio não estava construído, não existia academia. Fomos criando uma ligação e chegamos a ser os mais velhos, com mais tempo de casa, dentro do elenco", completou.
Multicampeão com o Cruzeiro, convocado para a seleção e assediado no mercado, Luisão escolheu o Benfica para construir a sua carreira em uma fase em que o clube vinha desacreditado. Como os cartolas locais costumam dizer, acabou virando "o único sobrevivente de seu caos".
Com conversas avançadas para virar diretor de relações internacionais, ele talvez ainda não tenha dimensão de que a sua despedida sedimenta o fim de uma era na Luz.
"O Benfica irá continuar, vai seguir jogando com 11 jogadores, nada disso mudará (risos). Acho que não há jogadores insubstituíveis. Mas existem alguns que recordamos mais ou menos. O Luisão será sempre uma referência para os mais jovens, um exemplo a seguir como profissional e de respeito para com a instituição. Quando vieram a nos perguntar o que fazer para ter sucesso, uma das respostas será olhar a carreira do Luisão", analisou Nuno Gomes.
"Em termos esportivos, foi uma das pessoas que ajudou mais companheiros a se tornarem o que são hoje, nomes mundialmente conhecidos, casos de David Luiz (Chelsea), Lindelof (Manchester United), Garay (Valencia), Rúben Dias (revelação do Benfica) e Jardel (atual capitão). Foi sempre um elemento muito agregador e que melhorava os colegas ao seu redor", concluiu.
Obrigado, capitão
Com uma camisa gigante que estampava o número 4, os 20 troféus que conquistou espalhados ao redor de um palco montado no gramado e a sua esposa e duas filhas sentadas ao seu lado, Luisão subiu a campo no fim da tarde da última terça-feira, 25, para se despedir do futebol em evento fechado para funcionários do Benfica e a imprensa na Luz.
Foram tantos jogos em 15 anos que somente em um momento ele se permitiu ser vencido pelo nervosismo, ao perguntar ao diretor de comunicação Ricardo Lemos o número de vezes que entrou em campo com a camisa do clube.
Não dá para dizer o mesmo das lágrimas, que acabaram superadas com a mesma dureza com que enfrentava os adversários e, em nenhum instante, escorreram pelo seu rosto. Em discurso, o presidente Luís Filipe Vieira chegou a chamá-lo de "companheiro de viagem" e o presenteou com um quadro com uma capa do Jornal do Benfica, publicada logo após a sua chegada, em 2003.
"Quero fazer história no Benfica", dizia o então recém-chegado do Cruzeiro.
Não resta dúvida de que Luisão conseguiu, com sobras. A expectativa, ainda assim, era de que o seu adeus ao Benfica viesse somente em maio. Ele havia renovado contrato por mais um ano com o time, mas foi utilizado por somente sete minutos ainda na pré-temporada, não vinha atuando e ficou fora da lista de inscritos na Liga dos Campeões.
Em comum acordo, decidiu, então, rescindir o seu contrato e antecipar os seus planos pós-carreira. Foi um sonho que nasceu em Belo Horizonte, sobreviveu às críticas e teve o seu destino selado em uma conversa no estacionamento do estádio lisboeta.
"Essa era uma situação previsível, pois ele não tem sequer sido convocado (para as partidas). Pelo seu passado no Benfica, o segundo jogador com mais jogos e o que tem de títulos, é a melhor decisão. Deixar arrastar esta situação em nada honraria o seu trajeto", avaliou o repórter Nuno Martins, do jornal Record.
"O renascimento do Benfica": relato de João Gonçalves, comentarista da BTV
"O Luisão representa simbolicamente o renascimento do futebol do Benfica. Ele chegou a Lisboa em 2003 e até sentiu dificuldades para se impor. Na altura, o Benfica tentava começar uma nova vida após o reinado do presidente Vale e Azevedo, que quase levou o clube para um abismo sem fundo. Luisão começou como apenas mais um zagueiro brasileiro a tentar a sua sorte no Benfica, como tantos outros que já passaram pelo clube, para, aos poucos, escrever uma das histórias mais bonitas e impressionantes como capitão de equipe.
Um ano após a sua chegada, já celebrava o retorno aos títulos do Benfica e logo contra o Porto de Mourinho, que viria a ser campeão europeu. Aconteceu no Estádio do Jamor, na final da Taça de Portugal em 2003/2004. Na temporada seguinte, o Benfica voltava, finalmente, ao seu lugar de campeão nacional. Um jejum que começou em 1994 e que foi quebrado com Luisão a dar o mote ainda muito cedo na temporada. Após uma inesperada derrota em casa, o capitão afirmou que as contas se fazem no fim e que o Benfica ia ser campeão. E foi mesmo. Com um gol decisivo de Luisão no dérbi na Luz contra o Sporting, na penúltima rodada da liga.
Também foi com um gol do camisa 4 que o Benfica bateu o Liverpool, naquela altura campeão europeu, no primeiro jogo das oitavas de final da Liga dos Campeões em 2006, na Luz. Na viagem a Anfield, o Benfica voltou a encantar a Europa ao bater os Reds por 2 a 0.
Luisão chegou ao Benfica e ainda nem estava pronto o novo estádio da Luz. Andava com a casa às costas para jogar e treinar. Acompanhou todo o crescimento do clube, o centro de estágio no Seixal, um novo nível competitivo e a recuperação da gloriosa identidade do clube. Fez parte da história do Benfica, com intervenção direta, com desempenho profissional de liderança. É o capitão do Benfica que simbolicamente representa o regresso do Benfica ao seu caminho vencedor. Um líder dentro e fora de campo, respeitado e acarinhado. Ficará para sempre como uma lenda do Benfica juntando-se aos mais emblemáticos da fabulosa história do Sport Lisboa e Benfica".
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