Ele viu os pais mortos, jogou duas Copas, foi preso e perdeu um filho bebê
Stig Toefting tem vivido uma vida tranquila desde que deixou os gramados em 2007. Aos 49 anos, o dinamarquês trabalhou como assistente técnico em duas equipes de seu país (Randers, de 2007 a 2009, e AGF, em 2010), e desde 2009 é comentarista esportivo em diferentes canais.
Só que a trajetória até esse momento de aparente tranquilidade foi bastante atribulada. Ao longo da vida, Toefting encontrou os pais mortos, foi preso, perdeu um filho recém-nascido, foi campeão e jogou duas Copas do Mundo.
Criado nas categorias de base do AGF, clube tradicional da cidade de Aarhus, Toefting tinha uma boa notícia para dar aos pais em 30 de julho de 1983: sua equipe seria finalista de um torneio juvenil já no dia seguinte, diante de observadores da Associação Dinamarquesa de Futebol, a DBU.
No entanto, ao chegar em casa, o futuro volante não foi recebido pelo pai ou pela mãe com um cumprimento pela janela da cozinha, como de costume. Depois de entrar pela porta, o jogador, então com 13 anos, foi recebido pela cachorra da família. "Senti algo errado", contou ele, em declarações ao jornal britânico Daily Mail.
Em um corredor da casa, o pai de Stig, Poul, 41 anos, estava deitado em meio a uma poça de sangue. Ao seu lado, estava uma arma de caça. No chão da cozinha, estava sua mãe, Kirsten, de 34 anos. Ambos estavam mortos.
"Eu não sabia se aquilo era um pesadelo", relembra.
Pouco antes da chegada de Stig Toefting ao local, Poul havia assassinado Kirsten e posteriormente se matado. Stig então apanhou a cachorra e correu, "chorando e gritando", para a casa dos avós.
"Perder seus pais aos 13 anos faz algo em você", contou o hoje ex-jogador. "Aprendi a viver com a memória daquele dia. Naquela situação, eu não podia fazer nada. Eram duas possibilidades: se eu estivesse em casa, talvez eu pudesse ter evitado, ou poderia ter morrido também, e não estaria aqui hoje."
Apesar da tragédia, Stig Toefting entrou em campo no dia seguinte. "Meus companheiros não sabiam de nada do que havia acontecido 18 horas antes", afirma. O AGF venceu o título, e o meio-campista acabou escolhido o melhor jogador em campo.
O futebol como salvação
A história de Stig Toefting está bastante ligada ao AGF, clube de sua cidade natal. Promovido ao time principal do clube em 1989, transferiu-se em 1993 para o futebol alemão, onde defendeu o Hamburgo. Ainda assim, passou pela equipe dinamarquesa em outras quatro ocasiões (1994, 1995 a 1997, 2000 e 2004).
Na Alemanha, também fez relativo sucesso. Jogou no Duisburg entre 1997 e 2000 e novamente no Hamburgo entre 2002 e 2003. Ainda atuou no Bolton Wanderers, da Inglaterra (2002 a 2003) e no Tianjin Teda, da China (2003). Foi três vezes campeão da Copa da Dinamarca: 1992, 1996 (ambas pelo AGF) e 2006 (pelo Randers, clube no qual se aposentou em 2007).
Pela seleção, os resultados também tiveram destaque. Em 1992, disputou os Jogos Olímpicos em Barcelona ao lado de nomes como Thomas Helveg (lateral direito que brilharia no futebol italiano), Per Frandsen (meio-campista de relativo sucesso no futebol inglês no fim da década de 90) e Soeren Andersen (atacante com passagens modestas por Lleida e Rayo Vallecano na Espanha). A Dinamarca caiu ainda na fase de grupos na competição.
Entre idas e vindas, o volante se tornou nome de destaque na seleção principal de seu país. Nos anos seguintes, disputou duas vezes a Copa do Mundo (1998 e 2002) e duas vezes a Eurocopa (1996 e 2000). E foi assim que ele conseguiu deixar a sombra da tragédia na infância para trás.
"O futebol me salvou. Sempre tive aquilo como um espaço onde nada poderia me tocar. Fui uma vez a um psicólogo, mas não importava o que acontecesse, quando eu estava em campo, estava em meu próprio mundo. Poderia deixar as coisas ruins para trás", conta. "Depois dos treinos, eles não sabiam se eu perderia o controle, mas havia um cara no AGF que cuidava de mim."
Criado por Erik, irmão de sua mãe, Stig Toefting hoje vive com a namorada e a enteada, que tem um filho pequeno. Mas se hoje ele lembra do passado com tranquilidade, foi tomado pelos piores sentimentos quando a história de seus pais veio a público pela primeira vez aos torcedores, às vésperas da Copa de 2002. Na ocasião, uma revista dinamarquesa publicou a história em sua capa. O editor acabou demitido.
"Todos (na imprensa) sabiam do que havia acontecido, mas eles sempre escreviam que eu perdera meus pais em um trágico acidente", conta. "Minha esposa (Bettina, com quem esteve casado entre 1993 e 2010) e eu estávamos no Japão e na Coreia do Sul. Nossos filhos (Markus, Maria e Mie) estavam em casa com os avós. Eles tinham sete, oito e dez anos. Eles não tinham idade para saber o que havia ocorrido. Tivemos que ligar para casa, para afastá-los das TVs e dos jornais. Nossa única opção era contar para eles a verdade quando voltamos para casa."
Apesar da desagradável surpresa, Toefting garante: "de uma certa maneira", foi bom ter revelado o passado aos filhos. "Estará sempre lá, nada vai mudar. Vivi com isso por muito tempo", explica.
O quarto filho
No começo de 2003, quando jogava pelo Bolton Wanderers, Toefting recebeu um telefonema de Bettina para avisar que o filho recém-nascido do casal, Jon, estava com febre e havia sido levado ao hospital.
O diagnóstico viria em pouco tempo: meningite. No dia 6 de abril, com apenas três semanas, o bebê morreu. "Foi a pior coisa que me aconteceu", conta. Depois de uma pausa, foi além.
"Estávamos todos muito tristes, mas não posso mudar o que aconteceu. Tenho tatuagens de Jon em meu braço, mas não importa o que eu faça, não posso trazê-lo de volta. Na vida, você precisa impactar o que puder. A preocupação com o que você não pode mudar consome muita energia."
As passagens pela prisão
A notícia da internação de Jon chegou em um momento no qual a vida de Stig Toefting já passava por problemas. Quando recebeu a ligação de Bettina, o volante estava no aeroporto de Manchester, a caminho da Dinamarca... Onde se apresentaria à Justiça.
No ano anterior, após a Copa do Mundo, os jogadores da Dinamarca estavam em Copenhague para comemorar a participação no torneio. E foi aí que veio mais um problema.
"Estávamos todos bêbados. O gerente do restaurante estava me encarando. Foi até lá e perguntei: 'Algo errado?'", conta. "Eu pensei que ele iria... Como se diz? Dar uma cabeçada em mim? Então eu dei uma cabeçada nele antes. O porteiro veio e me atirou para fora. Então o cozinheiro veio até a rua, acertou meu rosto e fugiu. Eu corri atrás dele e o peguei. Não foi bom. M... acontecem", descreve.
O volante foi condenado a quatro meses de prisão, de abril a julho de 2003, e precisou prestar serviços comunitários. "E qual trabalho me deram? Cortar a grama", conta o dinamarquês, que ganhou o apelido de Cortador de Grama no futebol inglês por sua presença em diversos espaços do campo.
"Quando chovia, eu não podia trabalhar. Então ficava (na cadeia) em uma bicicleta ergométrica ou corria. Todas as noites, nós jogávamos futebol. Era como um centro de treinamentos", garante.
A prisão provocou a rescisão de seu contrato com o Bolton. "Não foi uma boa época", relembra. "Eu fui para a cadeia, perdi meu filho, mas Sam (Allardyce, então técnico do Bolton) me ajudou. Ele era honesto e honrado", elogia o ex-jogador, que foi novamente detido em 2013 após uma confusão em um bar de Aarhus. Na época, ele e seu sobrinho passaram uma noite em detenção.
As histórias da vida de Stig Toefting foram reunidas em sua autobiografia, No regrets ("Sem arrependimentos", em tradução livre), lançada na Inglaterra. A expressão é a mesma que ele traz em uma tatuagem no abdômen.
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