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Abad confirma eleição com mandato até 2022 e vê Flu como vidro de querosene

Leo Burlá

Do UOL, no Rio de Janeiro

29/12/2018 04h00

Talvez restem poucos meses para que Pedro Abad deixe a presidência do Fluminense. Decidido a antecipar a eleição do clube, o mandatário, no entanto, ainda é o dono da caneta que define os rumos tricolores. E como representante máximo da entidade, o dirigente usou de seu poder constituído e definiu que o mandato do próximo eleito será composto pelos meses que restariam ao atual presidente acrescidos a um outro triênio, o que deve somar quase quatro anos de trabalho ao próximo ocupante do cargo. Antes de irem às urnas, a maioria dos sócios ainda terá de votar pela antecipação, o que acontecerá.

A definição por um prazo mais longo agrada ao triunvirato formado por Celso Barros, Mario Bittencourt e Ricardo Tenório, mas não é a preferida de Pedro Antonio, que defendeu um substituto 'tampão' até novembro, quando o clube escolheria quem lideraria o Tricolor pelos próximos três anos.

Abad negou estar aliviado com a decisão de antecipar sua saída, mas foi veemente ao afirmar que o Fluminense vive dias de uma tensão política que se assemelha ao que se vê em plano nacional. Em tempos de redes sociais, disse ter sentido o peso do linchamento do mundo virtual e defendeu seus feitos:

"É natural do ser humano dar mais vazão à notícia ruim do que propriamente ao desmentido. Falar mal dá ibope. Até você detectar que isso está acontecendo, há uma guerra de comunicação que é muito difícil para quem é vidraça. A pedra anda muito rápido, a vidraça demora para se locomover."

Em quase duas horas de conversa com o UOL Esporte, o presidente falou sobre os danos causados pela guerra pelo poder e comparou o clube a "um vidro de querosene precisando de um fósforo". Leia a conversa exclusiva com o (ainda) mandatário tricolor. 

Definição pelo mandato longo

"Serão duas assembleias: uma para mudar o estatuto, outra para efetivamente eleger o próximo presidente. O formato está pronto na minha cabeça, estamos fazendo apenas pequenos ajustes na redação jurídica. A quem interessa não chamar o sócio para votar? A que interesse serve ação judicial? Por que não a democracia? Qual o problema dela? Sim (será um mandato longo). Você faria uma eleição para um mandato de 10, 11 meses, passa por uma campanha, a pessoa assumiria e três meses depois já teria outra.

Não existe paz para esse mandato, ninguém vai se interessar por isso. Você tem que dar estabilidade a esta pessoa que vai se dispor a assumir de não se passar duas vezes por esse processo desgastante em tão pouco tempo. Não tem como fazer isso, não é razoável. É difícil, não é producente. Vamos entender que estou abrindo mão de parte do meu mandato para que um outro mandato comece e a gente regularize a vida do clube. A partir daí, tudo anda normal.

No final das contas, as pessoas dizem que o estatuto diz isso, diz aquilo, mas apenas e tão somente estou abrindo mão de alguns meses do meu mandato. Apenas e tão somente isso. O resultado final de tudo é esse, só que as pessoas travestem seus interesses em formalidades ou legalidades que não têm nenhum efeito material a não ser atender seu próprio interesse." 

Antecipação do pleito

"Quem me colocou aqui deve ter o poder de escolher a outra pessoa, esse é o processo democrático. As pessoas movem a ideia de transição de acordo com seus interesses. Quando a pessoa diz que tem que ser da forma A ou da forma B, ela necessariamente está atendendo a um interesse que é seu. A meu ver, desprovido de legitimidade.

Quem escolhe o presidente é o sócio, é a assembleia geral. Se esse poder me colocou aqui, que esse poder escolha meu substituto. Quem está reclamando é esse poder, é a coletividade que reclama, não uma pessoa. Estou submisso à assembleia. Mas me colocar submisso a uma pessoa não vai acontecer. Não tem a menor hipótese [de renúncia], não existe legitimidade em nenhum indivíduo de se sobrepor à assembleia geral. Isso é teoria de democracia, mas existem outros interesses claros e o torcedor tem de entender isso. Você vê o cenário e identifica os interesses pessoais, é muito fácil de entender."

Opinião sobre os presidenciáveis

"Celso [Barros] é uma pessoa que deu muito ao Fluminense através da Unimed. Sim, o dinheiro era da Unimed, é verdade, mas o Celso direcionou muita coisa para cá. Ele tem muitos méritos. Não valorizar extremamente o que o Celso fez aqui é uma injustiça muito grande. É uma pessoa que tem uma importância fundamental, chegou em um momento em que o Fluminense estava muito mal e deu alegrias muito grandes ao clube.

O Mario [Bittencourt], na minha opinião, é um advogado brilhante, talvez o melhor de direito esportivo do Brasil. Um cara tricolor demais também, com muito serviço prestado ao clube e que tem uma gana de fazer muito grande. É um trator para fazer, pega para fazer, vai e faz. Acerte ou erre, vai na direção dele e é convicto. Se ele estiver convicto, ele vai. Um cara com uma oratória muito boa, com um discurso muito convincente e veemente.

O Pedro Antonio é um cara que talvez seja o com maior capacidade de empreender que eu conheço. Nunca vi pessoa para executar tarefas como ele faz, com o nível de precisão, acuidade, determinação e de velocidade. É um 'panzer' passando por cima dos obstáculos, dos problemas. Construiu o CT e as pessoas podem até discordar da forma, do ritmo, disso ou daquilo outro, mas a verdade é que hoje a gente tem um centro de treinamento no qual a gente está livre de influências políticas no futebol por causa dele.

[Ricardo] Tenório é um cara extremamente do bem, um cara que bota a emoção demais em tudo que faz, é uma pessoa muito reta. Tem transparência de pensamento, não tem lado A e lado B. O Tenório é um cara direto com você, que fala e debate. Também tem uma vida profissional de sucesso e já teve serviços prestados aqui quando o Flu foi quase rebaixado, já foi vice em outras épocas. Seja A, B, C ou D, o Fluminense tem uma pessoa que tem história e representatividade para ocupar esse cargo."

Futuro do próximo presidente

"Encontrará um clube com uma base cada vez mais dona dos jogadores. O Flu tem conseguido captar os jogadores deixando os direitos econômicos cada vez menos comprometidos. Temos formado gerações cada vez mais qualificadas. O pessoal de Xerém é muito qualificado, departamento de observação técnica foi mais empoderado e privilegiado.

Temos bancado muita coisa positiva. Precisamos de um pouquinho mais de fluxo para fazer um time para brigar sempre por uma Libertadores, por exemplo. Se a gente tivesse R$ 1 milhão a mais por mês, brigaríamos todo ano."

Dívidas

"O problema não é operacional. Problema são as dívidas do passado que hoje cobram um preço caro no fluxo de caixa. A gente gasta menos que arrecada, mas as penhoras sufocam nosso fluxo de caixa, o que faz com que atrasemos compromissos.

Como estamos buscando terminar com isso? Temos um projeto de reestruturação do passivo no qual vamos obter volume de recursos grande para matar toda a dívida não fiscal, para pagar em 6 ou 7 anos, com receitas não recorrentes, que basicamente são as das vendas de atletas. Tem todo um modelo. Está avançado, vamos sair para apresentar para investidores. Isso resolveria o problema do Fluminense. Se a gente não tiver penhora, a gente aguenta. O Flu precisa apresentar esse projeto para fora, mostrar que vendemos jogadores e que há uma garantia.

Acreditamos que a dívida tenha aumentado um pouquinho, não fizemos uma venda relevante de atleta. Dívida deve ter um aumento de uns 4%, talvez chegue em uns 500 milhões." 

O presidente, a política e as redes sociais

"A movimentação política trouxe responsabilização à figura do presidente. Na história recente da política do Brasil, estamos lidando com uma forma nova de fazer política, talvez algo descoberto há três meses com o fenômeno das eleições presidenciais, quando houve uma reviravolta na forma de se comunicar com o eleitor. Eu sou o primeiro presidente do Fluminense que pega essa realidade pela frente. É muito mais fácil gerar uma onda negativa com as redes sociais, com mentiras.

É natural do ser humano dar mais vazão à notícia ruim do que propriamente ao desmentido. Falar mal dá ibope. Até você detectar que isso está acontecendo, há uma guerra de comunicação que é muito difícil para quem é vidraça. A pedra anda muito rápido, a vidraça demora para se locomover. 

Fui o primeiro presidente a passar por esse fenômeno de redes sociais aqui e isso se conjuga a um grupo de pessoas que já tentou e conseguiu tirar outros presidentes, fazendo o Fluminense cair para a Série C. Se o torcedor tricolor escuta hoje Terceira Divisão é por causa dessas pessoas que estão fazendo o mesmo trabalho agora [nota da redação: o presidente se refere a grupos que compuseram sua gestão e que hoje são opositores]."

Flu, reflexo do Brasil

"Tem um paralelo, mas é um misto. Você percebe claramente que houve um impulsionamento político a isso. O Brasil passa por um momento delicado socialmente, acho que o país está perto de uma convulsão social. Isso é muito facilmente manipulável, é como se fosse um vidro de querosene precisando de um fósforo. Se alguém colocar o fósforo aceso ali, vai explodir. Quando o fósforo está mal-intencionado, a explosão é danosa. Você não controla a explosão. Explosão é explosão. Passei por isso, sim.

Já enfrentei torcedores que xingavam meu grupo político e perguntei a razão daquilo. As pessoas não conseguem articular um argumento, elas repetem a frase. É uma repetição cega. Você percebe que ali não tem um componente de discernimento em cima da manifestação, aí você percebe que é só uma vontade de extravasar. Existe uma vontade de botar para fora uma insatisfação que é facilmente manipulável, e isso atinge as instituições.

Não é propriamente fácil lidar com essa realidade de mídias sociais, lidar com política. É difícil comandar um clube com dificuldades e lidar com uma política visceral e mal-intencionada. A comparação (do Flu com a lata de querosene) é cabível. Quando assumi, a lata de querosene estava cheia. Eu já tirei o querosene, estou tirando aos poucos. "

Mágoa com ex-vices que deixaram a gestão

"Ser vidraça em um clube com problemas é muito duro, tem de ter resiliência para aguentar. Eu nunca vi na arquibancada alguém xingar grupo político, mas vi no Flu pela primeira vez. O poder cega as pessoas, você tem de entender que quando senta aqui, você é momentaneamente detentor do poder, você não é o poder, você detém momentaneamente o poder. As pessoas tiveram dificuldade em aceitar que a gente tinha o poder. Não diria mágoa. O que é, é. As pessoas são o que são.

O Fluminense precisa ser tocado. As pessoas quiseram sair, vida que segue. Quando estávamos discutindo o caso do Gustavo Scarpa, o relator do processo, tentando mostrar que havia gestão temerária, leu a carta de renúncia dos VP's, que não era pública. Quem levou essa carta a ele? Eu não fui. A caravana tem de passar enquanto os cães ficam ladrando. Na verdade são só cães que estão atrás de uma grade e daqui a pouco voltam para o limbo. Infelizmente, é um momento ruim da política do clube."

Manifestações orquestradas

"Olha como é engraçado: o torcedor se associa ao clube, ao sócio futebol e vota para presidente do clube. É uma agenda que é a marca maior do meu grupo político [Flu Sócio]. Se hoje o torcedor bota e tira o presidente, nós permitimos que ele faça. Quebramos um 'status quo' no clube. Ver a arquibancada xingando contra isso, sem conhecer a história do Flu e sem ter embasamento é estranho. Mas essa história vai ser reescrita, me empenharei pessoalmente. O futebol é o veículo perfeito para desopilar o fígado e destilar ódio."

Momento é de 'saber sofrer'

"Eu descobri que sou uma pessoa capaz de sofrer, o Fluminense precisa sofrer agora para ele poder voltar a ser o que ele sempre foi em termos de resultado. Hoje não temos resultados grandes, mas a gente tem toda a massa crítica para voltar. Temos torcedor, história, base, a gente tem tudo. Mas temos uma situação financeira muito complicada, temos de passar por isso com resiliência. Talvez eu tenha falhado em fazer o torcedor entender dessa forma e apoiar mesmo assim.

Mas o Fluminense precisa desse entendimento de que esse é o momento de sofrer um pouco e que isso vai ser bom para o clube. Temos de construir um Flu campeão brasileiro de novo, e essa construção não é rápida. Fizemos uma má transição da saída da Unimed, tentamos ser o Flu da Unimed sem ter o dinheiro. Ali era para ter sido feita a ruptura. Estou muito tranquilo, a linha mestra da gestão fez o que deveria ser feito."

Alívio pela saída

"Não é aliviado. Aliviar pressupõe que você tem uma pressão insustentável em cima de você, e isso não é verdade. Não há nada que te pressione mais que um vestiário com salário atrasado. Se você passa por isso, o resto é fichinha. Não é politica de conselheiro que me coloca pressão. Não é isso, é que o momento do clube demandava isso, entendi que era propício. E o entendimento de que o processo foi bem feito dá uma satisfação, não alivio. Alívio é o Júlio César pegar o pênalti contra o América-MG."