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Sucessor de ídolo da Fiorentina após morte, Vitor Hugo diz: "jogo por ele"

REUTERS/Alessandro Bianchi
Imagem: REUTERS/Alessandro Bianchi

Caio Carrieri

Colaboração para o UOL, em Manchester (ING)

28/01/2019 04h00

O dia 4 de março de 2018 mudou a vida de Vitor Hugo. Assim que voltou do café da manhã no hotel em que o elenco da Fiorentina se hospedou em Udine para o jogo contra a Udinese, pelo Campeonato Italiano, veio a notícia chocante do quarto ao lado: a da morte de Davide Astori, capitão da Viola.

Era o italiano de 31 anos, vítima de uma parada cardíaca, um dos principais incentivadores do zagueiro brasileiro, então na primeira temporada na Europa não havia tido tantas oportunidades pela concorrência com o líder do elenco e referência dentro do clube.

A rodada, então, foi suspensa. Uma semana depois, ainda de luto, o campeão brasileiro pelo Palmeiras em 2016 não só assumiu a posição deixada por Astori como desencantou na primeira partida sem o amigo: fez o primeiro e único gol pela Fiorentina, e a sua comemoração, a "saudação ao capitão", virou lema dentro do clube para relembrar daquele que não se esquecia de ninguém no dia a dia do clube.

"Agora jogamos por alguém, por ele, pela memória dele, por tudo que ele passou para nós, não por alguma coisa", diz ao UOL Esporte Vitor Hugo, agora titular absoluto. 

Nesta entrevista, o defensor de 27 anos relata em detalhes como a perda do companheiro mexeu com todos dentro do clube. Apesar da dor, ele avalia o seu progresso no futebol italiano, incluindo um duelo com o português Cristiano Ronaldo. Conhecido também por ser bom contador de histórias, ele ainda lembra o dia que ficou preso no banheiro da Disney, em Paris.

Evolução na segunda temporada na Fiorentina

O primeiro ano foi de muita descoberta e aprendizado. Aprendi muito sobre a língua e o jeito que eles jogam aqui. Recebi muito apoio do treinador e do nosso capitão, o Astori. Depois aconteceu aquilo com ele no começo de 2018. Foi um baque em todo mundo e caiu sobre mim a responsabilidade de substituí-lo. De lá para cá as coisas foram acontecendo, eu fui evoluindo dia após dia, ganhei confiança e nessa temporada já comecei mais ambientado, sabendo falar a língua o que me ajudou bastante fora de campo. Ainda falta muito para eu aprender, mas já passei enxergar o futebol do jeito que os italianos veem, não como um novato.

Futebol ou xadrez?

Evoluí bastante na questão tática, técnica. O futebol aqui parece um jogo de xadrez. Os jogadores se movimentam exatamente de acordo com aquilo que o outro time vai fazer. Tem que estar atento o tempo todo, não pode desconcentrar em nenhum momento, porque os lances acontecem em questão de segundos.

Aprendeu italiano na marra

É muito importante poder se comunicar no dia a dia, e aqui ninguém fala português, não adianta. Tive de aprender para ir ao médico, levar a esposa em consulta, conseguir pedir tudo certinho em loja e restaurante. O treinador (Stefano Pioli) também sempre exigiu que durante o treinamento é para todo mundo falar italiano. Não fiz muitas aulas, aprendi no dia a dia e também assisti a algumas séries na Netflix com o áudio em italiano. Percebi logo no começo que conseguia entender, aí depois deslanchei.

Italiano: fluente. O inglês? Longe disso

Aconteceu uma história vergonhosa quando fomos passear na Disney (risos). Lá eles falam ou francês ou inglês, nada de português ou italiano. Fui ao banheiro e, na hora de sair, estava escrito na porta "push". E eu puxei (risos). Puxei, puxei, mas a porta não abria. Pensei "Não é possível! Me sacanearam e me trancaram aqui dentro?. Nada da porta abrir. Daí fiquei esperando até que alguém me tirasse dali. Depois de um tempo, um outro cara empurrou a porta para sair do banheiro. Aí que fui me ligar que em inglês "push" é empurre e "pull" que é puxe. Foi bizarro (risos), mas agora nunca mais esqueço!

Duelo e pedido a Cristiano Ronaldo

Foi interessante, um adversário que é muito difícil ser marcado. Tem muita qualidade e é rápido demais. Temos de estar atento o tempo todo. Até que ele não estava em uma noite inspirada, conseguimos marcá-lo muito bem, mas saiu um pênalti e ele conseguiu marcar. O time dele conseguiu ganhar de nós (3 a 0, com os outros gols anotados por Chiellini e Bentacur, no dia 1º de dezembro). Se não fosse o pênalti, não sei se ele teria conseguido fazer um gol naquela noite. Conversamos um pouco. Pedi a camisa dele, mas ele já tinha dado para o meu treinador. Mesmo assim, combinamos de trocar no jogo do returno. Foi breve, mas pareceu bem simpático. Apesar de ter alcançado tudo o que tem, mantém uma humildade legal.

A morte de Davide Astori

Mexeu comigo e com todo mundo do clube. O cara estava com a gente no jantar, mas no outro dia não estava mais. Ficamos muito chocados. Isso mostra que não temos controle de nada. A vida é só passagem, não sabemos quando vai chegar a nossa hora. Temos de aproveitar o máximo da vida. Lembro até hoje das coisas que ele me falava, dos toques que ele me dava. Quando eu chegava cabisbaixo ao treino, ele ficava todo preocupado, falava que ele também tinha dias ruins, mas quando chegava no CT ele esquecia de tudo, porque esse era o lugar de paz dele e eu tinha de encarar dessa maneira também. Ele era demais. Deixou uma lição de como conquistar o respeito dos outros sem forçar nada.

Do luto à motivação

Agora jogamos por alguém, por ele, pela memória dele, por tudo que ele passou para nós, não por alguma coisa. Por isso, em toda vitória ou até mesmo quando conseguimos um empate em um jogo difícil, vamos até a torcida e fazemos o gesto de reverência ao capitão igual eu fiz depois de marcar um gol no jogo seguinte (à morte de Davide), para ele ser sempre lembrado. Ele marcou a nossa vida e merece esse carinho e essa lembrança. Por isso que jogamos por ele. Eu me emociono só de lembrar dele. Foi muito difícil voltar ao CT, porque tudo que eu olhava me lembrava ele, o lugar do vestiário, a cadeira na sala de vídeo e preleção, na academia. É uma sensação muito ruim olhar e saber que ele nunca mais vai estar ali.

O dia da tragédia

Eu estava no quarto, do lado do quarto dele. Eu no 423 e ele no 424. Descemos para tomar café e ninguém sabia de nada. Depois do café, voltamos ao quarto. Demorou um pouco e o Gil Dias, um português que estava no grupo no ano passado, bateu no quarto e falou "Estão dizendo que o Astori morreu". Até falei "Você está louco? Pode parar com a palhaçada, porque isso não é coisa para brincar". Foi aí que vi o médico no corredor e o treinador na porta do quarto dele. Mas não nos deixaram entrar no quarto para ver. Alguns jogadores já estavam chorando no corredor. Não dava para acreditar que aquilo estava acontecendo. Mas não vimos mais ele, o clube não deixou. Já tiraram o corpo do quarto enrolado naquela lona preta. Não sei se foi por questão psicológica, para guardarmos lembrança dele vivo. Quando fomos ao velório e à igreja, o caixão estava fechado e não abriram.

Alguma precaução extra após a perda do capitão?

Não, continuou normal, até porque na segunda-feira anterior ao que aconteceu com o Astori nós tínhamos feito testes no coração no clube. Não dá para entender. Por isso que, de tudo isso que aconteceu, digo que temos de deixar boas lembranças e mensagens positivas sobre aquilo que você foi.

Companheiro de Giovanni, atacante e filho de Diego Simeone, técnico do Atlético de Madrid

Ele é bom, tem qualidade e personalidade. Não está passando por um momento muito bom, mas faz parte da carreira do jogador. É fase. No ano passado ele foi muito importante para o time (artilheiro com 14 gols). Quando ele engatar uma sequência de gols, todo mundo vai ouvir muito sobre ele. Tem tudo para ser um grande jogador na Europa. E de vez em quando brinco e dou um toque nele para avisar o pai dele que estamos aqui (risos).

Palmeiras Decacampeão

Tenho amigos lá até hoje e acompanho sempre que consigo. Dudu, Prass, Jailson, Moisés, Felipe Melo. Esses caras são demais. É muito bacana assistir a eles sendo campeões, porque ajudei o Palmeiras a conquistar o Brasileiro de 2016 e senti na pele como é bom vencer e ser campeão lá. O elenco está muito forte. Esse ano o Palmeiras vem forte de novo.