Fábrica de memes: existem mentes brilhantes no humor para torcedores
"Lembro de um jogo do ano passado, contra o Corinthians. O jogo que teve a piscadinha do Deyverson. Eu acho que uma hora depois do jogo publicamos uns 30 memes", conta Erlan Dias, um dos responsáveis pela página "Parmera Mil Grau", sobre o Palmeiras.
Há inteligência por trás dos memes. E aqui não estamos falando de capacidade intelectual, mas de um trabalho sério de pesquisa, dedicação intensa e velocidade para responder às demandas. Páginas como essa são fábricas de memes que entendem o esporte e, principalmente, seus consumidores. Descobriram o que e como grande parte desse mercado consome futebol e lucra com isso.
O UOL Esporte conversou com Dias e mais cinco produtores de conteúdo online que se dirigem a torcedores sobre o processo de criação de imagens, vídeos e textos que divertem o país inteiro e descobriu que há princípios básicos para fidelizar o público: velocidade, capacidade de improviso, colaboração, cautela na publicação, temperatura da torcida. Meme pode parecer brincadeira, mas dá trabalho para fazer.
"Duas horas depois não tem mais graça"
A velocidade na publicação é uma das partes mais importantes de um meme - tanto quanto a criatividade para bolar a piada, por exemplo. A explicação é simples: se a página demorar muito tempo e não aproveitar a euforia com a vitória ou a decepção pela derrota, o torcedor já esquece e vai fazer outra coisa.
"Logo que sai uma notícia, nós tentamos fazer uma tirada para ter um meme com nosso comentário dessa notícia. Em minutos, já está espalhado para milhares de pessoas, não temos ideia do alcance. Tem que ser rápido: acabou o jogo, o Jean Mota fez dois gols, deu um rolinho e um passe de bicicleta e nós já lançamos: quem é melhor, Jean ou Messi?", conta Rafael Lipener, parceiro de Guilherme Giannini na página "Santos Depressivo", presente em Facebook, Instagram e Youtube.
A lógica é a mesma para outros clubes e páginas, independentemente do alcance ou número de curtidas. "Não tem como fazer os memes antes e aquele tempo que você perdeu antes de fazer fica inutilizado. O Náutico ganhou, joga o meme alegre com a vitória, porque senão duas horas depois aquilo não tem mais graça. Acabou o jogo, tem que estar criando o meme para postar em cinco minutos no máximo. Ou perde a graça", diz Jimmy Júnior, que administra a página "Náutico Mil Grau" junto com Petrus Borges.
"A gente espera acabar o jogo"
Todo o potencial que um meme tem para rodar a internet pode ter efeito reverso. Com efeito ainda mais forte. Em evidência pelo que produzem, as páginas de humor tomam os devidos cuidados para não virarem a própria zoeira. Ninguém se arrisca a provocar o rival antes da hora, por exemplo - apesar de a tentação ser grande.
"A gente espera acabar o jogo [para fazer os memes]. Se a gente está na frente do computador, já antecipa algumas coisas. Que nem o Avenida-RS. Eu estava louco para zoar o Corinthians, mas eu falei: 'Vamos esperar acabar, né?'. Eu estava esperando, deixei meio no gatilho. Pensei em algumas coisas, mas não cheguei a executar nada. Se você posta antes, acaba sendo apressado e tem efeito reverso", diz Bruno Ramos, da página "Parmera Mil Grau".
É a linha que segue o "Vasco Mil Grau" também, que, no momento, prefere prudência nas brincadeiras com o principal rival, o Flamengo. "Como o Flamengo montou um timaço e o Vasco não foi rebaixado por pouco, ficamos na nossa. Na Taça Guanabara, já zoamos, não tem como. Mas a gente tem que esperar um pouco, precisamos ganhar deles, senão f... Até os torcedores vêm cobrar depois se isso acontece", diz Roberto de Freitas Júnior, responsável pela página.
"Tem fotos que nascem com potencial"
Nem todos os memes divulgados pelas páginas de humor para torcedores são "fabricados" durante os jogos. Há planejamento prévio e improviso quando não acontece nada muito relevante. As galerias de fotos divulgadas pelos clubes são boas fontes: "O Vasco tem um banco de imagens no Flickr. Todo jogo e treino eles postam uma cacetada de imagens. Aí a gente vai pegando umas boas, que dão para usar, que nascem com potencial para virar meme, e produz", revela Freitas Júnior.
A "Santos Depressivo" é igual: "Tem dias em que não tem uma foto boa ou piada óbvia. Aí tem um jogador que faz careta no treino e pegamos".
Ter personagens marcantes para criar um arquivo de imagens é outro recurso, como explica Bruno Ramos: "No Palmeiras, o que rende muito conteúdo para torcedor é o Borja, por exemplo, porque até agora ele não foi o que se esperava dele. Então o fato de ele perder gol na cara, fazer umas 'bagrices' lá, rende um conteúdo bom. O Deyverson, pelo fato de ser doido, é uma coisa que você já espera que possa acontecer. Então tem pontos-âncoras".
"De acordo com o humor da torcida"
É fundamental, também, antecipar aquilo que os torcedores vão pensar, para bem ou mal. "A maioria dos memes é criada na hora porque vai de acordo com o humor da torcida. Se a torcida estiver motivada com o time, fazemos algo pegando esse gancho. Se perdeu, temos que entrar de acordo com o pensamento do torcedor fazendo a crítica, a zoeira com jogador ou técnico", relata Jimmy Júnior.
Guilherme Giannini, santista, concorda: "É de torcedor para torcedor, é entender como a pessoa está se sentindo quando vê a notícia. E dá certo mesmo quando o time não está bem, porque nós fazemos esse rir para não chorar também."
Essas páginas de zoeira, às vezes, ganham mais engajamento que as páginas oficiais porque mantêm a frequência de postagens mesmo em derrotas, enquanto os perfis oficiais dos clubes têm momentos de silêncio. Pioneiro na produção deste tipo de conteúdo, a página "Corinthians Mil Grau", de Kelvin Thiago, tem 853 mil seguidores no YouTube, cinco mil a mais do que a "Corinthians TV", plataforma oficial do clube paulista.
"Tem que abrir mais a mente"
Diante dos clichês preconceituosos, os responsáveis por pautar as discussões digitais sobre futebol têm criado consciência em relação ao que fazem. Afinal, são necessários poucos minutos para que um meme viralize e, se em outras épocas houve espaço para ofensas, hoje em dia este tipo de zoeira é renegado pelas páginas, cada vez mais interessadas em não ofender.
"A gente toma cuidado com essa zoeira [com o Fluminense], como falar que o Flamengo é time de traficante. Estas coisas são idiotas. Não vou falar que nunca fiz, mas foi lá no início, quando não tínhamos consciência. Hoje em dia não vejo graça, nem gosto", diz Freitas Junior, da página do Vasco.
"Tem aquela zoeira padrão. São-paulino 'bâmbi', corintiano ladrão. E não dá para você sair falando isso aos quatro ventos, até porque é preconceito. Então, você acaba tendo que abrir um pouquinho mais a sua mente e pensar em fazer comédia, mas sem ofender", acrescenta o palmeirense Erlan.
Da corneta ao "nunca critiquei"
As páginas de humor, que muitas vezes representam os sentimentos e angústias dos torcedores na internet, vivem relação de "amor e ódio" com o mundo da bola. No geral, a produção não é preocupada em agradar, mas recebe a aceitação dos jogadores. Eles, inclusive, costumam aproveitar a criatividade das publicações para brincadeiras nos bastidores e até "esquecem" de quando são a própria chacota.
"Todo jogo algum jogador do Santos bloqueava a gente. Mas depois desbloqueava porque queria ver a zoeira com os outros. Hoje, não rola mais tanto. Tem os jogadores que gostam e os que detestam, mas tudo bem. Não é para eles, é para a torcida, acompanha quem quiser", diz o santista Guilherme, que lembra uma situação curiosa: Lucas Lima, hoje no Palmeiras, chegou a repostar e se orgulhar de um meme elogioso durante sua passagem pelo Santos, mas quando foi ofendido ao deixar o clube disse que os administradores da página "não eram santistas".
Já para Erlan, a relação com os protagonistas nos memes se constrói geralmente com equilíbrio e uma boa dose de "clubismo": basta um gol decisivo, uma jogada bonita, ou tudo ao contrário para que a zoeira tome novos rumos. É assim que o vínculo se dá, carregado de exageros para o bem e para o mal e frases como "nunca critiquei". "A gente zoa, mas a moral que a gente dá depois, que acaba sendo exagerada, coloca o cara lá em cima. A gente exagera para cornetar, mas exagera para elogiar também."
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