Vela, fé e Corinthianismo: Torcedores veem triunfo em cenário de 'religião'
As mãos invariavelmente se juntavam a cada lance de perigo. À frente da boca, elas completavam o rito num cenário propício, com direito a velas para São Jorge e gritos de 'Vai, Corinthians'. O devoto é seguido por um, dois, dezenas de corintianos. Em instantes, a maioria repete os trejeitos no local.
Tal passagem aconteceu ontem durante a transmissão da vitória do Corinthians nos pênaltis sobre o Racing, em sessão de 'cinema' na sede do clube paulista. O evento intitulado de "Terrão, essência do Corinthianismo" trazia no nome a nova religião do Corinthians, lançada na semana passada.
Com traços dela espalhados por todos os lados, dos mandamentos à postura dos torcedores, cerca de 50 torcedores do Corinthians assistiram à partida disputada na Argentina, válida pela primeira fase da Copa Sul-Americana. E o duelo marcado por idas e vindas ajudou a aumentar a atmosfera de Corinthianismo, estampada por exemplo no comportamento de Vinícius Afonso, de 23 anos, sentado na última fileira da sala.
O torcedor manteve uma bandeira do Corinthians no colo no começo do jogo, mas logo se enrolou nela, somente com a cabeça à mostra. Em alguns momentos, parecia rezar. As mãos só se distanciavam para gritos de incentivo e algumas reclamações com a arbitragem.
"O time vai te fazer sofrer, mas é só acreditar desde o começo. Isso é uma religião, por tudo o que a torcida faz. Foi do gente que o corintiano gosta. Se não for assim, não tem graça', disse o torcedor.
À medida que o jogo se desenrolava, novas manifestações vinham à tona. No primeiro tempo, que terminou 1 a 0 para o Racing, poucos repetiam os gestos de Vinícius. Bastou, no entanto, um gol marcado por Vagner Love no começo da etapa final para gritos de 'Vai, Corinthians' se multiplicarem - a frase é o décimo mandamento do Corinthianismo.
Duas poltronas ao lado da cadeira ocupada por Vinícius, outro torcedor leva as mãos à boca, como uma manifestação de fé. Ali perto, uma mulher repete o gesto na iminência dos pênaltis. Antes da decisão, após o apito final, algumas pessoas se dirigem à imagem de São Jorge colocada estrategicamente à frente do telão, rodeada de velas.
A fé do torcedor tomou completamente o ambiente a cada pênati cobrado. O sentimento ficou mais explícito a cada momento decisivo. Primeiro, pouco antes da defesa de Cássio na cobrança de Domínguez. Em seguida, nos segundos que antecederam o chute errado de Danilo Avelar, que poderia ter dado o triunfo ao Corinthians àquela altura.
Mas foi necessário sofrer mais um pouco. Depois de três cobranças corretas, coube a Cássio se transformar numa espécie de santo. Depois de outra defesa do camisa 12, o time alvinegro garantiu a classificação, para delírio do grupo de torcedores. O terceiro mandamento logo vem à tona: "Aqui é Corinthians. Aqui é na raça".
Ao fim da sessão de Corinthianismo, já com o espaço vazio, um menino de sete anos se ajoelha à frente da figura do Parque São Jorge e agradece pela vitória após o sofrimento de quase duas horas. É a última imagem da devoção.
"É muito anormal o que a gente sente pelo Corinthians, a gente sente mais. O mais importante é ter fé. É tudo mais forte, seja na derrota ou na vitória", frisou Thiago Estevão, 35 anos, pai do garoto.
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