Ele trocou a Premier League pelo Palmeiras e ficou fora da Copa de 1990
Na semana em que todos os olhos do planeta se voltaram para o desempenho dos ingleses da Champions League e a reta final da Premier League, o campeonato nacional inglês, com duelos que decidem o futuro de Manchester City e Liverpool pela taça, um brasileiro recordou-se saudoso do tempo em que abriu mão de ser protagonista na Inglaterra para defender o Palmeiras e tentar ir para a Copa de 1990, na Itália. Com uma ponta de arrependimento, Mirandinha, hoje residente no interior de São Paulo, falou ao UOL Esporte.
"Eu tomei a decisão de não retornar, não pelo Newcastle. Na oportunidade que eu tomei a decisão de não voltar, foi pela manutenção do Jim Smith. O Newcastle tinha sido rebaixado para a Segunda Divisão, os valores seriam diminuídos no meu contrato e eu tinha o sonho de jogar uma Copa do Mundo. Eu estava emprestado ao Palmeiras e eu infelizmente acabei calculando mal, acabei não disputando a Copa de 90 e acabei não voltando pro Newcastle", relembra.
Em 1992 a Premier League foi lançada como substituta do então Campeonato Inglês. Uma série de ajustes e padrões adotados tentavam colocar o futebol da Inglaterra como o melhor de clubes do mundo. Mirandinha então já tinha rodado por Coritiba e Corinthians enquanto o Newcastle patinava para voltar à elite inglesa. A separação não foi boa para ninguém.
"Eu dei a grande mancada da minha vida esportiva em não ter retornado ao Newcastle em 1989. O Kevin Keagan (técnico à época) queria meu retorno, mas naquela oportunidade eu estava muito bem no Palmeiras, sonhava com uma vaga na Copa de 90. E eu praticamente forcei o Newcastle a me negociar com o Palmeiras. Foi um dos deslizes da minha carreira."
Reconhecimento da chegada até os dias atuais
Apesar do arrependimento, Mirandinha só guarda boas lembranças dos tempos pelo Newcastle.
"Eu tive o prazer de ser o primeiro brasileiro a jogar na Inglaterra. Muitas coisas boas aconteceram, fiz gols contra Liverpool, Manchester United, Everton... os grandes da Inglaterra. Em 1987, quando cheguei lá, fui o escolhido para dar início ao Natal, na solenidade com o Prefeito da cidade, no Eldon Square, um dos maiores shoppings da cidade. A minha filha nasceu lá, no Princess Mary Hospital, um dos melhores da Inglaterra. O Newcastle colocou seu terceiro uniforme como verde e amarelo em minha homenagem. Coisas maravilhosas."
Foram 60 jogos e 21 gols pelo time alvinegro da Inglaterra.
Até hoje ele é ligado ao clube e vai à Inglaterra participar de encontros e festividades. "Eu tenho muito contato com o Newcastle, faço parte de um grupo de lá, sempre vou para lá, a última vez foi em 2016", comentou.
Com tantas lembranças positivas, Mirandinha - nascido Francisco Ernandi Lima da Silva e apelidado Mirandinha em homenagem ao Mirandinha que atuou pelo São Paulo nos anos 70 e chegou a jogar na seleção - poderia ter continuado, não fossem os atritos com o primeiro técnico no Newcastle, Jim Smith.
"Em um jogo em Newcastle eu estava fora do time. O Jim Smith deu a entender que eu não iria nem para o banco. E de uma hora para outra ele me colocou para jogar e eu fiz dois gols nesse jogo. E depois do jogo ele falou que usou a tática para me motivar. Mas não foi nada disso, eu sei que ele queria mesmo era me deixar fora", disse.
Então ele retornou ao Palmeiras, onde fez 140 jogos e 61 gols ao todo, em duas passagens, com campanhas de 5º e 6º lugares no Brasileirão entre 89 e 90, mas durante o jejum de títulos paulistas que durou 17 anos.
Porta aberta para demais brasileiros na Inglaterra
Mirandinha foi o primeiro de muitos brasileiros. Atualmente são 20 jogadores atuando em 11 diferentes clubes. Kenedy, ex-Fluminense, fez 23 jogos pelo Newcastle nesta temporada - o time era o 15º colocado após 34 das 38 rodadas. Depois de Mirandinha, Juninho Paulista, Emerson, Gilberto Silva, Kléberson e outros tantos jogaram na liga mais badalada do planeta.
"A minha ida para o Newcastle abriu muito a possibilidade de brasileiros irem para lá", comentou, para então contar três episódios.
"Eu tive uma pequena participação na ida do Juninho Paulista. Eu estava no escritório do ex-presidente do São Paulo, o Carlos Miguel Aidar, e eu conhecia o Bryan Robson (então manager do Middlesbrough), tinha jogado com ele. E o Bryan ligou para o presidente, que queria saber a situação do Juninho. E o presidente ofereceu o Palhinha, não o Juninho. E eu falei pra ele, e o Brian então me disse: "No, Mira. I don't want Palhinha, I go for Juninho" (Não, Mira. Eu não quero o Palhinha, eu quero o Juninho).
"E a quase ida do Muller para Inglaterra. Ele ia pro Chelsea ou para o Everton, não me lembro bem, e eu expliquei para ele sobre os impostos da Inglaterra. E eu expliquei que toda e qualquer libra que viesse para ele seria taxada numa faixa elevada do imposto de renda. E esse fator foi determinante para que ele não tenha ido para a Inglaterra", revelou, citando ainda outro jogador que atuou por lá após intervenção dele:
"Já tive participação na ida do Rodrigo Beckham, do Botafogo para o Everton. A estreia dele foi também a estreia do Wayne Rooney pelo Everton."
Barrado na seleção por Lazaroni, que preferiu Romário
Em um tempo em que a Liga Inglesa ainda não era o que é hoje, Mirandinha voltou ao Brasil para chamar a atenção de Sebastião Lazaroni, então técnico da seleção. Mas não funcionou. "O Lazaroni preferiu convocar o Romário, que estava voltando de uma lesão, e eu fiquei de stand by. E o Romário foi convocado, fez parte dos 22 da seleção, e eu perdendo a oportunidade, não joguei uma Copa do Mundo."
Nem por isso Mirandinha não tem o que contar nas passagens pela seleção, que o levou para o Newcastle após um torneio no Reino Unido:
"Acabei não realizando esse sonho mas fui um vitorioso na minha carreira: fui campeão em 83 em Toulon, campeão pré-olímpico no Equador para Los Angeles 84, bi em 87, para Seul, e campeão da Stanley Haus, ganhamos empatando com a Inglaterra e ganhando da Escócia. Todas as seleções que joguei fui campeão e até hoje detenho o recorde de gols em pré-olímpico. Tenho a certeza de que fiz o meu melhor e sempre disputando contra monstros sagrados, como Romário, Bebeto, Evair... pra mim foi realmente importante."
Simpatia por uma vitória do Liverpool na Champions League
Mirandinha aposta que chegou a hora dos clubes ingleses sobreporem os espanhóis no domínio continental. "Acredito que possa a vir a ter esse domínio nas futuras edições da Champions. Os clubes ingleses, quase todos, jogam com 100% de estrangeiros. Isso começou a surgir naquele momento em que eu fui para a Inglaterra. Muitos franceses, italianos, holandeses. A tendência é que esse fenômeno possa permanecer."
Tudo vem do fortalecimento da Liga nacional. "Para quem conhece o futebol inglês, não é novidade a ascensão de equipes como Leicester, do próprio Newcastle... a gente encontra o City, que na minha época era um time comum, o próprio Chelsea não era nenhuma máquina, nenhum concorrente à Liga. Isso tudo faz com que a gente fique na expectativa de que o futebol inglês continue crescendo. Mas eu gostaria que o futebol inglês tivesse mais revelações jogando na Premier League. O inglês joga com muita sede de gols. Mas aposto que o futebol inglês irá ter clubes modestos crescendo e dificultando a vida dos grandes", disse.
A aposta dele para a Champions League está em Liverpool, de onde guarda uma boa lembrança: "O Liverpool, eu tenho uma lembrança muito boa. Na primeira temporada eu fui muito bem contra eles, fiz um gol muito importante no Anfiled, no Boxing Day, dia de Natal. O jogo estava empatado e aos 47 do segundo tempo teve um pênalti e eu fui lá, assumi a cobrança e fiz o gol. Marcou, porque mesmo sendo adversário, a torcida do Liverpool me aplaudiu de pé."
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