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Palmeiras virou "porco" há 50 anos depois de uma tragédia do Corinthians

Da ofensa ao incentivo: Paulo Nunes comemora gol com uma máscara de porco - Evelson de Freitas/Folhapress
Da ofensa ao incentivo: Paulo Nunes comemora gol com uma máscara de porco Imagem: Evelson de Freitas/Folhapress

Diego Salgado

Do UOL, em São Paulo

28/04/2019 04h00

Trinta mil pessoas se aglomeravam na sede social do Corinthians na manhã do dia 28 de abril de 1969. Em vez dos habituais gritos de incentivo, a consternação tomava conta do Parque São Jorge. Horas antes, dois jogadores do time alvinegro, o lateral-direito Lidu e o ponta-esquerda Eduardo, morreram num acidente de trânsito.

A dor corintiana era refletida numa homenagem marcada por lenços brancos agitados de forma silenciosa. Lidu tinha apenas 22 anos. Eduardo, 25. Ambos haviam estreado no time no ano anterior, eram titulares absolutos da equipe e jogavam sob uma enorme expectativa. O Corinthians estava na fila de títulos e caminhava para a conquista do Campeonato Paulista daquele ano.

Foi essa tragédia que fez o Palmeiras ganhar o apelido de porco, após uma decisão polêmica tomada pela diretoria alviverde diante de um pedido corintiano.

O acidente aconteceu horas depois de um jogo do Corinthians disputado em Sorocaba contra o São Bento. À 0h10, Lidu, que havia tirado a carteira de motorista quatro meses antes, perdeu o controle de um Fusca bege na altura da Ponte da Vila Maria, na Marginal do Rio Tietê. O automóvel placa 9-26-79 estava a 80 km/h quando subiu no canteiro central e capotou três vezes até parar na outra pista.

Lidu e Eduardo foram levados com vida ao Pronto-Socorro de Santana, na zona norte de São Paulo. Chegarem ao local à 0h30, mortos. Horas depois, as homenagens se desenrolaram. Jogadores do Corinthians, entre eles Rivellino, foram ao Instituto Médico Legal (IML). De lá, para o Parque São Jorge, onde os corpos foram velados com a presença de jogadores de Palmeiras e São Paulo - Lidu foi enterrado em Presidente Prudente, e Eduardo, no Rio de Janeiro.

Corinthians - Reprodução - Reprodução
Pedido do Corinthians foi negado pelo Palmeiras numa reunião ocorrida em 3 de maio de 1969
Imagem: Reprodução

O pedido corintiano

No dia 3 de maio, apenas cinco dias após a tragédia, representantes dos 14 times do Campeonato Paulista fizeram uma votação após um pedido feito pelo Corinthians. O clube alvinegro queria uma autorização para inscrever fora do prazo dois atletas nas vagas de Lidu e Eduardo.

A reunião na sede da Federação Paulista de Futebol, porém, acabou antes do esperado. Em menos de 40 minutos, decidiu-se que o Corinthians não poderia substituir os jogadores mortos - a regra era a seguinte: todos os 13 clubes precisavam dar o aval. Mas o Palmeiras, quinto clube a votar, disse não ao clube alvinegro e, com isso, encerrou a discussão.

Antes do Palmeiras, São Bento, Botafogo, Ferroviária e Guarani tinham dito sim ao Corinthians, que já havia conseguido outros votos favoráveis nos bastidores, como os de São Paulo, Santos e XV de Piracicaba. Na ocasião, a decisão palmeirense foi proferida pelo diretor de futebol José Gimenez Lopes, que deu explicações em seguida.

Para o cartola palmeirense, o pedido deveria ser feito primeiro à Confederação Brasileira de Desportos, a CBD, anterior à CBF, além do Conselho Arbitral da Fifa. "Se eu não quebrasse a provável unanimidade, estaria admitindo as modificações pretendidas e que poderiam não ter legitimidade perante órgãos superiores", disse Gimenez após a reunião.

Corinthians 1969 - Acervo - Acervo
Lidu, o segundo à direita em pé, e Eduardo, o primeiro à direita agachado, morreram em acidente de carro
Imagem: Acervo

O Corinthians se conformou com a situação, embora perder dois titulares deixasse a equipe do técnico Dino Sani bastante fragilizada. "Jogaremos com o que tivermos", disse o diretor corintiano Elmo Franchini.

Nos bastidores, o presidente alvinegro Wadih Helu disse que o Palmeiras tivera "espírito de porco" ao dizer não. Nascia ali, de forma negativa, o apelido do Palmeiras, citado entre torcedores rivais até a década de 1980.

A perda de Lidu e Eduardo fez o Corinthians, na fila há 14 anos na época, cair de produção no campeonato. Até o fatídico dia, o time tinha vencido 12 dos 15 jogos do Paulistão, incluindo clássicos contra Palmeiras, Santos e São Paulo. No restante do segundo turno, os corintianos perderam cinco partidas (três diante dos rivais). No quadrangular final, não somou pontos e acabou derrotado em todos os três clássicos. "Todo mundo sabe que o Corinthians perdeu o campeonato quando perdeu Lidu e Eduardo", disse Helu em junho de 1969.

Mas porco é negativo mesmo?

Palmeiras - Reprodução - Reprodução
Jorginho, principal jogador do Palmeiras em 1986, "adota" o porco na capa da Placar
Imagem: Reprodução

O Palmeiras conviveu com o apelido pejorativo por 17 anos. Em outubro de 1986, por meio de uma jogada de marketing bem-sucedida, o porco foi adotado pela torcida e pelo clube. A tarefa, entretanto, foi árdua. E teve um comandante: o ex-diretor de marketing João Roberto Gobbato.

Foi ele quem cogitou mais de três anos antes a adoção do porco como apelido positivo. Para chegar à conclusão, Gobbato escutou os conselhos da funcionária e socióloga Sílvia Calegari. Para ela, assumir o nome era um antídoto para se livrar dele.

"Foi muito difícil para os conselheiros do Palmeiras assimilarem. Isso me custou muita coisa, muita ofensa familiar. Mas a gente superou isso", disse Gobbato, que chegou a perder o cargo de diretor de marketing e até o posto de conselheiro do clube nos anos seguintes.

Em 1986, uma das estratégias de Gobbato foi se aproximar das torcidas organizadas do Palmeiras. "Eu expliquei a ideia para eles e a necessidade de mudar aquilo", contou.

De acordo com Gobbato, com o apoio das lideranças da Mancha Verde e da TUP, o grito seria entoado na final do Campeonato Paulista, diante da Inter de Limeira. A derrota inesperada adiou o lançamento para um clássico contra o Santos disputado quase um mês depois. No domingo seguinte, antes de um duelo com o São Paulo, os líderes das organizadas desfilaram na pista de atletismo do Morumbi com um porco em mãos.

Dali a oito dias, o meia Jorginho, principal jogador do Palmeiras, estrelou a capa da revista Placar com um porco nos braços. A manchete dizia: "O Palmeiras quebra um tabu: dá-lhe, porco."

O porco ao lado do periquito

Trinta anos depois de a torcida assumir de vez o porco, a diretoria do Palmeiras decidiu equiparar os mascotes do clube. Assim, o porco passou a ter o mesmo posto do periquito. Em homenagem ao antigo diretor de marketing, o novo símbolo palmeirense recebeu o nome de Gobbato.

"Fiquei muito feliz com isso, porque eles entenderam que é positivo. Hoje, o grito 'porco' é o principal do time. Ninguém grita 'periquito'. 'Porco' virou incentivo", ressaltou o palmeirense de 74 anos.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado anteriormente, Lidu foi enterrado em Presidente Prudente, e Eduardo, no Rio de Janeiro. O erro foi corrigido.
Diferentemente do que foi publicado anteriormente, a CBD foi a confederação anterior à CBF. O erro foi corrigido.

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