Jean Lucas começou no futebol por sacolés e diz jogar por Meninos do Ninho
Futebol é alegria e responsabilidade. A explosão de um gol ou a dor de uma derrota, tudo nos pés dos jogadores que representam milhões em campo. Para Jean Lucas, volante do Santos emprestado pelo Flamengo, não é somente isso. Ele soma 10 a esse montante milionário: as vítimas fatais do incêndio no Ninho do Urubu.
Nas chuteiras do garoto que jogava descalço no terrão aos 7 anos sonhando em ganhar sacolés estão as palavras "Meninos do Ninho", uma homenagem de alguém que viveu essa realidade e chorou ao falar do tema em sua apresentação no Peixe.
"Vivi lá a maioria do tempo mesmo não morando lá. Infelizmente aconteceu essa tragédia. Decidi homenagear eles com uma coisa mínima, que foi colocar na chuteira pra eles verem lá de cima. Estou jogando por eles", disse Jean em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.
O choro, inclusive, é algo que faz parte da vida de Jean Lucas, ao contrário da palavra desistir. Quando menino chegava a passar o rodo no campo de terra em dias de chuva para poder jogar e ganhar os sacolés. Era uma competição onde cada garoto dava 50 centavos e o vencedor ganhava tudo em sacolés.
Jean jogava com os garotos de sua idade e também com os mais velhos em busca do prêmio. Apanhava muito dos mais fortes, chorava e pedia falta, mas não desistia. Ele chamou a atenção e foi indicado para o Nova Iguaçu, onde atuou dos 8 aos 15 anos. De repente, Jean Lucas sumiu por uma semana dos treinos: sua avó havia morrido e ele quis parar.
Ainda garoto, Jean ouvia da avó que queria vê-lo jogando na televisão. O baque da morte foi grande e, quando o volante voltou aos treinos, acabou dispensado. Foi aí que ele quis, sim, desistir. Pensou em estudar e largar a vida de jogador, mas seus pais estavam ao seu lado para lembrar-lhe que aquilo era seu sonho.
Então, ele voltou. Foi parar no Bonsucesso e, para não se atrasar aos treinos, chegava a correr cerca de 6 km entre as passarelas 15 e 25 em dias de muito congestionamento na avenida Brasil. Alguns amigos desciam do ônibus e voltavam para casa, mas não Jean Lucas. "Era muito longe e quando chegava um pouco atrasado ainda tinha que pedir para me deixarem entrar para treinar".
Lá ficou por um ano antes de participar de uma peneira no Flamengo. Antes do teste no rubro-negro, Jean fez somente trabalhos físicos por quatro meses, com intuito de chegar no mesmo nível. Deu certo.
"Eram duas semanas de teste e no segundo dia eu passei, mas falaram só para o meu pai e ele não me falou nada. Aí chegou lá no final e disseram que só dois garotos tinham passado: 'Jean Lucas, agora você faz parte do Flamengo', deu maior vontade de chorar", confessou.
No Flamengo fez parte da geração de Vinicius Jr, Lucas Paquetá e Felipe Vizeu. O volante ainda mantém contato com os antigos companheiros e pretende marcar uma "resenha" no Rio de Janeiro durante a pausa para a Copa América. Isso se Vinicius Jr e Paquetá não forem convocados para o torneio, lembra.
Conhecido desde a base pelo estilo clássico com camisa para dentro do calção, Jean Lucas conta que o costume surgiu por insistência da mãe, mas não no futebol.
"Quando eu era mais novo, minha mãe colocava a camisa para dentro para sair, quando ia para a Igreja ou para o shopping, eu chorava e tudo mais. Aí quando fui jogar peguei isso e comecei a usar a camisa para dentro. Fica mais arrumado. Agora quando a camisa fica para fora parece que está grandona e não me sinto à vontade", explica.
Adaptado à Santos e fã do técnico Jorge Sampaoli, Jean Lucas não quer apenas passar pelo Peixe. Ele diz estar realizando um sonho jogando na equipe da Vila Belmiro e, apesar de ficar por empréstimo somente até o final do ano, quer deixar um legado no Santos.
"Eu também tinha o sonho de jogar aqui no Santos, via Neymar, Robinho e Ganso brilhando na Vila, a torcida gritando o nome deles. Sonhava em jogar aqui como sonhava em jogar no Flamengo e hoje estou realizando. Quero deixar um legado aqui. Tem que ser esse ano, mas se Deus quiser vamos conquistar coisas grandes", projetou.
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