Primeira árbitra do mundo teve ajuda do governo militar para poder apitar
Lea Campos fez um curso de arbitragem na Federação Mineira de Futebol em 1965. Foram oito meses de aprendizado. Conseguiu passar em todos os testes: o escrito e o físico, sem nenhum problema. No entanto, na véspera de receber seu diploma, teve a notícia de que a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) havia vetado sua diplomação.
Ela poderia ser a primeira mulher a se tornar árbitra profissional no planeta. Mas não aconteceu. "Conversei com o presidente da Federação na época. Ele me informou que o (João) Havelange disse que não poderia me tornar árbitra porque a Constituição Brasileira proibia. A Lei não permitia que mulheres jogassem alguns esportes, mas não mencionava apitar futebol. E era isso que queria".
Lea passou quatro anos tentando a liberação de seu registro. "Na época, o Havelange me disse: 'Enquanto eu for o presidente da CBD, nenhuma mulher joga, apita, bandera, dirige, não faz nada dentro do futebol, porque eu não quero'".
Mesmo assim, não desistiu. Conseguiu uma entrevista com o então presidente do Brasil, o general Emílio Garrastazu Médici. "Ele fez um bilhete de próprio punho para que o Havelange liberasse o meu diploma, que era um direito que eu havia adquirido".
Durante um evento de despedida de Pelé da seleção brasileira, em 1971, ela brigou até conseguir entregar a carta em mãos para presidente da CBD. Quando conseguiu, Havelange anunciou, em coletiva de imprensa, a oficialização da primeira árbitra de futebol feminino do mundo, como fruto de sua gestão.
Era o reconhecimento da luta de Lea Campos. Mas só gerou irritação. "Ele me prejudicou por quatro anos e acabou me colocando de bandeja para o mundo esportivo. A partir daquele momento, eu passei a dividir as manchetes de jornais com o Pelé".
Hoje, Lea vê evolução no futebol feminino, mas destaca que ainda tem muito a melhorar. "Falta que os empresários e as pessoas que lidam com futebol entendam que a mulher também é capaz de dar espetáculo em campo. Desde que criaram a Lei que obriga os clubes profissionais a terem equipe feminina, melhorou um pouco, mas ainda falta muito chão para caminhar. Infelizmente, ainda perdemos nossas melhores jogadoras para o exterior".
Sua história só foi possível porque ela não desviou seu foco em momento algum. "Desistir? Nunca! Quando coloco algo na minha cabeça, enfrento trancos e barrancos, mas chego lá. Sempre fui teimosa, obstinada. Por isso, consegui chegar onde cheguei".
O Museu do Impedimento
A saga de Lea é uma das várias histórias que compõe o Museu do Impedimento (museudoimpedimento.com), um site colaborativo fruto da parceria entre Google Arts & Culture e Museu do Futebol para retratar os anos de proibição do esporte para as mulheres no país, que ocorreu entre 1941 a 1979. O lançamento ocorre a duas semanas da abertura da Copa do Mundo de futebol feminino, na França.
"Achei maravilhoso o Google levantar essa bandeira do futebol feminino. As histórias vão ser divulgadas, desde o surgimento do esporte no Brasil até os dias de hoje e isso é muito importante", declarou Mariléia dos Santos. Não sabe quem é Mariléia? Ela é mais conhecida como Michael Jackson, maior artilheira do futebol brasileiro.
"Michael Jackson"
Michael Jackson marcou 1574 gols em sua carreira. Foram 12 anos servindo a seleção brasileira e, mesmo assim, a história da maior artilheira do futebol feminino brasileiro se mantém ofuscada. "O preconceito no futebol sempre existiu, ainda mais por ser mulher e negra. Era ruim, mas eu não tirava o foco do meu objetivo, que era jogar bem. Quanto mais preconceito tinha, mais eu queria mostrar bons resultados", contou.
A paixão dela pelo esporte começou desde criança, quando ainda morava na cidade de Valença, no interior do Rio de Janeiro. "Somos em 11 irmãos e eu sou a caçula. Com exceção da minha mãe, todos em casa jogavam futebol. Quando eu acordava, já estavam jogando em um campo que tinha lá perto. Meninos e meninas jogavam todos juntos".
"O Brasil evolui bastante. Hoje, nós temos as categorias de base, que são excelentes. Desde que comecei a jogar, sempre fui remunerada. Jogava pelo Esporte Clube Radar, que até hoje é um dos melhores times que já existiu. Então, sempre recebia meu salário em dia, mas vários clubes não pagavam e tinha esperança que um dia isso iria profissionalizar. Sei que não são todas jogadoras que conseguem isso, até hoje".
Apesar dos impedimentos de ser jogadora nos anos 1980 e 1990, ela não se via seguindo outra carreira. "Nunca pensei em desistir. Eu gostava de jogar de futebol, estava na minha veia, era o que eu sabia fazer muito bem. Meu foco sempre foi lutar por isso".
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