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Aline tem 1,63m, é goleira da seleção e diz: "Isso só é problema no Brasil"

Aline Reis, goleira da seleção brasileira feminina - Lucas Figueiredo/CBF
Aline Reis, goleira da seleção brasileira feminina Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Ana Carolina Silva

Do UOL, em São Paulo

26/05/2019 04h00

Aline Reis é uma atleta diferente. A goleira da seleção brasileira tem mestrado na Universidade Central da Flórida, dos Estados Unidos, é politizada, feminista e não tem medo de dar voz ao que acredita. A jogadora defenderá o Brasil na Copa do Mundo da França e tem boas passagens pelo futebol norte-americano e pelo Tenerife, seu atual clube na Espanha. Mas muita gente foca apenas em uma coisa quando a vê: sim, esta é a goleira de 1,63m.

"Quando me perguntam sobre isso, geralmente dou aquela resposta de sempre: a estatura não é tudo, eu tenho de focar nas coisas que posso mudar. Porque não vou crescer. Eu acho que tenho feito um trabalho excelente em desenvolver as outras qualidades de um goleiro: agilidade, impulsão, técnica. Eu me dedico muito para ser sempre melhor em todas as coisas que realmente posso controlar", afirmou.

Ciente de que muitos brasileiros só questionam Aline sobre sua altura, o UOL Esporte deixou este tema para o final da conversa que teve com a atleta. Ela já não costuma dar respostas curtas e incompletas, mas, ao ouvir a reportagem dizer que poderia desabafar sobre o assunto repetitivo, a goleira assentiu e aproveitou para falar algo que, segundo ela, nunca havia dito à imprensa.

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Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

"É a primeira vez que vou falar isso: o único lugar do mundo em que ficam perguntando sobre minha altura é o Brasil. Eu joguei nos Estados Unidos por dez anos, e nunca falaram da minha altura. Porque eles estavam me vendo jogar! Eles viam os meus jogos, os meus treinos. Tinha tanta coisa boa para falar sobre mim que não falavam da minha altura. Eles veem o futebol de outra maneira, e na Espanha é a mesma coisa. O Brasil toca muito nessa tecla, e é a primeira vez que estou falando isso", desabafou.

"É muito fácil me ver e falar só: 'Vamos debater a altura dela'. Poxa, então venha assistir a um treino meu, venha assistir aos meus jogos. Aí a gente conversa sobre outras coisas. Pode ser que eu esteja passando um pouco com a minha resposta, mas isso realmente só acontece no Brasil. Nunca fui perguntada sobre isso fora do país. Se eu pudesse escolher ser maior, eu seria. Mas não vou crescer. E daí? Uma goleira mais alta pode não ser tão boa em algo que não pode mudar", completou.

Aline disse isso tudo sem hesitação. O único assunto que a fez parar e levar a mão à cabeça foi Jair Bolsonaro. Até o momento da publicação deste texto, o presidente da República ainda não se manifestou publicamente em apoio à jornada que a seleção feminina terá na Copa do Mundo a partir de 9 de junho, data da estreia contra a Jamaica. Em contrapartida, o político do PSL, que é fã de futebol, já gravou mensagem para Neymar, craque do time masculino.

A primeira reação dela foi dizer que este era um tema "complicado" e suspirar. Porém, não deixou de opinar em tom cauteloso e respeitoso. "Existem pontos em que eu tenho de ser oposição ao presidente, porque o jeito como ele se expressa às vezes sobre as mulheres, sobre as minorias... Eu não concordo com isso. Eu acho que o líder de uma nação tem muita influência. Pode mudar a maneira como as pessoas pensam", explicou.

"Me deixa triste pensar que ele ainda se refere às minorias desta forma. Se ele realmente se preocupasse com isso e quisesse mudar o jeito que o resto da nação pensa, ele mudaria um pouco o discurso. Infelizmente, não é assim. Mas eu não gosto de política e prefiro não opinar mais do que isso", concluiu Aline, que não estava no Brasil nas últimas eleições e não votou.

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Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

A preocupação com os direitos das mulheres e minorias não é fruto do acaso. Ela diz que abordagens radicais podem prejudicar o diálogo, mas se declara feminista e rebate qualquer interpretação negativa que este posicionamento pode gerar. "Acho que muitas pessoas ainda não entenderam a definição de feminismo e levam para outro lado", começou Aline.

"Tudo que é radical não é legal, mas o que eu falo é: uma mulher que não é feminista ainda não entendeu o que é feminismo. Eu sou mulher, então como poderia não ser a favor dos meus próprios direitos? Nós somos mulheres e temos de estar do nosso lado. E tudo o que a gente pede é a igualdade, a equidade de tudo... No respeito, nas oportunidades. A gente não está pedindo nada a mais, não é um privilégio. É só igualdade", acrescentou.

"Todos os esportes são plataformas para a gente ter essa voz e lutar por algo maior do que só o esporte, por algo maior do que a gente. É isso que eu tento fazer. Já vivi em países em que a igualdade de gênero está bem mais avançada, e em países que estão bem mais atrasados do que o Brasil. Por experiência, sei que a gente vai viver em um mundo melhor quando houver igualdade. Quando homens e mulheres tiverem as mesmas oportunidades e se respeitarem", comentou.

Esta igualdade incluiria o pagamento de premiações iguais para as seleções masculina e feminina? Não exatamente.

"O foco maior não é este, não é questão financeira. A gente está falando de tratamento, estrutura, mídia, visibilidade. O financeiro envolve muita coisa: marketing, entrada de dinheiro, saída de dinheiro... Eu não tenho propriedade para falar que a premiação deveria ser igual. Mas a gente precisa ter as mesmas oportunidades, visibilidade e estrutura do masculino", disse.

Para começo de conversa, Aline afirma que já ficará feliz se as pessoas não compararem a seleção feminina com os homens comandados por Tite, que disputarão a Copa América masculina no mesmo período em que elas defenderão o Brasil na Copa do Mundo da França. "Não tem como ser comparado! A gente não está na mesma altura de igualdade, e não estou falando de desempenho ou de qualidade. Vou explicar", avisou.

"Todo mundo diz que o Brasil é o país do futebol, mas é o país do futebol masculino. Os meninos crescem jogando, desenvolvem a capacidade técnica desde cedo. Se a gente for olhar a história do futebol feminino no Brasil, houve uma época em que as mulheres foram proibidas de jogar futebol. Os homens nunca foram proibidos. Só por isso, já não tem como comparar. Nós, brasileiros, precisamos ter orgulho. Espero que torçam tanto por nós, quanto pelos meninos", pediu.

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Imagem: Quality Sport Images/Getty Images

Muitos homens e mulheres do futebol têm algo em comum: a maioria dos atletas usa respostas protocolares para tudo, como "vamos fazer o que o professor pediu" e "se Deus quiser, vamos sair com os três pontos". Mais uma vez, Aline mostra uma mentalidade diferente.

A seleção brasileira feminina terá de quebrar uma marca de nove derrotas consecutivas. Ao ser questionada sobre a pressão popular que o time pode sofrer por ter os jogos transmitidos em rede nacional pela TV Globo, a goleira faz questão de ressaltar que esta não será a primeira vez que as 23 jogadoras escolhidas por Vadão lidarão com adversidades no futebol.

"Todas as meninas que estão na seleção hoje, todas, sem exceção, vivem uma vida futebolística de superação. Isso vale para a maioria das meninas que pratica futebol no Brasil. São muitos obstáculos, muitas coisas que temos de superar. Isso acaba nos fazendo mais fortes. A gente está muito contente com a transmissão em TV aberta, mas eu não acho que a gente sinta alguma pressão extra", disse ela, que está ciente de uma coisa: "O brasileiro só se importa com o primeiro lugar."

"A gente viu isso em 2016 [no Rio de Janeiro]. Muitos atletas brasileiros ganharam bronze ou prata, que são medalhas olímpicas, e o povo parecia não estar contente com aquilo. Mesmo sabendo que outros países investem muito mais no esporte do que o Brasil. Então pode ser que os brasileiros esperem o ouro da gente. É lógico que este é o nosso objetivo, e tem de ser. Eu acredito! Mas o nosso objetivo é exercer nossa função com qualidade, deixar tudo dentro de campo", explicou.

"Queremos sair de campo com a sensação de dever cumprido, e o resultado vai ser consequência desta dedicação. Eu quero mostrar aos brasileiros a paixão que a gente sente pelo futebol, a dedicação, e tudo o que cada mulher aqui já passou para estar nesse nível", encerrou.