Craque da Argentina relembra perrengues no São Paulo e se declara ao Santos
Sole Jaimes talvez seja a argentina mais brasileira de que se tem notícia no futebol. Mais do que brasileira, ela é santista declarada. Craque de sua seleção, ela estará em campo hoje (19) para uma partida decisiva entre Argentina e Escócia, às 16h (de Brasília), na Copa do Mundo feminina.
A jogadora conversou com exclusividade com o UOL Esporte sobre a experiência frustrante que viveu com a camisa do São Paulo e explicou a paixão que a faz querer se aposentar no Santos um dia, apesar de jogar no Lyon - um dos melhores clubes do mundo quando o assunto é futebol feminino.
"Meu sonho segue em pé: que um dia eu possa voltar ao Santos. Talvez não agora, mas gostaria, sim, de terminar a minha carreira no Santos. Foi o lugar onde fui muito feliz", contou ela, em bom português e com evidente carinho pelo clube alvinegro. "Eu não tinha preocupações que tive em outros clubes, como ter de pensar 'será que o salário vai cair?'. Eu morava sozinha em Santos, mas não pensava 'será que vou conseguir pagar as contas?'. Com o Santos, foi tudo certinho. Nenhuma preocupação, não tinha nenhum problema. O clube foi nota 10 comigo, ou melhor, nota mil", elogiou, hoje aos 30 anos.
Ela foi campeã e artilheira do Campeonato Brasileiro de 2017; com a camisa do Santos, fez 18 gols em 19 partidas pela competição. "A minha única preocupação era treinar e estar bem. Os torcedores gostavam muito de mim, as pessoas de Santos... O senhor Modesto (Roma Júnior), que era presidente e me fazia sentir muito bem. O Santos foi o lugar em que eu me senti em casa. Eu sei que não é o meu país, mas o Brasil foi o lugar em que eu me senti em casa, o lugar onde fui profissional", destacou.
Não é por acaso que Sole menciona o fato de ter sido profissional pela primeira vez em solo brasileiro. Foi apenas em março de 2019, às vésperas da Copa do Mundo, que a AFA anunciou a profissionalização do futebol feminino na Argentina, com a qual contribuirá com 120 mil pesos (cerca de R$ 25 mil) por mês para cada um dos 16 clubes. Parece pouco para ser dividido entre, no mínimo, oito atletas de cada time, mas suas compatriotas pelo menos terão salário.
O mesmo não pode ser dito sobre a maior parte da experiência que Sole viveu no São Paulo, quando o Tricolor, então presidido por Carlos Miguel Aidar, embarcou em uma aventura pelo futebol feminino. O projeto começou no início de 2015, mas foi somente em agosto daquele ano que as atletas receberam seus vencimentos no período correspondente, sem atrasos. Na ocasião, ela recebeu a proposta e se animou porque queria jogar o Campeonato Brasileiro. Não houve tempo nem para isso.
"Quando começou, foi lindo, maravilhoso, carteira assinada. Lastimosamente, vieram o patrocinador (a Capes: Centro de Apoio Profissionalizante, Educacional e Social) e as dificuldades. Mas o time não desistiu. A mãe da jogadora Sorriso cozinhava para nós, a senhora Onisia, e o grupo se fechou muito: 'Não vamos abandonar, vamos continuar até o final'. Nossa esperança era: 'quem sabe o São Paulo decida manter o futebol feminino?' A gente tinha dupla ilusão. Lamentavelmente, acabou. Mas a gente foi muito unida e não deixou o barco afundar. Quanto aos salários atrasados, sim, passamos por mil dificuldades. Depois nos pagaram, e cada uma tomou seu rumo", disse.
A realidade difícil ficou para trás. Depois de deixar o São Paulo - que se reconstruiu com novo departamento de futebol feminino em 2019, contratando a atacante Cristiane -, Sole passou pelo Santos, pelo futebol chinês e agora está no Lyon. Trata-se de um dos melhores clubes de futebol feminino do mundo, e certamente o melhor europeu da modalidade. A equipe da França conquistou as últimas quatro edições da Liga dos Campeões, a última com a argentina em campo.
"O Lyon é muito bom porque o presidente trata o futebol feminino como se fosse masculino. A atleta se dedica realmente como no masculino. O presidente traz as melhores do mundo. O time tem a craque da França (Amandine Henry), da Alemanha (Dzsenifer Marozsán), talvez a melhor zaga. O time é fora do comum. A seleção da França é praticamente o time do Lyon, estão acostumadas a jogar juntas por muitos anos. O grupo é maravilhoso, muito unido. Você não vai escutar nunca uma discussão. A gente fala, se entende. Elas ganharam tudo e têm uma humildade incrível", disse a camisa 9 da Argentina.
Ada Hegerberg não foi imediatamente citada por Sole no comentário acima, mas a atual dona da Bola de Ouro foi muito elogiada. "A Ada é uma mulher tão sensível, sendo que ganhou Bola de Ouro. A Ada é líder, é compreensiva, se preocupa muito se você está bem, se se sente bem. Quando eu cheguei, ela escreveu tudo em francês e espanhol para que eu aprendesse, se preocupa com tudo ao seu redor para que as coisas corram bem. Ela é muito querida. Focada, determinada, trabalha muito o tempo todo, mesmo depois dos treinamentos. Por isso chegou onde está", exaltou.
Argentina e Escócia se enfrentam hoje (19), às 16 horas (de Brasília), em Paris. Curiosamente, uma vitória da seleção sul-americana por qualquer placar definirá a França como adversária do Brasil nas oitavas de final; porém, as argentinas nunca venceram um jogo de Copa feminina. O empate por 0 a 0 com o Japão, na primeira rodada, deu a elas o primeiro ponto na história do Mundial. Ela acredita que pode ter o carinho de alguns brasileiros, mas vê a rivalidade com bons olhos.
"Quando morava no Brasil, eu não sentia isso. Os torcedores sempre falavam coisas positivas, diziam que gostavam muito do meu futebol porque eu era argentina, raçuda, não desistia. Era sempre coisa boa. Eu, jogando no Brasil, me senti muito acolhida. Mas jogando seleção contra seleção, existe rivalidade. E é legal que isso exista, é um bom sinal para o futebol feminino", concluiu.
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