Ele já parou Messi na Bombonera. Agora quer chance contra o Brasil
"Se você não está preparado, está morto". Miguel Araujo tinha 22 anos quando proferiu essa frase nos corredores de La Bombonera, em Buenos Aires, no dia 5 de outubro de 2017. Minutos antes, o zagueiro estava no gramado do lendário estádio argentino com uma missão ingrata. Era ele o encarregado de marcar Lionel Messi para manter vivos os sonhos peruanos de classificação para a Copa do Mundo de 2018.
Araujo entrou em campo como um anônimo e saiu como "La Fiera", endeusado por um país e foco das frustrações de outro. Sua atuação diante de Messi foi impecável, Desarmes, carrinhos para travar os chutes desesperados do craque e um senso de posicionamento impressionante espantaram os narradores argentinos e empolgaram os peruanos, que produziram dezenas de reportagens sobre a vida do zagueiro nos dias seguintes ao confronto histórico.
"Era um jogo muito difícil, por todo o contexto. Se ganhássemos, estaríamos praticamente garantidos no Mundial e ainda eliminaríamos a Argentina. Conforme os minutos passavam, a pressão deles aumentava, mas a gente percebia que era possível ganhar no contra-ataque. Só que, como defensor, preferia que não tivéssemos sofrido tanto (risos)", confessou Araujo, durante entrevista ao canal Movistar, semanas após o empate por 0 a 0 em La Bombonera.
Hoje, Araujo vive a expectativa de mais um grande desafio na curta carreira. Com a lesão de Carlos Zambrano durante a vitória por 3 a 1 sobre a Bolívia na última terça-feira, é ele o favorito a ser titular do Peru contra a seleção brasileira amanhã, às 16h, na Arena Corinthians, em São Paulo. As equipes se enfrentam pela rodada final do Grupo A da Copa América.
Esse embate contra a Argentina era apenas o terceiro jogo de Araujo pela seleção principal. A estreia já havia sido uma fogueira. Com apenas 17 minutos, precisou entrar na difícil partida contra o Equador, até então um dos líderes das Eliminatórias. Quando conseguiu ganhar as três primeiras divididas que se apresentaram em campo, percebeu que teria uma atuação segura. Mas essa não foi a maior prova de sensibilidade naquele dia 6 de setembro de 2016.
"Acordei achando que ia jogar. Não é normal e não sei a razão, mas fiquei com isso na cabeça e com a benção de Deus ganhei a oportunidade de entrar (pela lesão de Luis Abram). A primeira jogada já me deu muita confiança. Logo depois tive duas outras divididas e minha mente estava muito focada. Eu queria motivar os companheiros mesmo sem jogar, imagine quando entrei. Acredito muito nisso, em empurrar os amigos para dar mais confiança", contou.
Foi com esse espírito que, seis meses depois, em março de 2017, Araujo recebeu mais uma chance de defender a seleção peruana. E novamente em um desafio indigesto. Em Lima, era preciso vencer o Uruguai para seguir na luta por uma vaga na Copa da Rússia. Mas como parar o estrelado ataque formado por Edinson Cavani e Luis Suárez?
"Quando eu entro em campo, eu mudo o chip. Mudo a cara e fico mais imponente", explicou o zagueiro com fama de bom moço, mas que não se deixou intimidar por Suárez. Havia uma lenda, sustentada por Araujo meses depois, de que o centroavante uruguaio entrou em campo perguntando a todos quem era o novato que iria marcá-lo, e depois passou a encará-lo: "É verdade. Ele me olhava e não tirava o olho, não sei se esperava que eu baixasse a cabeça, mas eu não baixei".
O Peru venceu o Uruguai por 2 a 1 e Araujo foi aprovado em mais uma prova de fogo que o levaria a enfrentar a Argentina na temida Bombonera. O jogo foi marcado para uma noite de quinta-feira. Uma festa impressionante foi feita pelos cerca de 49 mil argentinos presentes no estádio. Dois países pararam para acompanhar a partida pela televisão. Mas logo a mãe de Araujo correu o risco de perder o maior momento da carreira do filho.
"Mama" Julia ficou tão nervosa naquela manhã, que teve uma crise de pressão alta e precisou ser internada. Os médicos não queriam deixá-la voltar para casa, muito menos ver o jogo na TV. As recomendações foram, obviamente, ignoradas e Julia conseguiu até passar um recado para o filho: "Deixe tudo em campo, porque eu gostaria de estar no seu lugar e faria tudo por meu país, como seu pai fez tudo para que você pudesse treinar e chegar onde chegou".
Araujo conta que seguiu à risca o conselho da mãe, assim como seus companheiros. "Estávamos sempre perto um do outro. Se um não ia chegar na bola, o outro corria por ele. Demos a cara por essas cores. Não planejamos nada. Só focamos que eram 11 contra 11 e mostramos à Argentina que eles também precisavam se preocupar", comentou à época. O duelo com os argentinos foi tenso como o esperado. Araujo precisou se desdobrar para segurar Messi.
Os gritos de lamentação e o desespero crescente do craque em La Bombonera significavam o sucesso na missão de Araujo. Bem como os muros que ganharam grafites em sua homenagem no bairro de San Gabriel, no distrito de Villa María del Triunfo, em Lima.
Foi lá onde o zagueiro nasceu, cresceu e estudou. Familiares e professoras o definiam como um garoto educado e disciplinado. Esse foco não o impedia de ser um dos mais brincalhões da turma. Puxava as brincadeiras inspiradas no seriado "Los Choches", que mostrava crianças se divertindo na periferia de Lima e fez muito sucesso na TV peruana na década de 1990. Outro programa de televisão que motivava imitações de Araujo eram as danças de "Pedro, El Escamoso", protagonista de uma série homônima produzida na Colômbia.
A fama de Araujo após anular Messi cruzou as ruas estreitas de San Gabriel. Empresários chegaram a oferecê-lo ao São Paulo no início de 2018, mas o negócio não avançou. O Talleres, clube argentino que ganhou fama no Brasil ao eliminar justamente os são-paulinos na Libertadores deste ano, acabou o contratando. O prêmio maior foi a convocação para a Copa do Mundo do ano passado. Estar em campo amanhã contra o Brasil será apenas uma consequência.
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